São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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COLÔMBIA

Presidente tenta mostrar autoridade após morte de 19 durante posse; para analistas, tendência é a "urbanização" da guerra

Após ataques, Uribe visita áreas de conflito

Reuters
Uribe cumprimenta soldado durante apresentação militar em Valledupar, no norte do país, onde lançou projeto para a segurança


ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Em seu primeiro dia como presidente da Colômbia, Álvaro Uribe visitou ontem duas áreas de conflito ao norte e ao sul do país, numa tentativa de demonstrar autoridade após o ataque que matou 19 pessoas e feriu mais de 60 anteontem em Bogotá, no momento em que ele tomava posse.
O atentado indica uma mudança de estratégia por parte da guerrilha. Ao contrário de seu antecessor, Andrés Pastrana, que enfrentou uma guerra concentrada principalmente nas zonas rurais, Uribe deve conviver com mais ataques nas áreas urbanas das grandes cidades.
"Os ataques durante a posse mostram uma clara tendência à urbanização do conflito, que já vinha sendo anunciada", disse à Folha o analista político Alejo Vargas, ex-vice-reitor da Universidade Nacional da Colômbia.
Para ele, isso indica que as Farc foram mais ágeis que o governo, que vem se preparando há anos para um enfrentamento nas áreas rurais. "Isso mostra debilidade em inteligência. A resposta do governo deve demorar semanas ou meses", considera.
Apesar do discurso militarista com que Uribe se elegeu já no primeiro turno, em maio, sua resposta ao ataque ontem ficou limitada a uma condenação verbal.
"Nosso país é vulnerável. Por isso é que começamos esse esforço para que todos os colombianos trabalhem conjuntamente para recuperarmos a paz", disse Uribe ontem pela manhã, em visita à cidade de Valledupar (norte). "Nós devemos superar o medo."
Á tarde, Uribe esteve em Florencia (sul), área adjacente à antiga zona desmilitarizada controlada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), principal grupo guerrilheiro do país, entre 1998 e fevereiro deste ano, enquanto vigorou o processo de paz lançado por Pastrana.
Durante a visita a Valledupar, Uribe lançou seu polêmico plano de formar 1 milhão de civis como informantes dos serviços de segurança. Durante a campanha, o plano foi criticado por organizações de direitos humanos, que temem que os civis se tornem alvo da guerrilha ou se transformem em grupos paramilitares.
O ataque de anteontem foi atribuído pela polícia às Farc. Um suspeito preso ontem admitiu ter "conexões" com os atentados, segundo o comandante da polícia em Bogotá, general Héctor Castro. Segundo ele, o suspeito levava consigo um aparelho de rádio com um mecanismo para ativar explosivos.
Os ataques foram lançados com morteiros, possivelmente de uma casa no centro de Bogotá. Segundo a polícia, 120 morteiros não disparados foram encontrados no local. Só quatro teriam sido lançados efetivamente.
Um deles atingiu uma lateral do palácio presidencial de Nariño, ferindo quatro guardas, e outro explodiu numa área de favelas próxima, matando 19 pessoas e ferindo mais de 60. A Prefeitura de Bogotá ofereceu uma recompensa de cerca de US$ 40 mil para informações que levem aos responsáveis pelo ataque.
A ação da guerrilha ocorreu apesar do forte esquema de segurança montado na cidade, com mais de 20 mil soldados e tanques para patrulhar as ruas próximas ao Congresso. Helicópteros e aviões militares sobrevoavam a cidade, e o espaço aéreo foi fechado à tarde para vôos privados.
O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, condenou o ataque a civis e se prontificou a mediar um possível diálogo entre o governo colombiano e as Farc, como havia proposto Uribe.
O presidente dos EUA, George W. Bush, também fez uma declaração de repúdio ao ataque. "Os terroristas deixaram claro suas metas: matar as aspirações do povo colombiano por um país livre, próspero e democrático", disse.

Equívoco
Para o jornalista Carlos Lozano, diretor do semanário "Voz" e subsecretário-geral do Partido Comunista da Colômbia, o ataque demonstra que o rompimento do processo de paz por Pastrana, em fevereiro, foi um equívoco.
"Os ataques são uma expressão da crueza de nosso conflito interno e uma mostra do que pode significar daqui para a frente uma política de confrontação armada", afirmou. "Ao contrário do que promete Uribe, creio que a solução seja a volta ao diálogo."
Em seu discurso de posse, Uribe voltou a se dizer disposto ao diálogo, mas impôs como condição um cessar-fogo prévio. O processo de paz durante o governo Pastrana (1998-2002) foi realizado em meio ao conflito.
As Farc também repetiram ontem uma oferta de diálogo feita em maio, a poucos dias da eleição. Mas impuseram como condições a desmilitarização de dois Departamentos [Estados" ao sul do país, o combate aos paramilitares de direita e que o governo não se refira a elas como "terroristas" ou "narcoterroristas".
Para Alejo Vargas, uma negociação futura é possível a longo prazo, após um período de confrontação mais intensa. "Pode ocorrer o mesmo que no governo de Virgílio Barco (1986-1990), que teve um primeiro período de confrontação, seguido de uma negociação que culminou num acordo de paz com cinco grupos", diz.

Com agências internacionais

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