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Aliados já não sabem como vencer a guerra
FREDERICK FORSYTH
especial para a Folha
O objetivo de se travar uma guerra é um, e um só: vencer. Para isso é
preciso, em primeiro lugar, responder a uma série de perguntas
muito difíceis. Foi a recusa da Otan
em enfrentar as perguntas que levou à confusão que agora nos confronta.
A primeira pergunta tem de ser:
"Por que você vai travar uma guerra? Qual, exatamente, é sua motivação?" Se você mesmo foi atacado, a resposta é clara: autodefesa.
Se um amigo ou aliado foi atacado,
ela será "solidariedade". Se um tirano invadiu um país vizinho de
enorme importância estratégica
para você (Kuait), a resposta é: o
interesse vital nacional. Nenhuma
dessas se aplica a Kosovo.
Existe, porém, uma quarta: compaixão humanitária pura e simples. Em certas circunstâncias ela é
totalmente justificável. Que não
reste dúvida alguma: nos dez anos
em que está no poder, Slobodan
Milosevic já provocou mais genocídio real do que qualquer líder europeu desde 1945. Em sua busca
por uma Grande Sérvia etnicamente homogênea, ele vem espalhando morte, doença, fome, sofrimento, dor e exílio por toda a antiga Iugoslávia.
²
Genocídio
O genocídio é um palavrão que,
hoje em dia, nos chega mascarado
por trás do eufemismo da "limpeza
étnica". Você pode conduzi-lo de
cinco maneiras. Pode massacrar
suas vítimas todas, eliminando até
o último homem, mulher e criança. Pode destruir todo o sistema vital, até que elas fujam, buscando
esconderijo nas florestas e montanhas, onde a natureza completará
o serviço com a ajuda da fome, do
frio e das doenças. Pode forçá-las a
buscarem exílio fora de suas fronteiras, de modo que uma diáspora
mundial e permanente garanta
que sua nação nunca mais volte a
existir. Pode forçá-las a trabalhar
até morrer em campos de trabalho
escravo, ou, ainda, esterilizar ou
eliminar os homens jovens, para
que eles não possam mais procriar.
Milosevic inflige os três primeiros métodos sobre os kosovares.
Não há novidade alguma nisso.
Os "pogroms" de kosovares começaram logo após sua chegada ao
poder, há dez anos, e foram se intensificando nos últimos três.
Há cem dias, agentes britânicos e
americanos em Belgrado mostraram a seus chefes políticos provas
praticamente conclusivas de que
Milosevic pretendia concluir o trabalho na primavera e verão deste
ano, realizando a solução final.
Foi por isso que Clinton e Blair
convenceram os líderes da Otan de
que não poderíamos ficar parados.
Chegamos à segunda pergunta:
qual é o objetivo do exercício, ou
seja, qual é o desdobramento final
que se tem em vista? É aqui que as
coisas já deram errado. Nos disseram que iríamos impedir a destruição da população kosovar. Não o
fizemos.
Os kosovares estão sendo destruídos sistematicamente, enquanto grupo étnico capaz de se
perpetuar, no próprio momento
em que você lê estas linhas. Nos
disseram que a guerra forçaria Milosevic a concordar com os termos
do acordo de Rambouillet, que ele
rejeitara anteriormente. Mas esses
termos previam que Kosovo permanecesse parte da Iugoslávia, sob
o domínio de Milosevic.
Depois do que já aconteceu, todo
o mundo sabe que não existe a menor chance de que os kosovares retornem para suas casas sob essas
condições, e nós tampouco poderíamos obrigá-los a isso. Então o
acordo de Rambouillet é letra morta; hoje, só um mini-Estado kosovar separado, com fronteiras defensíveis e proteção da Otan, seria
o suficiente. Assim, o "objetivo do
exercício" já é completamente diferente -e, para Belgrado, totalmente inaceitável.
A concordância de Belgrado está
fora de questão. Para que a declaração de Blair de que "nossa única
saída é a vitória" não perca o sentido, temos de pensar em derrotar a
Sérvia, não em convencê-la.
E o que dizer da terceira pergunta -exatamente como você vai
chegar a esse desdobramento final? É nesse ponto que políticos sábios chamariam os generais e ouviriam o que eles tivessem a dizer.
Clinton e Blair não o fizeram.
Eles tinham à sua disposição os
homens que venceram nas Falklands (Malvinas), partindo de
uma desvantagem espantosa, e
que venceram no Iraque em apenas quatro dias. Mas eles -eles
que nunca vestiram um uniforme,
dispararam um tiro, se esquivaram
de uma bala ou pilotaram um
avião- se negaram a ouvir.
Em questão de horas, eles cometeram quatro erros terríveis. O primeiro foi se convencerem de que
os bombardeios aéreos dariam
conta do recado. A seguir, anunciaram que nenhum soldado aliado iria atravessar a fronteira. Foi a
mesma coisa que dizer a Milosevic:
"Se você se apressar, provavelmente dará conta do serviço". Ele foi
adiante, o que não chega a surpreender. Em terceiro lugar, se recusaram a esperar 60 dias, até o céu
limpar. Resultado: 60% de nossas
missões aéreas foram abortadas
devido às nuvens baixas. Nos céus
de Kosovo, nossos pilotos estão
tentando localizar tanques e canhões camuflados. Na condição de
ex-piloto, posso atestar que é impossível. Os esquadrões assassinos
fazem seu trabalho sem serem perturbados, e nós chegamos ao ponto de atingir camponeses kosovares por engano.
Os políticos se recusaram a pôr
de lado um único colchonete, cobertor, cozinha de campo ou barraca para a enxurrada de refugiados que inevitavelmente começariam a chegar. Os políticos erraram totalmente na interpretação
que fizeram da situação Belgrado/
Kosovo. Agora nos dizem que os
bombardeios contra a Sérvia vão
continuar "por quanto tempo for
preciso". Isso não basta.
Estamos lutando contra o relógio. Dentro de mais 40 dias, ou,
quem sabe, 60, não haverá mais
Kosovo para libertar.
Pior ainda: a aliança da Otan pode não durar por mais 60 dias. Em
Roma, Paris e Berlim, a esquerda
está ameaçando derrubar os governos (fato estranho, quando se
leva em conta que combatemos
um regime fascista que está cometendo massacres maciços). A Grécia está inequivocamente a favor
da Sérvia -pelo menos a população. Todos os governos menos o
britânico ainda se negam a acreditar no que é óbvio: que Kosovo não
poderá ser libertada sem forças
terrestres. Milosevic não pode capitular porque seria enforcado por
seus próprios extremistas se lhes
dissesse que a devastação do país
se deu em troca de nada.
Só existe uma saída desse buraco
infernal. Ela consiste em enviar os
40 mil voluntários kosovares jovens de volta a sua terra natal, munidos de todas as armas que conseguirem manejar; com a ajuda de
pára-quedas, jogar armas para as
outras dezenas de milhares de voluntários kosovares que estão escondidos nas montanhas e florestas do maciço central; emprestar a
eles alguns dos homens bem treinados de nossas Forças Especiais,
para atuarem como radiocomunicadores e marcadores de alvos, e
lhes fornecer cobertura aérea total.
Milosevic só vai negociar se sofrer
baixas consideráveis e perdas de
setores, como aconteceu quando
concordou em negociar com os
croatas em bases igualitárias.
Ao mesmo tempo, devemos
exortar Moscou a desempenhar
um papel relevante na criação de
um novo Kosovo sob proteção da
Otan e da Rússia, um Kosovo menor do que o atual, mas não mais
sob a égide de Belgrado.
Só então poderemos convencer a
maré humana de refugiados a voltar para casa e demonstrar que
nosso sentimento humanitário é
para valer, ajudando os refugiados
a reconstruir sua pátria devastada.
²
Frederick Forsyth, 61, inglês, é escritor ("O Dossiê de Odessa" e "O Dia do Chacal", entre outros)
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