São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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Acusar país de unilateralismo é injusto, diz Powell

JAMES DAO
DO "THE NEW YORK TIMES"

O secretário de Estado dos EUA, Collin Powell, defende a política de prevenção do presidente George W. Bush contra países que ameaçam os EUA e minimiza a tensão nas conversas recentes com os aliados europeus sobre um eventual ataque ao Iraque.
"A prevenção sempre esteve disponível como um ferramenta de política exterior ou doutrina militar", disse Powell em entrevista concedida na última sexta-feira. Ele observou, contudo, que, desde o 11 de setembro, a política de prevenção tem subido na hierarquia de opções, em parte devido às ameaças devastadoras dos terroristas.
Para Powell, que falou a bordo do avião que o levava de volta a seu país após uma estada na África, os EUA têm sido injustamente caracterizados como unilateralistas e refratários a tratados.

Pergunta - O sr. sabe, como talvez ninguém mais nesse governo, que a guerra pode ser um evento transformador para uma nação. Mesmo assim, tem-se a impressão de que, por vezes, os americanos não encaram o país como estando à beira de uma guerra. O 11 de setembro mudou os EUA?
Collin Powell -
Acredito que ele realmente tenha mudado os EUA. A maior parte dos americanos percebe que estamos em uma guerra. Mas é um tipo de guerra com a qual nunca havíamos nos deparado antes. Não é uma guerra entre Estados, não é uma guerra com uma capital, que, quando é tomada, se vence. Não é uma guerra em que, quando você vê seu inimigo caído do outro lado do campo de batalha, você pode dizer que venceu. É uma guerra difusa, que não será feita por grandes Exércitos batendo-se em um campo de batalha. Algumas vezes ela será ganha assim, mas, com frequência, será ganha no mundo silencioso do constrangimento pela lei.
Pode ser uma guerra de diplomacia, pode ser uma guerra de política, onde é preciso assegurar que as pessoas em outros países entendam que, se você quer fazer parte dessa grande coalizão, isso pode ter um custo político.

Pergunta - Como você compararia sua função de secretário de Estado antes e depois do 11 de setembro?
Powell -
Bem, ele mudou o modo como eu estava trabalhado. Subitamente tudo se acelerou, subitamente uma nova missão passou a competir com todas as outras coisas que já estavam ocorrendo no mundo. Mas o resto do mundo não desapareceu e todas as outras coisas que são importantes também não desapareceram.

Pergunta - Gostaria de lhe perguntar sobre a política de prevenção. Parece-me que, desde o 11 de setembro, nós estamos vendo o mundo de modo um pouco mais ameaçador do que víamos antes. O presidente Bush poderia ter estabelecido essa política de modo tão decidido se não tivesse havido o11 de setembro? Há uma política totalmente nova para os EUA?
Powell -
O presidente Bush destacou o conceito de prevenção em um discurso na Academia de West Point, mas não se trata de um conceito inteiramente novo. A prevenção tem sido sempre um conceito disponível como ferramenta de política exterior ou doutrina militar.
Quando me recordo de minha própria experiência, quando voltamos para o Panamá, em 1989. Foi uma ação em resposta não a uma declaração de guerra contra nós feita pelo general Noriega, mas sobretudo ao fato de que suas forças tinham assassinado um americano. E, havendo americanos em perigo, deveríamos ter esperado que algo mais acontecesse? Nós decidimos agir.
Agora, pode-se argumentar: aquilo foi defensivo? Ou foi prevenção? Estava certo ou estava errado? Mas foi uma medida que o presidente à época, George Bush [pai do atual presidente", tomou porque achava necessário proteger os cidadãos americanos.
Então prevenção é quando você vê alguém vindo em sua direção, quando é um perigo de tal modo claro e presente e você sabe que vai acontecer e você acredita que você pode fazer algo... é uma opção disponível a qualquer presidente ou líder.
Agora, a prevenção deve ser usada com muito cuidado e com um claro entendimento das obrigações que temos como membros responsáveis da comunidade internacional.

Pergunta - Se o uso da prevenção não é uma questão clara, há uma preocupação por parte dos EUA de que podem estar estabelecendo um precedente ruim, às vezes dando a outras nações uma razão para atacarem seus vizinhos ou para nos atacarem preventivamente?
Powell -
Eu acho que isso depende realmente das circunstâncias. Pode não ser uma situação muito clara. Mas, no caso dos EUA, nossa história não é de ir buscar conflitos, não é de tomar medidas de prevenção para ampliar o território para algum outro país, de tomar o território de outro país ou de impor a nossa vontade a alguém. Nossa história e nossa tradição foram sempre a de defender nossos interesses.
E, em alguns casos, se nós podemos defender nossos interesses antes mesmo que o mundo reconheça que eles estão sendo ameaçados, então eu acho que a prevenção é uma ferramenta que deve estar disponível.

Pergunta - Algumas pessoas dizem que, por causa da guerra contra o terrorismo, se estabeleceu entre europeus e norte-americanos uma visão de mundo diferente, segundo a qual eles veriam as coisas mais coletivamente, enquanto nós estaríamos mais dispostos a agir unilateralmente.
Powell -
Essa questão do unilateralismo versus multilateralismo tem sido objeto de muita distorção. Não acho que haja uma escolha certa. Passo uma quantidade de tempo enorme falando com nossos amigos na Europa, participando de encontros da União Européia e da Otan (aliança militar ocidental liderada pelos EUA). Entretanto há algumas questões, como o Protocolo de Kyoto, como o Tribunal Penal Internacional, em que estamos seriamente convencidos sobre algum ponto, mas não conseguimos persuadir nossos amigos europeus de nosso modo de pensar. E eles, por sua vez, não conseguem nos persuadir do seu modo de pensar.
Nos casos em que decidimos fazer aquilo que pensamos que seja certo, somos tachados de "unilateralistas". As pessoas frequentemente concluem que há uma discórdia, que nós não nos importamos com nossos amigos e aliados. É claro que nós nos preocupamos. E creio que nós já o demonstramos inúmeras vezes.

Pergunta - Você, pessoalmente, se sentiu modificado pelos acontecimentos do ano passado?
Powell -
Sem dúvida. Hoje é um mundo diferente, com um novo tipo de ameaça. Eu eu tive que mudar para responder a ela. Mas nesse trabalho, eu mudo todos os dias de alguma forma.



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