São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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HISTÓRIA

Documentário alemão diz que o ditador era zeloso em relação a direitos sobre seu livro "Minha Luta" e outras fontes de riqueza

TV revela obsessão de Hitler por dinheiro

STEVEN ERLANGER
DO ""THE NEW YORK TIMES", EM BERLIM

Hitler morreu rico. De acordo com um documentário que será transmitido pela televisão alemã, Hitler gostava de dinheiro -tanto pelo luxo que lhe proporcionava quanto pelas lealdades que lhe garantia- e acumulou muito durante sua vida.
Apesar do fascínio despertado pela figura de Hitler desde seu suicídio, em 30 de abril de 1945 em seu bunker de Berlim, enquanto o Exército soviético o cercava, pouca atenção foi dada até agora a suas finanças pessoais.
Embora sua imagem pública fosse a de um homem avesso a luxos, Hitler gostava de viver em estilo grandioso. O jornalista e cineasta free-lancer Ingo Helm, 47, que passou mais de um ano produzindo o documentário ""Hitler's Money" ("O Dinheiro de Hitler"), a ser exibido neste mês pela TV estatal ARD, revela que ele tomava grande cuidado com a renda que recebia de seus escritos e dos direitos sobre suas fotos.
""Hitler se enxergava como um gênio não reconhecido, e, para poder mudar essa situação, estava muito interessado em conseguir poder, dinheiro e ascensão social", afirma o jornalista.
O próprio Hitler descreveu em grandes detalhes a pobreza e as dificuldades pelas quais passou, apesar de dispor de uma pequena herança, quando era artista desconhecido em Viena antes da Primeira Guerra Mundial. Sua pobreza era motivo de profundo constrangimento para ele.
Em ""Mein Kampf" ("Minha Luta"), com o qual ganharia milhões, ele enfatizou a dura luta pela sobrevivência travada pelo ""homem pobre e desconhecido", que, ""por seus próprios esforços, ascende para uma posição superior na vida", dizendo que essa luta ""acaba com toda compaixão" e elimina ""o sentimento de empatia pela miséria daqueles que ficaram para trás".
Segundo Helm, Hitler também gastou milhões em dinheiro e presentes caros para comprar a lealdade de políticos e empresários e mantê-los dependentes dele.
Hitler traçava poucas distinções entre seu próprio dinheiro e o dinheiro do Partido Nazista ou até mesmo do Estado. "Era tudo misturado", diz Helm. Além disso, ele não pagava impostos.
Boa parte de sua fortuna vinha dos direitos autorais sobre o best-seller ""Minha Luta", misto de autobiografia e tratado político. O livro é proibido na Alemanha até hoje. Mas, na época, cada casal que se casava recebia de sua comunidade local uma cópia.
De acordo com Helm, Hitler ganhou cerca de 7,8 milhões de reichsmarks só de direitos autorais sobre o livro. É difícil fazer uma avaliação precisa do valor em moeda de hoje, mas, segundo Helm, o reichsmark provavelmente valia o equivalente a entre US$ 5 e US$ 8 hoje.
Além disso, o fotógrafo Heinrich Hoffman, amigo de Hitler e em cuja loja o líder nazista conheceu Eva Braun, com quem se casaria logo antes de morrer, detinha os direitos autorais exclusivos sobre os retratos oficiais de Hitler usados em selos postais e escritórios do governo.
Helm diz que não pode provar que Hitler recebesse alguma porcentagem sobre esses direitos, mas que acredita que sim. A lei limitava a duração dos direitos autorais a dez anos, mas Hitler autorizou a extensão para 25 anos dos direitos sobre o que Hoffmann chamava de seu ""trabalho de arte fotográfico" sobre o führer.
Hitler também se beneficiou muito de contribuições feitas por empresários individuais e por grandes empresas -muito mais depois de chegar ao poder do que antes. Entre o momento em que se tornou chanceler, em 1933, e sua morte, Hitler recebeu cerca de 700 milhões de reichsmarks de empresas, disse Helm -um valor bastante superior a US$ 3 bilhões. Em troca, os empresários ganharam muito mais sobre seus investimentos e seu trabalho de guerra.
Após a guerra, os bens de Hitler, incluindo uma casa em Munique que ele construíra para Eva Braun, foram entregues ao Estado da Bavária pela Comissão de Controle dos Aliados. Hitler não deixou filhos ou herdeiros diretos, mas sua meia-irmã, Angela Raubal, tinha filhos, e há outros descendentes de sua mãe que hoje vivem no norte da Áustria.
Os herdeiros pediram a Werner Maser, conhecido historiador alemão da era do nazismo, que pesquisasse seus direitos. Eles argumentaram que os direitos autorais não podem ser desapropriados, como podem os bens físicos. Queriam a renda dos direitos autorais. Mas, segundo Helm, os herdeiros entraram em desacordo entre eles, e não foi aberto nenhum processo na Justiça para pedir os direitos autorais.


Tradução de Clara Allain


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