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ARTIGO
A esquerda precisa oferecer alternativa
LIONEL JOSPIN
PARA O "LE MONDE"
O prolongado conflito provocado pelo contrato do primeiro emprego (CPE) não é senão o sinal
mais recente de uma crise persistente que a França precisa desfazer para reencontrar o equilíbrio.
O CPE é emblemático da maneira de pensar e de agir de nossos
governantes atuais. É um projeto
mal concebido, mal conduzido e
que pode ser mal concluído.
Mal concebido, pois a ação para
o emprego dos jovens, mesmo
útil, como no passado foi o sistema "empregos para jovens", não
pode reduzir-se a um dispositivo
específico. Ela deve inscrever-se
numa política econômica e social
global de criação de empregos,
que, para ter sucesso, precisa ser
equilibrada e, portanto, equitativa. Mal concebido, pois seria previsível que os jovens rejeitariam
um contrato cujo princípio é arbitrário. Quanto aos assalariados,
eles entenderam do seguinte modo a lógica do poder: após o direito de demitir sem justa causa por
dois anos, concedido às empresas
com menos de 20 empregados,
depois a toda empresa para os
empregados com menos de 26
anos (no CPE), viria o direito de
demitir sem justa causa todo empregado em qualquer empresa.
Mal conduzido, pois o governo
se encerrou numa dupla prova de
força. Uma prova social, que o levou a excluir qualquer negociação
ou consulta com os sindicatos,
desprezando uma lei que ele próprio quis instaurar. E outra política, pois recorreu à Constituição
para anular as críticas ao CPE expressas no Parlamento. Então,
uma vez constatado o bloqueio, o
governo em nenhum momento
aproveitou as oportunidades oferecidas para buscar uma saída negociada. Ele aventou a idéia de
que o movimento estaria sendo
aproveitado para outros fins. Tomou sua obstinação por autoridade. Enganou-se.
Esse projeto será mal concluído? É uma hipótese que não pode
ser excluída. De fato, o presidente
não escolheu o caminho simples
de rescisão do CPE. Ele promulgou o texto que incluía o CPE, em
nome do respeito à lei. Ao mesmo
tempo, declarou a lei caduca, ordenando ao governo e aos donos
de empresas que não a apliquem e
pedindo ao Parlamento outra lei.
Os franceses estão perplexos.
Hoje, temos dificuldade em
identificar quem, nas esferas do
poder, tem a responsabilidade de
buscar a saída ao impasse, se o
presidente, que alterna silêncios
com chamados à ordem, o primeiro-ministro, obrigado a renunciar a seu projeto, o ministro
do Interior, que põe em cena sua
suposta tomada do comando, ou
a maioria parlamentar, que tem
como tarefa incerta modificar a
CPE, desnaturando-o.
O movimento de protesto continua poderoso, os jovens confirmam sua determinação, e os distúrbios tomaram conta do país:
tudo indica ao Parlamento onde
está a via da razão. A maioria não
deve trapacear nem ceder à ilusão
de procurar impor algum ardil
-deve pôr fim ao conflito. Como
projeto, o CPE já está morto. Ele
estará morto, naturalmente, se for
revogado, como pedem os responsáveis pelo movimento e como propõem os socialistas. O poder precisa ter a sabedoria de pôr
fim inequívoco e claro a um projeto que não tem futuro. É essa
sua responsabilidade.
Por que essa revolta da juventude, após a explosão dos subúrbios? Por que o não ao referendo
de 2005, após a sanção sem apelação das eleições regionais e européias em 2004? Por que essa morosidade dos franceses, que se
transforma em cólera?
É sem dúvida porque o período
político inaugurado com a última
eleição presidencial nunca encontrou seu sentido. Após um primeiro turno disperso e um segundo turno unido contra a extrema
direita, o poder nunca respeitou o
voto singular que o instituiu. Ele
não disse "sou responsável, tenho
contas a prestar". Pensou: "para
que se dar ao trabalho?"
Um exercício do poder menos
sectário, a adoção de gestos de
consideração com relação aos
eleitores da esquerda, uma política econômica e social menos propositalmente antiigualitária, teriam conferido mais equilíbrio e,
possivelmente, um sentido a esse
mandato cujo início foi tão estranho. O poder aplicou projetos que
não haviam sido verdadeiramente arbitrados pela população. Se
tivesse sido eficaz, essa política
talvez pudesse ter sido suportada.
Mas ela freou o crescimento e o
emprego, aprofundou os déficits,
aumentou as tensões sociais, desmoralizou e isolou a França.
A esquerda não é responsável
pela política do poder, mas a tornou possível e será culpada se permitir que se perpetue. A esquerda
se vê diante da pergunta crucial:
vai deixar a direita suceder a ela
própria, com conseqüências ainda mais nocivas para o país?
A França precisa de uma política justa, uma autoridade respeitada, uma mudança conduzida com
calma, confiança e esperança. Cabe à esquerda oferecer isso ao
país. Pois de que servirá denunciar uma política, apoiar os movimentos que opõem resistência a
ela e refletir sobre propostas diferentes, se a esquerda não se unir
para oferecer uma alternativa?
Lionel Jospin foi primeiro-ministro da
França de 1997 a 2002.
Tradução de Clara Allain
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