São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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11.09/UM ANO DEPOIS

Câmeras de vídeo são instaladas em Washington e NY para "deter terror'; turistas serão fotografados e deixarão digitais em aeroportos

EUA aumentam vigilância sobre população

Divulgação/Associated Press
PELO ATAQUE Cartaz de encontro de extremistas islâmicos em Londres, na quarta, chama o 11 de setembro de "grande dia na história"; entre os presentes estarão simpatizantes de Bin Laden


MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Desde agosto, funcionários do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em Washington, colocam diariamente seus polegares em pequenos aparelhos que lêem impressões digitais. O sistema foi instalado como uma de várias medidas para elevar a segurança do prédio. Apenas quatro empregados protestaram, inutilmente, alegando violação de suas liberdades individuais.
Também em agosto, o Departamento da Justiça dos EUA começou a recrutar milhões de funcionários de empresas de serviços domiciliares, como carteiros, reparadores de TV a cabo e entregadores de pizza. Sua missão será delatar ao FBI quaisquer atividades que julguem suspeitas.
Nos últimos cinco meses, mais de 400 câmeras de TV foram instaladas nas ruas de Washington para vigiar a população, catalogar pessoas com atitudes suspeitas e prevenir atentados. Em Nova York, já há 6.000 câmeras de segurança, públicas e privadas, espalhadas pela cidade.
Desde 11 de setembro passado, cerca de dez mil pessoas foram detidas nos EUA, a grande maioria de origem árabe ou muçulmanos. Nenhuma delas foi incriminada pelos atentados de 11 de setembro ou por planejarem outros atos de terrorismo.
Indagado pela Folha, Russ Bergeron, porta-voz do INS (Serviço de Imigração e Naturalização) dos Estados Unidos, disse que "ninguém sob custódia do INS foi detido ou deportado sem ter merecido".
Recentemente, por ordem do secretário da Justiça dos Estados Unidos, John Ashcroft, milhares de turistas serão fotografados e terão suas impressões digitais tiradas quando chegarem aos aeroportos americanos, como parte das medidas "antiterrorismo".
O mesmo Ashcroft criou a expressão "pessoa de interesse" para definir cidadãos contra os quais não há quaisquer provas de crime, mas que, sob o ponto de vista do governo, encontram-se sob um guarda-chuva de suspeitas.
Enquanto tudo isso ocorria, cerca de 600 supostos membros do Taleban e da Al Qaeda permaneciam na base americana na Baía de Guantánamo, em Cuba, numa espécie de "limbo legal". São considerados prisioneiros de guerra, não presos comuns. Portanto, os EUA negam-se a julgá-los ou a soltá-los.
Em outubro de 2001, o presidente George W. Bush obteve a aprovação da chamada "Lei Patriota", que permitiu a instalação de escutas em telefones e conexões de internet de suspeitos de terrorismo, a realização de revistas secretas em domicílios e locais de trabalho e impôs o compartilhamento de informações entre forças policiais e agências de inteligência em todo o país. A legislação também autorizou a detenção de estrangeiros por até sete dias sem acusações formais, quando o prazo anterior era de 48 horas.
Um ano depois dos atentados de 11 de setembro, são esses, objetivamente, os sinais de que os EUA passaram a conferir um significado menos abrangente a valores como liberdade e multiculturalismo.
Vários analistas temiam algo pior, já que, dias depois dos atentados, chegou-se a prever a construção de campos de concentração para abrigar pessoas de origem árabe dentro dos EUA - o que não ocorreu, embora Ashcroft tenha sugerido isso publicamente. No entanto, os fatos são suficientemente graves para preocupar até entidades de orientação conservadora nos Estados Unidos.
Segundo Timothy Lynch, diretor de um projeto sobre Justiça Criminal do Instituto Cato, não se pode culpar somente o governo pela mudança dos padrões de respeito aos direitos humanos. "Foi uma opção de todas as forças políticas e, em última análise, da própria população americana", disse ele. "A sociedade decidiu controlar menos a comunidade de inteligência porque o terrorismo virou inimigo número um."

Coincidência
Na quarta-feira, no mesmo dia em que as vítimas dos ataques terroristas de 11 de setembro serão homenageadas ao redor do mundo, a irlandesa Mary Robinson deixará oficialmente do cargo de alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Será uma coincidência simbólica. Robinson, que será substituída pelo diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello, é crítica ferrenha do tratamento dado pelos Estados Unidos a imigrantes e aos cerca de 600 "prisioneiros de guerra" mantidos pelo país na base de Guantánamo.
No último sábado, quatro dias antes de deixar o posto, Robinson acusou os EUA de rebaixar os direitos humanos na hierarquia dos direitos e usar a "palavra T" -como ela se refere ao terrorismo- para cercear liberdades individuais, perseguir imigrantes e isolar-se de críticas.
"O mundo precisa de liderança no campo dos direitos humanos, e os EUA perderam essa liderança", disse Robinson. "Os atentados não foram somente um ataque a pessoas inocentes, mas também à liberdade e à democracia. E esses são padrões que precisamos respeitar."



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