São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

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ÁFRICA
Proprietários de boa parte das terras férteis, eles acreditam que a invasão de suas fazendas seja uma forma de "limpeza étnica"

Brancos do Zimbábue se dizem perseguidos

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

Os fazendeiros brancos do Zimbábue patrulham em grupos pequenos, geralmente em duplas, as estradas próximas a suas propriedades, mantendo contato permanente pelo rádio a fim de evitar novas invasões de terra. Pelo menos nove brancos já morreram devido à crise fundiária.
"É uma verdadeira tentativa de limpeza étnica", acusa Vernon Nicolle, fazendeiro atacado recentemente. "Não há dúvida alguma de que esta campanha é orquestrada e tem como objetivo expulsar os brancos. Não é uma ação organizada por agricultores pobres, como alega o governo. Esse idiota do Mugabe [o presidente Robert Mugabe, no poder desde a independência do país, em 1980" está por trás disso tudo. Na Europa, isso se chama limpeza étnica."
Para os brancos, a intenção não é redistribuir a terra -cuja repartição, herança britânica, é totalmente desigual-, mas expulsá-los do Zimbábue. Os brancos representam 1% da população (de 11 milhões) e são proprietários da maior parte das terras férteis.
Mugabe declarou diversas vezes que a guerra de libertação dos anos 1970 contra os brancos continua e que eles ainda são "inimigos". No mês passado, o vice-presidente zimbabuano, Joseph Msika, chegou a afirmar que "os brancos não são seres humanos".
Os ataques mais recentes, desde 15 de agosto, concentram-se em uma área de 260 km2 ao norte da cidade de Chinoyi. O alvo principal são as fazendas em Doma, onde um terço das casas pertencentes a brancos foi saqueado.
Zimbabuanos negros que se dizem veteranos de guerra -apesar da pouca idade- ordenaram aos brancos que nunca mais pusessem os pés na região.
As mulheres e as crianças abandonaram 90 fazendas e foram sobretudo para a capital, Harare, e para a África do Sul. "Mandamos todo mundo embora: mulheres, crianças, idosos, doentes. Não sabíamos se os comboios conseguiriam sair por causa dos problemas... Só sobramos nós", afirma Anthony Manning, que coordena a segurança em Doma.
Atualmente há apenas 34 brancos na região. "Não vamos nos render, não importa o que aconteça. Podem destruir nossas casas à vontade, não vamos partir", diz Manning. "Temos entre nós pessoas experientes. Sabemos como lidar com esse tipo de problema. Possuímos armas para isso."
As patrulhas costumam notificar a polícia sobre ataques contra casas ou sobre a passagem de um comboio de saqueadores. Os fazendeiros utilizam palavras irônicas para elogiar a "rapidez" com que a polícia interveio para prender 21 brancos acusados de incitação à violência e ataque a negros, o que desencadeou a onda de violência em agosto, alega o governo.
Os brancos dizem que é quase impossível encontrar policiais quando são atacados. "A polícia se retirou da área para permitir a pilhagem", afirma Manning. "Atacaram uma fazenda situada a 5 km da delegacia. Quando chamamos os policiais, eles disseram que estavam sem carro. E, quando lhes propusemos trazê-los, disseram que não estavam autorizados a andar em veículos civis."
A propriedade de Manning já foi atacada. "Cerca de 250 pessoas chegaram em sete tratores e reboques", afirma. "Carregavam machados e tacos, e um deles quebrou o braço de meu contramestre com uma barra de ferro. Se tivéssemos ficado, também teríamos sido mortos com ele."
Em outra fazenda, a Dawn, um dos funcionários contou que saqueadores levaram cortinas, tapetes e objetos de decoração. Em seguida, roubaram aparelhos eletrônicos. Depois, retiraram camas, armários e louças sanitárias. Esvaziada a casa, levaram as ferramentas agrícolas que acharam.
Na fazenda de Stirling Vale, destruíram a cozinha industrial. A intenção não era roubar, mas impossibilitar sua reutilização, acusa o proprietário. Para os fazendeiros, esse tipo de ação mostra que o objetivo é expulsá-los do país. "Por que eles destruiriam um forno ou uma geladeira se não fosse para isso? Eles querem impedir que nós fiquemos. Isso pode até acontecer em alguns casos, mas a maior parte de nós não vai ceder. Vamos aguentar a pressão até que esse idiota do Mugabe vá embora", promete um fazendeiro.
O governo diz que as invasões são operações espontâneas que contam com a presença de funcionários de fazendas cujos patrões cometem abusos. O ressentimento em relação às condições de trabalho os impulsionaria.
"Nossos funcionários estão em uma situação extremamente difícil. Esses idiotas [do governo" disseram que eles não tinham terras e que foi por isso que eles fizeram isso. É mentira. Temos uma aldeia correta, com água, eletricidade e uma escola. Não são eles que ocupam nossas terras. Eles ficaram no meio do fogo", alega Manning.
Com a crescente pressão internacional e a intervenção de países africanos, é possível que, após ter soprado a brasa, o governo tente acalmar a situação e se apresente como um mediador entre negros sedentos de terras e brancos nostálgicos da Rodésia do Sul.


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