São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Documentos oficiais dizem que abusos seriam permitidos para salvar americanos; governo "rejeita tortura"

EUA questionam validade de leis antitortura

Dennis Cook/Associated Press
O senador Ted Kennedy mostra fotos de Abu Ghraib durante depoimento do secretário Ashcroft


DO "INDEPENDENT"

Advogados da administração George W. Bush concluíram em 2003 que as leis internacionais que proíbem a tortura de prisioneiros não se aplicam ao presidente norte-americano e que os que cumprirem suas ordens não poderiam ser processados.
Um relatório "reservado" de 6 de março de 2003, duas semanas antes da invasão do Iraque, concluiu que nenhuma lei internacional era mais importante do que "obter inteligência vital para a proteção de milhares e milhares de cidadãos americanos".
Embora não esteja claro qual o efeito que o documento teve nos interrogatórios de prisioneiros capturados no Iraque, a divulgação do relatório -feita anteontem pelo "Wall Street Journal"- reforça os argumentos daqueles que afirmam que as torturas cometidas contra iraquianos na prisão de Abu Ghraib, e em outros locais, não foram episódios isolados, mas sim parte de uma abordagem sistemática de como lidar com prisioneiros.
Ontem, em uma tensa sessão na Comissão Judiciária do Senado, o secretário da Justiça, John Ashcroft, afirmou que "o governo rejeita a tortura" e disse desconhecer a existência de qualquer ordem do presidente Bush que tenha violado leis americanas ou tratados internacionais que banem essa prática.
Ashcroft, porém, se recusou a entregar à comissão uma cópia do relatório. Além desse documento, o "Washington Post" revelou ontem a existência de um memorando de agosto de 2002 enviado pelo Departamento da Justiça à Casa Branca com conteúdo similar.
Esse memorando diz que submeter prisioneiros a dor moderada ou breve não necessariamente constitui tortura. Pela definição do Departamento da Justiça, segundo o documento, tortura "deve ser equivalente em intensidade à dor que acompanha sérios ferimentos físicos, tais como falência de órgãos, deficiência de funções corpóreas ou mesmo morte".
"É o descarte das leis internacionais. É mais uma peça que mostra que o padrão de abusos em Abu Ghraib foi resultado de decisão tomada pelo governo Bush de jogar fora as regras", disse Reed Brody, do Human Rights Watch, grupo de defesa dos direitos humanos sediado em Nova York.
O relatório de 2003 foi preparado por assessores de Donald Rumsfeld, o secretário da Defesa, em resposta a reclamações de comandantes da prisão de Guantánamo (Cuba) -segundo as quais eles não estavam conseguindo obter informações que permitissem processos contra os supostos terroristas da Al Qaeda e do Taleban detidos ali.
O documento foi preparado por um grupo de trabalho que incluía advogados civis e militares de todas as Forças Armadas. O relatório listou leis americanas e tratados internacionais que proíbem a tortura, mas disse que eles poderiam ser legalmente ignorados com base na segurança nacional.
A análise afirma que "a proibição contra a tortura deve ser interpretada como inadequada a interrogatórios realizados em decorrência da autoridade do comandante-em-chefe [o presidente Bush]". Segundo o relatório, o Departamento da Justiça "concluiu que não poderia executar um processo criminal contra um réu que tivesse agido em decorrência de um ato em que o presidente exercesse o seu poder constitucional".
A Convenção contra a Tortura, ratificada pelos Estados Unidos em 1994, afirma que "nenhuma circunstância excepcional, seja ela um estado de guerra ou uma ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública podem ser invocadas como justificativa para a tortura ... [e ordens de superiores] não podem ser invocadas como justificativa para a tortura".
"O argumento de que os poderes do comandante-em-chefe incluem a autoridade para usar a tortura não deveria ser usado em nossos tempos. Alguém pode imaginar qual seria a reação se aqueles sendo julgados pelas atrocidades na ex-Iugoslávia tivessem tentado essa linha de defesa?", pergunta Michael Ratner, presidente do Centro para Direitos Constitucionais.

Com Redação e agências internacionais


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