|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Acusar país de unilateralismo é injusto, diz Powell
JAMES DAO
DO "THE NEW YORK TIMES"
O secretário de Estado dos EUA,
Collin Powell, defende a política
de prevenção do presidente George W. Bush contra países que
ameaçam os EUA e minimiza a
tensão nas conversas recentes
com os aliados europeus sobre
um eventual ataque ao Iraque.
"A prevenção sempre esteve
disponível como um ferramenta
de política exterior ou doutrina
militar", disse Powell em entrevista concedida na última sexta-feira. Ele observou, contudo, que,
desde o 11 de setembro, a política
de prevenção tem subido na hierarquia de opções, em parte devido às ameaças devastadoras dos
terroristas.
Para Powell, que falou a bordo
do avião que o levava de volta a
seu país após uma estada na África, os EUA têm sido injustamente
caracterizados como unilateralistas e refratários a tratados.
Pergunta - O sr. sabe, como talvez
ninguém mais nesse governo, que
a guerra pode ser um evento transformador para uma nação. Mesmo
assim, tem-se a impressão de que,
por vezes, os americanos não encaram o país como estando à beira de
uma guerra. O 11 de setembro mudou os EUA?
Collin Powell - Acredito que ele
realmente tenha mudado os EUA.
A maior parte dos americanos
percebe que estamos em uma
guerra. Mas é um tipo de guerra
com a qual nunca havíamos nos
deparado antes. Não é uma guerra entre Estados, não é uma guerra com uma capital, que, quando
é tomada, se vence. Não é uma
guerra em que, quando você vê
seu inimigo caído do outro lado
do campo de batalha, você pode
dizer que venceu. É uma guerra
difusa, que não será feita por
grandes Exércitos batendo-se em
um campo de batalha. Algumas
vezes ela será ganha assim, mas,
com frequência, será ganha no
mundo silencioso do constrangimento pela lei.
Pode ser uma guerra de diplomacia, pode ser uma guerra de
política, onde é preciso assegurar
que as pessoas em outros países
entendam que, se você quer fazer
parte dessa grande coalizão, isso
pode ter um custo político.
Pergunta - Como você compararia sua função de secretário de Estado antes e depois do 11 de setembro?
Powell - Bem, ele mudou o modo como eu estava trabalhado.
Subitamente tudo se acelerou, subitamente uma nova missão passou a competir com todas as outras coisas que já estavam ocorrendo no mundo. Mas o resto do
mundo não desapareceu e todas
as outras coisas que são importantes também não desapareceram.
Pergunta - Gostaria de lhe perguntar sobre a política de prevenção. Parece-me que, desde o 11 de
setembro, nós estamos vendo o
mundo de modo um pouco mais
ameaçador do que víamos antes. O
presidente Bush poderia ter estabelecido essa política de modo tão
decidido se não tivesse havido o11
de setembro? Há uma política totalmente nova para os EUA?
Powell - O presidente Bush destacou o conceito de prevenção em
um discurso na Academia de
West Point, mas não se trata de
um conceito inteiramente novo.
A prevenção tem sido sempre um
conceito disponível como ferramenta de política exterior ou doutrina militar.
Quando me recordo de minha
própria experiência, quando voltamos para o Panamá, em 1989.
Foi uma ação em resposta não a
uma declaração de guerra contra
nós feita pelo general Noriega,
mas sobretudo ao fato de que suas
forças tinham assassinado um
americano. E, havendo americanos em perigo, deveríamos ter esperado que algo mais acontecesse? Nós decidimos agir.
Agora, pode-se argumentar:
aquilo foi defensivo? Ou foi prevenção? Estava certo ou estava errado? Mas foi uma medida que o
presidente à época, George Bush
[pai do atual presidente", tomou
porque achava necessário proteger os cidadãos americanos.
Então prevenção é quando você
vê alguém vindo em sua direção,
quando é um perigo de tal modo
claro e presente e você sabe que
vai acontecer e você acredita que
você pode fazer algo... é uma opção disponível a qualquer presidente ou líder.
Agora, a prevenção deve ser
usada com muito cuidado e com
um claro entendimento das obrigações que temos como membros
responsáveis da comunidade internacional.
Pergunta - Se o uso da prevenção
não é uma questão clara, há uma
preocupação por parte dos EUA de
que podem estar estabelecendo
um precedente ruim, às vezes dando a outras nações uma razão para
atacarem seus vizinhos ou para nos
atacarem preventivamente?
Powell - Eu acho que isso depende realmente das circunstâncias.
Pode não ser uma situação muito
clara. Mas, no caso dos EUA, nossa história não é de ir buscar conflitos, não é de tomar medidas de
prevenção para ampliar o território para algum outro país, de tomar o território de outro país ou
de impor a nossa vontade a alguém. Nossa história e nossa tradição foram sempre a de defender
nossos interesses.
E, em alguns casos, se nós podemos defender nossos interesses
antes mesmo que o mundo reconheça que eles estão sendo ameaçados, então eu acho que a prevenção é uma ferramenta que deve estar disponível.
Pergunta - Algumas pessoas dizem que, por causa da guerra contra o terrorismo, se estabeleceu entre europeus e norte-americanos
uma visão de mundo diferente, segundo a qual eles veriam as coisas
mais coletivamente, enquanto nós
estaríamos mais dispostos a agir
unilateralmente.
Powell - Essa questão do unilateralismo versus multilateralismo
tem sido objeto de muita distorção. Não acho que haja uma escolha certa. Passo uma quantidade
de tempo enorme falando com
nossos amigos na Europa, participando de encontros da União Européia e da Otan (aliança militar
ocidental liderada pelos EUA).
Entretanto há algumas questões,
como o Protocolo de Kyoto, como o Tribunal Penal Internacional, em que estamos seriamente
convencidos sobre algum ponto,
mas não conseguimos persuadir
nossos amigos europeus de nosso
modo de pensar. E eles, por sua
vez, não conseguem nos persuadir do seu modo de pensar.
Nos casos em que decidimos fazer aquilo que pensamos que seja
certo, somos tachados de "unilateralistas". As pessoas frequentemente concluem que há uma discórdia, que nós não nos importamos com nossos amigos e aliados.
É claro que nós nos preocupamos. E creio que nós já o demonstramos inúmeras vezes.
Pergunta - Você, pessoalmente,
se sentiu modificado pelos acontecimentos do ano passado?
Powell - Sem dúvida. Hoje é um
mundo diferente, com um novo
tipo de ameaça. Eu eu tive que
mudar para responder a ela. Mas
nesse trabalho, eu mudo todos os
dias de alguma forma.
Texto Anterior: 68% nos EUA apóiam ataque contra Iraque Próximo Texto: Panorâmica - Áustria: Renúncia de ministra pode levar a novas eleições Índice
|