São Paulo, terça-feira, 09 de maio de 2006

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ANÁLISE

Ahmadinejad lança seu trunfo

STEVEN R. HURST
DA ASSOCIATED PRESS, NO CAIRO

O presidente do Irã jogou um trunfo habilidoso em seu impasse com o Ocidente, ontem, quando despachou uma carta ao presidente George W. Bush propondo "novas soluções" para a crise -uma abertura diplomática que pode complicar as esperanças americanas de que o Conselho de Segurança da ONU imponha sanções contra o regime islâmico.


Ahmadinejad vem usando a questão nuclear para mobilizar o nacionalismo e obter apoio em um país onde suas idéias têm perdido apoio

Alguns analistas também viram a carta como sinal de uma possível disputa de poder no Irã. Embora Ahmadinejad não tenha revelado o que escreveu ao líder americano, a existência da carta parece oferecer a Rússia e China uma nova e conveniente desculpa para vetar a campanha americana por sanções, enquanto os canais diplomáticos se mantêm abertos. Ambos os países detêm poder de veto no CS e vinham se opondo ferozmente às sanções.
O embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, descartou a mensagem como um esforço para reduzir a pressão internacional.
"Não me surpreende que a iniciativa surja em um dia como hoje, já que dentro de uma semana devemos votar sobre uma resolução. Os iranianos estão sempre interessados em dialogar imediatamente antes de começarem a sofrer repressão", disse. "E, quando a pressão se reduz um pouco... eles voltam a insistir no desenvolvimento de armas nucleares".
Mark Fitzpatrick, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Londres, classificou a atitude de Ahmadinejad uma "tática inteligente de negociação". "É mais difícil para os americanos conseguirem 15 votos (resultado unânime) no CS se surgir a impressão de que eles não estão dispostos a conversar com os iranianos", disse o ex-funcionário do Departamento de Estado americano.
A carta era especialmente notável, ele disse, como possível indício de uma disputa pelo poder no seio da hierarquia iraniana. "Há apenas duas semanas, Ahmadinejad declarou que não existia necessidade de conversar com os americanos sobre o Iraque", disse Fitzpatrick. "Mas agora o presidente aparece como um dos interessados em negociar. Isso pode representar um indício de uma disputa interna para determinar quem melhor poderia se relacionar com os americanos".
Washington declarou publicamente que gostaria de que seu embaixador no Iraque, Zalmay Khalilzad, conversasse com os iranianos para tentar reduzir a influência de Teerã no país vizinho.
Muitas das figuras que hoje ocupam os mais elevados postos na liderança política e religiosa do Iraque passaram anos exiladas no Irã durante o governo de Saddam Hussein, e há preocupação quanto à possibilidade de que o Irã tenha adquirido influência indevida sobre Bagdá.
Por mais que a carta de Ahmadinejad tenha sido inesperada para a comunidade internacional, para alguns iranianos o choque foi ainda maior.
"Perdi uma aposta quando surgiu a notícia da carta. Dada a postura linha dura de Ahmadinejad, apostei com meus amigos que o Irã jamais começaria uma negociação pacífica com os Estados Unidos", disse Hamid Ghargouzloo, 57, um engenheiro formado pela Universidade Estadual do Texas, em El Paso, nos anos 70.
A carta também deve permitir que Ahmadinejad ganhe tempo caso o Irã esteja, como assevera Washington, tentando construir uma bomba atômica. Até agora, o Irã conseguiu enriquecer pequenos volumes de urânio a um nível que, em quantidade suficiente, poderia alimentar um reator nuclear gerador de eletricidade. De acordo com virtualmente todas as estimativas, Teerã precisaria de mais alguns anos antes de produzir uma ogiva nuclear, meta a que o país nega almejar.
A despeito de sua motivação, porém, Ahmadinejad vem usando a questão nuclear para mobilizar o orgulho nacional e obter apoio à sua posição linha dura, em um país no qual suas idéias antiamericanas e antiocidentais aparentemente têm perdido apoio no passado recente.
A retórica furiosa de Ahmadinejad e sua insistência no direito do Irã de enriquecer urânio conseguiram, em certo grau, desviar a atenção da população esmagadoramente jovem do país, supostamente decepcionada com o islamismo fundamentalista e puritano imposto pelo presidente.
Tendo obtido sucesso em sua cartada mais recente, é difícil antecipar uma maneira de escapar a um confronto e preservar a credibilidade caso Ahmadinejad não obtenha um retorno de Washington. O governo dos EUA aparentemente não está inclinado a ceder diante dos iranianos, provavelmente por crer que Ahmadinejad não será capaz de suportar a dinâmica nacional e internacional que, na opinião dos americanos, opera contra ele.
Mas Ahmadinejad conta com muito dinheiro gerado pela exportação de petróleo e tem conseguido derrotar os esforços de Washington para inspirar um boicote internacional a Teerã. Com trunfos adicionais nas mãos, o líder iraniano talvez tenha achado um caminho para contornar o bloqueio americano e iniciar um diálogo potencialmente satisfatório para ambas as partes.


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