São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

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Polêmica sobre o Oriente Médio, que levou à retirada dos EUA e de Israel, dominou a reunião, qualificada como "decepcionante"

Conferência foi marcada pela intolerância

DA ENVIADA ESPECIAL A DURBAN
Pensada como um encontro de direitos humanos, a Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata não fez jus ao próprio nome: foi marcada pela radicalidade e pela intolerância.
Todas as principais discussões ficaram atreladas às mesmas polêmicas em debate nos dez meses de reuniões preparatórias para o encontro de Durban: o Oriente Médio, as reparações e a definição da lista de vítimas.
As declarações finais, repletas de ressalvas e ainda pendentes de aprovação até o final da tarde de ontem, ficaram enfraquecidas principalmente pela ausência dos Estados Unidos. Junto com Israel, os EUA se retiraram da conferência alegando não concordar com os rumos da discussão sobre o Oriente Médio.
Os países árabes insistiam em qualificar o sionismo (movimento iniciado no século 19 com o objetivo de estabelecer um Estado judaico) como forma de racismo. Pediam também que Israel fosse explicitamente citado como Estado racista.
Os ataques a Israel foram o pretexto para que os Estados Unidos deixassem Durban e fugissem do debate sobre reparações pela escravidão, uma das bandeiras do movimento negro nos EUA.
Com a saída dos EUA, a França também ameaçou cair fora, levando junto toda a União Européia. Também ameaçaram deixar a reunião o Canadá e a Austrália.
A África do Sul jogou tudo para salvar a conferência. Gastou toda sua energia para que o texto final falasse da escravidão como crime contra a humanidade -mas preferiu se calar diante das denúncias de práticas de escravidão hoje no Sudão e na Mauritânia.
Nos grupos encarregados de redigir os dois principais textos, qualquer parágrafo que fizesse menção aos temas polêmicos era imediatamente rechaçado. A solução foi ciar grupos de consulta, com facilitadores encarregados de elaborar redações alternativas.
"Faltou preparo de todas as pessoas envolvidas. Não houve avanço em quase nada, muito do que foi dito aqui já está na Declaração dos Direitos Humanos. Faltaram medidas concretas", afirmou à Folha Ravi Nair, professor da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, e diretor do Centro de Documentação de Direitos Humanos do Sul da Ásia.
Para Nair, a questão do Oriente Médio deveria ter sido tratada do ponto de vista dos direitos humanos, com uma menção à situação dos palestinos. "Mas o que houve foi um embate político, com países lutando como cães e gatos."
No último dia da conferência, as palavras mais ouvidas eram "decepcionante" e "desapontador".
Foi decepcionante, por exemplo, para os indígenas. Eles queriam ser citados sob a denominação "povos indígenas". A expressão foi aprovada, porém atrelada a um parágrafo indicando que a expressão não tem nenhum significado no direito internacional.
O resultado foi desapontador também para os homossexuais, que enfrentaram a intolerância de países islâmicos e não foram incluídos entre vítimas da discriminação. Essa era uma das propostas do Brasil, mas foi rechaçada.

Brasil
Para Ivanir dos Santos, uma das lideranças do movimento negro brasileiro, a conferência foi um "meio fracasso". "Foi decepcionante porque falou-se muito da questão palestina, evitando o aprofundamento de outras questões. Mas, para o Brasil, foi importante, porque trouxe à tona de vez o debate sobre a situação dos negros no país".
A conferência aprovou medidas de ação afirmativa para beneficiar vítimas de discriminação, mas o parágrafo sobre cotas na educação acabou sem ser discutido.
Também instituiu de vez a expressão "descendência africana", a partir das pressões do movimento negro internacional.
O economista Marcelo Paixão, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse que as dificuldades enfrentadas em Durban são exatamente a prova de que ela é a mais importante conferência já realizada pela ONU.
"O que se viu aqui foi uma prova de que, quando o tema é racismo, o acordo é quase inalcançável. É preciso avaliar a razão disso. No Brasil, por exemplo, a questão racial enfrenta o silêncio tanto da esquerda quanto da direita. Os candidatos de oposição também não se posicionam sobre a situação do negro", afirmou.
As poucas pessoas que acompanharam as reuniões dos grupos encarregados de redigir a declaração e o programa de ação listam algumas medidas importantes.
Foram aprovados, no texto do programa de ação, parágrafos que citam mulheres e crianças como pessoas especialmente sujeitas à discriminação. Também foram aprovados parágrafos pedindo proteção especial para migrantes e ciganos.
Para Guacira Cesar de Oliveira, do Cefemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), os parágrafos aprovados permitem a elaboração de políticas de monitoramento da situação feminina no mundo. "Ficou claro, apesar de tudo, que ser mulher e negra é diferente de ser mulher e branca", afirmou Guacira.
Especializada na análise de indicadores sociais, a historiadora Wânia Sant'Anna, do Conselho Nacional de Direitos da Mulher, elogiou os parágrafos que definem a forma de coleta e análise de dados estatísticos populacionais.
"Ficou claro aqui que tem de haver participação das ONGs nas pesquisas, incluindo em seu desenho, o que hoje temos muita dificuldade em fazer. Há uma recomendação de coleta periódica, monitoramento dos dados, fornecimento de informação sobre violência policial. Tudo isso diz respeito diretamente ao Brasil", afirma. (FERNANDA DA ESCÓSSIA)



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