São Paulo, domingo, 09 de julho de 2006

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DAN BAR-ON

Duas sociedades têm potencial alto de agressão, diz israelense

DA REDAÇÃO

O psicólogo israelense Dan Bar-On dedicou a maior parte de sua pesquisa acadêmica aos traumas e tentativas de recomeço de sobreviventes do Holocausto e suas famílias. Seu trabalho se estendeu aos filhos dos algozes nazistas, que resultou no livro "Legacy of Silence: Encounters with Children of the Third Reich" (legado de silêncio: encontros com filhos do Terceiro Reich). Paralelamente a seu trabalho terapêutico e acadêmico, Bar-On milita na reaproximação com os palestinos como diretor do Instituto de Pesquisa da Paz no Oriente Médio, um centro de estudos que incentiva o diálogo entre os dois povos e promove encontros destinados a romper o bloqueio psicológico entre eles. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Bar-On à Folha de sua casa, na cidade de Omer, no sul de Israel.

 

FOLHA - Há um bloqueio psicológico que impede israelenses e palestinos de chegarem a um acordo?
DAN BAR-ON -
O que vemos na crise atual são as mesmas regras do jogo dos últimos anos. Os dois lados são arrastados contra a vontade para o redemoinho. Quem festeja são os radicais. Isso acontece de forma quase ininterrupta pelo menos desde outubro de 2000, quando começou a segunda Intifada. E os governos de ambos os lados são fracos demais para lidar com essa situação. Não conseguem concretizar a vontade de seus povos, que é evitar escaladas de violência como a atual. De alguma forma, porém, os radicais acabam conseguindo impor o ritmo do conflito sobre o resto da população. Houve uma janela de oportunidade, com a possibilidade de fortalecer [o presidente palestino] Mahmoud Abbas, um moderado, mas os líderes israelenses preferiram enfatizar o refrão infeliz de que "não há com quem negociar". Isso leva à conclusão de que o inimigo só entende a linguagem da força. É um erro: sempre há com quem negociar.

FOLHA - Como os radicais, que são minoria, conseguem "seqüestrar" a agenda do conflito?
DAN BAR-ON -
[O ex-premiê israelense] Ariel Sharon provou, com a retirada de Gaza, que um governo forte pode derrotar com facilidade os radicais. O problema é que as pessoas aprendem mais com o desgaste e o erro que com cálculos racionais. Todos sabemos qual será a solução para o conflito israelo-palestino. Não será simples, mas haverá dois países convivendo lado a lado, ambos com a capital em Jerusalém. As fronteiras serão mais ou menos as anteriores à Guerra dos Seis Dias, e terá de haver alguma compensação para os refugiados palestinos. Todos sabem disso. Mas há uma distância entre saber e fazer. O que falta, em uma palavra, é coragem. O que sobra é o medo de ser liquidado, seja politicamente, pelo inimigo interno, ou fisicamente, pelo externo.

FOLHA - Há dez anos o conflito parece estar próximo de um desfecho positivo, que jamais chega. Qual o motivo?
DAN BAR-ON -
Me disseram uma vez na Irlanda do Norte que eles estavam muito próximos de uma solução em 1975. O problema é que era uma solução dos que "aprendem depressa", que eram minoria. Os que "aprendem devagar" rejeitaram essa solução e continuaram usando a violência por mais 25 anos. Acontece o mesmo com israelenses e palestinos. Infelizmente o processo de aprendizado é lento para a maioria e isso provoca um enorme desperdício de energia. Além disso, é claro, há a manipulação dos radicais, que não permitem que a situação se acalme por muito tempo.

FOLHA - Que características culturais e psicológicas de israelenses e palestinos ajudam a alimentar o conflito?
DAN BAR-ON -
Em ambos os lados há enorme potencial de violência. A sociedade israelense é muito agressiva e isso pode ser visto no dia-a-dia, na forma como as pessoas dirigem, por exemplo. No lado palestino é parecido. Uma vez participei de um encontro entre ex-prisioneiros palestinos e sul-africanos. No fim do encontro, os sul-africanos disseram aos palestinos: se vocês querem ser relevantes em relação a seu futuro, precisam abdicar da raiva. Hoje os palestinos ainda não são capazes de fazer isso. Na minha opinião, se o povo palestino tivesse um Mandela, já teria seu Estado há muito tempo.

FOLHA - O sr. trabalhou intensamente com sobreviventes do Holocausto. Qual o peso desse trauma na formação do conflito?
DAN BAR-ON -
No lado israelense não há dúvida de que o Holocausto leva muitas pessoas a não distinguir entre o que aconteceu na Europa e o que acontece no Oriente Médio. E não entendem a diferença por não terem entendido inteiramente como o Holocausto os afeta. É um processo difícil. Isso ocorre em nível individual e também coletivo. Ocorre algo que chamo de "reprodução de agressividade". Em vez de lançar a agressividade sobre seu algoz, o revide acaba acontecendo contra uma terceira parte.


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