São Paulo, segunda-feira, 09 de maio de 2005

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Veterano russo foi salvo por bala perdida

DO ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Uma bala perdida salvou a vida de Efim Kopaigorodski, 81, na Grande Guerra Patriótica -ou Segunda Guerra Mundial (1939-45), como o conflito é conhecido na maior parte do planeta.
Afinal, no momento em que um soldado alemão se preparava para esfaqueá-lo na nuca, numa região próxima a Stalingrado (hoje Volvogrado) -"golpe que, certamente, seria fatal"-, a bala atingiu o inimigo. Este, "enfraquecido, não conseguiu realizar o movimento com a precisão e a potência desejadas, provocando apenas um ferimento grave".
Essa não foi a primeira vez em que o veterano russo foi ferido durante a guerra. Anteriormente, fora atingido por duas balas "do inimigo nazista, uma na mão, outra no ombro". O primeiro ferimento o deixou fora de operações de combate temporariamente, enquanto o segundo o tirou dessas ações definitivamente.
"Quando me recuperei da facada na nuca, passei a participar somente de missões de apoio às tropas soviéticas", explicou Kopaigorodski em entrevista à Folha, concedida em seu escritório no Instituto de Direito Internacional e de Economia A. S. Griboedov, entidade que ajudou a fundar na década passada e da qual é atualmente reitor emérito.
O veterano russo ainda se lembra de detalhes do conflito e afirma ter três lembranças mais fortes daquele tempo. "A primeira é o dia em que o início da guerra foi anunciado no rádio. Estava em Odessa [hoje na Ucrânia] e jogava vôlei com meus amigos. Sendo jovens despreocupados, não ficamos tão inquietos e achamos que fosse apenas uma aventura rápida", afirmou Kopaigorodski.
"Tinha a impressão de que as hostilidades fossem passageiras. Ninguém entre meus conhecidos pensava que a guerra pudesse durar tanto tempo nem ser tão sangrenta. A segunda lembrança forte é a participação em minha primeira missão de ataque. Eu queria só que aquela bagunça acabasse de uma vez, mesmo que o desfecho fosse trágico, e eu morresse ou ficasse ferido gravemente."
"A terceira lembrança marcante ocorreu no dia da vitória. Estava perto de Kiev [capital da Ucrânia, que pertencia à URSS], e o trem em que eu me encontrava estava se preparando para deixar uma pequena cidade quando ouvimos a incrível notícia da capitulação dos nazistas. As pessoas ficaram exultantes e começaram a trocar abraços e beijos e a atirar para cima mesmo dentro da bela estação ferroviária em que estávamos, o que deixou marcas em seu valioso teto de gesso", contou.
Não houve um só momento mais duro na guerra, pois "o cotidiano de um conflito do gênero é uma provação terrível", segundo o veterano. "Poderia dizer que passei dias de um inverno rigoroso ao ar livre ou dentro de um rio cuja água estava quase congelada porque precisava me proteger dos ataques inimigos, mas isso foi apenas parte de algo muito maior e mais aterrorizador."
Ele admite que, durante o conflito e talvez por conta do aparato de propaganda soviético, não conseguia compreender a diferença entre os soldados alemães e a cúpula nazista, comandada por Adolf Hitler. ""Papai, mate o Fritz", diziam cartazes que víamos em toda parte durante a guerra", contou, aludindo a um nome alemão comum.
"Só mais tarde, viemos a notar a diferença entre os comandantes e os comandados. Hoje tenho um grande amigo alemão, que também combateu durante a guerra. Porém, à época, eles eram todos iguais. Ou seja, inimigos."
Também em razão da propaganda soviética, Kopaigorodski disse que, nos anos em que esteve na ativa, tinha noção das atrocidades cometidas pelos nazistas. "Assistíamos a documentários que nos falavam dos campos de concentração e da intenção de Hitler de dizimar uma parte considerável da população mundial."
Quanto aos aliados ocidentais, que também combateram os nazistas, foi breve. "É claro que os respeitávamos, pois eles também eram contrários aos nazistas. Mas fazíamos piadas, já que eles demoraram demais para entrar realmente no conflito. Se isso tivesse ocorrido antes, a guerra teria terminado mais cedo, e milhares, talvez milhões, de vidas pudessem ter sido salvas."
(MSM)

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