São Paulo, Sexta-feira, 09 de Julho de 1999
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DIREITOS HUMANOS
Entidade com sede na Suíça diz ter comprado cativos a US$ 50 por pessoa; Unicef critica ação
ONG liberta 2.035 escravos no Sudão

SIMON DENYER
da Reuters, em Yargot (Sudão)

A ONG (organização não-governamental) de defesa dos direitos humanos Solidariedade Cristã Internacional afirma ter comprado e depois libertado 2.035 escravos no sul do Sudão, durante uma viagem de sete dias ao país.
A entidade diz ter pago US$ 50 por cabeça, em dinheiro, a um intermediário árabe. A organização, com sede na Suíça, informa ter libertado mais de 11 mil cativos desde 1995. Essa última libertação é recorde, segundo a instituição.
Segundo habitantes do sul do Sudão, milícias árabes, armadas e organizadas pelo governo em Cartum (capital), vêm do norte do país para sequestrar mulheres e crianças, que, depois, são usadas como escravas.
Desde a década de 80, o país vive uma guerra civil entre forças leais ao governo, que quer impor a lei islâmica a todo o Sudão, e rebeldes do sul, que seguem o cristianismo e cultos locais, e lutam por mais autonomia.
Nesta semana, na pequena vila de Yargot, mais de 600 escravos se reuniram sob uma árvore para esperar pela libertação. Os meninos escravizados trabalhavam como pastores, e as meninas faziam serviços domésticos.
As crianças contaram histórias de violência, estupro e assassinato enquanto estiveram em poder dos árabes que as capturaram.
Ayak, que disse estar perto dos 20 anos, afirmou que estava grávida quando foi capturada há três anos na vila de Rianwei.
"Quando uma mulher tentava escapar, todas apanhavam. Eu fiquei inconsciente uma noite inteira. Quando acordei, minha perna estava paralisada e eu estava sangrando. Então, perdi meu bebê", relatou.
Ela disse ter ouvido que seu marido ainda está vivo. Mas espera que ele aceite o bebê que levará para casa, produto de um estupro. Ela foi violentada por seu senhor árabe no norte do país.
Outra ex-escrava, Amel, passou seis anos cativa. Ela disse que seu marido foi morto. Dois de seus três filhos foram tirados dela quando chegou ao norte.
Grupos de direitos humanos afirmam que há dezenas de milhares de escravos capturados no sul do Sudão, depois levados ao norte do país, a maioria trabalhando para árabes nas Províncias de Darfur e Kordofan.
Os críticos da prática da Solidariedade Cristã Internacional de comprar escravos para depois soltá-los afirmam que ela estimula o comércio de escravos.
Segundo Carol Bellamy, chefe do Unicef, agência da ONU para a infância, a organização está entrando em um círculo vicioso.
"Com US$ 50 por escravo em um país em que a maior parte das pessoas sobrevive com menos de US$ 1 por dia, essa prática estimula o tráfico e a criminalidade", disse, em comunicado.
A Unicef diz ainda ser contra, por princípio, à compra de escravos, mesmo que com o objetivo de libertá-los depois.
A organização suíça responde à acusação afirmando que a escravidão já existia muito tempo antes de que seus membros começassem a libertar escravos.
Segundo a entidade, neste ano, quando foi libertado um número recorde de escravos, habitantes do Sudão afirmaram que houve menos capturas.
Mas James Jacobson, da dissidência americana da Solidariedade Cristã Internacional, a Liberdade Cristã Internacional, diz ter encontrado provas de que crianças fingem ser escravas para atrair os dólares do Ocidente.
"Isso se transformou em um circo. O dinheiro do Ocidente está fazendo a situação piorar."


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