São Paulo, domingo, 9 de maio de 1999

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COMENTÁRIO
Otan ataca um Estado soberano sob a acusação de ele ter cometido atrocidades contra sua própria população
Guerra põe em xeque conceito de soberania

HUMBERTO SACCOMANDI
Editor-adjunto de Mundo


O ataque da Otan à Iugoslávia coloca em xeque um conceito fundamental do Estado moderno: a soberania sobre o território.
A Iugoslávia está sendo bombardeada sob a acusação de o Estado ter cometido atrocidades contra seus cidadãos dentro de suas próprias fronteiras (até agora nem a ONU nem a Otan questionaram a soberania iugoslava em Kosovo).
Fazendo uma analogia simples, é como se o Chile de Augusto Pinochet tivesse sido alvo de represálias durante a ditadura devido às atrocidades cometidas pelo regime.
O regime do ditador Slobodan Milosevic se defende dizendo que combate, como ocorre em outros países, um movimento separatista armado, o ELK (Exército de Libertação de Kosovo), sempre qualificado pelas autoridades iugoslavas de grupo terrorista.
Essa nova situação foi definida recentemente pelo presidente tcheco, o dramaturgo Vaclav Havel: "Esta guerra dá precedência aos direitos humanos em relação ao direito das nações. Vejo isso como um importante precedente para o futuro". A República Tcheca faz parte da Otan e apóia o ataque.
Do ponto de vista dos direitos humanos, certamente o separatismo não justifica a repressão desencadeada pelo governo iugoslavo em Kosovo. Outros países (leia texto abaixo) buscaram soluções de conciliação com minorias separatistas.
Mas é questionável se os direitos humanos foram o fator preponderante na decisão da aliança militar ocidental de atacar a Iugoslávia.
As principais potências ocidentais pouco ou nada fizeram em casos recentes de repressão violenta a movimentos separatistas. Mesmo onde havia analogias evidentes, do ponto de vista dos direitos humanos, com Kosovo (leia texto abaixo).
A decisão da Otan de questionar a soberania da Iugoslávia na crise de Kosovo abre a discussão sobre quem e com base em que argumentos pode tomar tal atitude.
A Otan, na cúpula de 50 anos celebrada há duas semanas em Washington, decidiu que suas ações não necessariamente precisam ser submetidas ao Conselho de Segurança da ONU.
Isto é, o órgão com poder de polícia (mesmo se não mundial) se outorgou também o direito de julgar e ordenar a punição.



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