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ENTREVISTA
WALTER ROBINSON
"Vaticano encara denúncias de uma maneira errada"
Para jornalista responsável por noticiar acobertamento
de pedofilia pela Igreja Católica em Boston em 2002, instituição não aprendeu nada com aquele episódio
MARCOS FLAMÍNIO PERES
DA REPORTAGEM LOCAL
Eram correntes os relatos de
que padres da Arquidiocese de
Boston abusavam sexualmente
de crianças e jovens, mas foi
apenas quando o "Boston Globe" decidiu investigar o assunto a fundo que as suspeitas se
comprovaram -e eram piores
do que se supunha.
Publicadas a partir de janeiro
de 2002, as reportagens revelaram que o cardeal Bernard Law
acobertou o padre John Geoghan, apesar das provas -recolhidas em dezenas de milhares
de documentos da arquidiocese- de que molestava crianças
havia ao menos uma década.
A estratégia foi transferi-lo
de paróquia a paróquia.
Law, então um notório defensor de direitos humanos e
pessoa de confiança do papa
João Paulo 2º, caiu em desgraça
e foi obrigado a renunciar.
A equipe do "Globe" -que,
no ano seguinte, ganharia o Pulitzer pela investigação- era liderada por Walter Robinson,
ele próprio um católico vivendo
em meio a uma das maiores
dioceses católicas dos EUA.
"O mais difícil não era acreditar que padres abusavam de
crianças, porque sabia que isso
existia, mas, sim, acreditar que
a igreja tenha encoberto a história, enviando-os a novas paróquias, onde teriam oportunidade de praticar outros abusos", afirma Robinson em entrevista concedida à Folha de
Boston, onde hoje, após deixar
as Redações, leciona na Universidade Northeastern.
Como resultado do trabalho,
a arquidiocese quase faliu com
as indenizações que teve de pagar, e outros casos vieram à luz
pelos EUA.
Geoghan foi condenado a
quase dez anos -em 2003 seria
estrangulado na prisão. Law é
hoje arcipreste da basílica de
Santa Maria Maggiore (Roma).
FOLHA - Passados oito anos da revelação do caso Bernard Law pelo
"Globe", o que a Igreja Católica
aprendeu com o assunto?
WALTER ROBINSON - Não acho
que o Vaticano tenha aprendido coisa alguma com isso. Sua
visão é a de que os católicos não
têm o direito de saber detalhes
de casos assim e que a imprensa
secular não tem nenhum direito de fazer perguntas.
FOLHA - Mesmo hoje?
ROBINSON - Mesmo hoje. As críticas feitas agora são ainda mais
duras do que em 2002, contra o
"Globe". À época, ninguém chegou a sugerir que se tratava de
um complô de judeus, da mídia
ou de qualquer coisa do gênero.
Ninguém dizia explicitamente
que era uma tentativa de atingir o papa e a igreja. Nesse sentido, acho que o Vaticano está
lendo a situação toda de maneira errada.
FOLHA - Qual sua reação quando
deu de frente com os primeiros documentos provando o acobertamento, por parte da igreja, dos casos
de abuso sexual?
ROBINSON- Quando conseguimos as primeiras centenas de
páginas, lembro-me de ter relatado a história para o editor-executivo do jornal, que disse:
"Não importa tanto o que está
nos documentos, mas aquilo
que não está".
Pois em nenhum lugar das
milhares de páginas, com cartas do cardeal a seus subordinados, ele jamais expressou preocupação com o que havia acontecido às crianças.
FOLHA - Teve apoio do jornal em
todos os momentos da apuração?
ROBINSON - Sim, muito.
FOLHA - Qual foi a reação da enorme comunidade católica de Boston?
ROBINSON - Nos primeiros dias,
houve alguns católicos proeminentes que acusaram o jornal
de tentar atingir a igreja. Mas
uma ou duas semanas depois
das revelações, mesmo eles se
calaram, pois todo mundo passou a entender quão sérios
eram os crimes. O cardeal Law
perdeu toda sua credibilidade.
FOLHA - Houve manifestações?
ROBINSON - Não contra o "Globe", mas contra igreja. No início, pensávamos que haveria
umas 500 pessoas protestando
em frente à sede do jornal, mas
isso nunca ocorreu.
FOLHA - Isso o surpreendeu?
ROBINSON - Foi uma surpresa,
sim. Mas as provas eram tão
fortes que as pessoas se deram
conta de que a questão era com
a igreja, não com o "Globe".
FOLHA - Sem os documentos revelados pelo jornal, provavelmente
não haveria nada comprovado sobre o acobertamento. Qual a importância do caso Bernard Law para o
futuro do jornalismo investigativo?
ROBINSON - Foi muito importante nos EUA, pois lidávamos
com uma instituição que não
era de modo nenhum aberta,
nem sequer a perguntas.
Se tivéssemos escrito histórias baseadas só nas acusações
feitas por um pequeno número
de vítimas, ninguém teria acreditado. Decidimos que tínhamos de ter os documentos.
A igreja não pode nos acusar
de nada porque eles mostravam o quanto bispos, arcebispos e cardeais estavam envolvidos em encobrir os crimes e
permitir que continuassem.
FOLHA - Qual era, no caso, o limite
entre jornalismo investigativo e
sensacionalismo?
ROBINSON - Eu lhe digo onde
havia, nesse caso. Tínhamos, na
sede do "Globe", uma sala inteira repleta de caixas com dezenas de milhares de documentos. Neles havia grande quantidade de informações, com muito potencial sensacionalista,
sobre o que os padres faziam
com suas vítimas. Por exemplo,
um caso de abuso contra um
menino de quatro anos.
Mas fomos muito cuidadosos
sobre o que publicaríamos. Raramente usamos detalhes explícitos e focamos o que os papéis diziam sobre as atitudes da
alta hierarquia da igreja.
Não poderíamos desfazer o
que fora feito às vítimas, mas tínhamos esperança de que, a
partir das revelações, a sociedade civil e os católicos poderiam
ajudar a mudar a instituição.
FOLHA - Hoje, o sr. avalia que ajudou a mudá-la?
ROBINSON - Não sei a resposta,
mas, quanto ao futuro, acho
que não há esperança para a
igreja no mundo desenvolvido.
Os EUA registram queda acentuada no número de católicos
que vão à igreja e que contribuem com dinheiro. Isso também é verdade para a Irlanda.
Somos uma sociedade muito
secular, com separação clara
entre igreja e Estado.
O crescimento e o poder da
igreja é hoje muito mais forte
na África, em partes da Ásia e
na América Latina.
FOLHA - O que acha da atitude de
Richard Dawkins e Christopher Hitchens de pedir a prisão de Bento 16
quando ele visitar o Reino Unido?
ROBINSON - Não concordo, pois
não acho que haja evidência para acusar o papa pelo crime.
Além disso -assim como
descobrimos aqui, no caso do
cardeal Bernard Law-, as autoridades civis decidiram que
não poderiam processá-lo porque, nesse caso, teriam que
processá-lo por ser cúmplice
do crime e, para isso, teria que
ser provado que a pessoa -o arcebispo ou o cardeal- sabia
que os padres iam a suas paróquias para abusar das crianças.
Os bispos e a igreja foram
muito ingênuos. Pensaram
que, se os padres se arrependessem de seus pecados e fossem perdoados por eles, não
iriam pecar novamente. Mas o
que eles não entendiam é que
isso era uma doença.
O que a igreja de fato precisa
é prestar mais atenção às necessidades dos fiéis e das crianças e se preocupar menos em
defender a hierarquia.
Leia a íntegra desta
entrevista
www.folha.com.br/1012721
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