São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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Brasil e AL perderam importância

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

De alguma forma, o Brasil e a América Latina foram vítimas colaterais dos aviões que derrubaram as Torres Gêmeas de Nova York e parte do Pentágono: ficaram fora do radar dos EUA, a única superpotência remanescente.
Essa visão é virtualmente consensual não apenas no governo brasileiro, mas entre especialistas externos que acompanham as relações Brasil-Estados Unidos.
No Itamaraty, o chanceler Celso Lafer queixou-se, logo após o 11 de setembro, de que a agenda comercial e econômica do planeta havia sido deixada de lado em benefício da agenda de segurança -uma agenda na qual o Brasil não tem maior interesse nem maior participação, ao contrário da outra.
Essa avaliação é compartilhada pelo uruguaio Francisco Panizza, especialista em América Latina da London School of Economics, que traça um teorema completo.
Ponto 1: "O mundo se tornou mais incerto e perigoso e, após uma década, a dos 90, que foi em muitos aspectos de ouro para os países desenvolvidos, entramos em uma década de grandes mudanças para as quais nem os governos nem as pessoas nem as empresas têm um mapa de rota".
Ponto 2: "Para esse mapa, os EUA definiram um norte: a luta contra o terrorismo. E um caminho: o unilateralismo".
Ponto 3: "A partir dessas mudanças, os EUA se assumiram como potência imperial, não no sentido marxista tradicional do termo, que sempre foi equivocado, mas no seu sentido mais preciso, ou seja, como um Estado que toma como sua missão impor uma ordem internacional de acordo com suas percepções sobre sua própria segurança e interesses, e confia que tem os recursos para levar adiante essa tarefa, sozinho se for necessário".
Conclusão: "Como um lugar relativamente pacífico, não só o Brasil, mas toda a América Latina, perdeu importância".
Concorda inteiramente um alentado estudo preparado por força-tarefa reunida pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), instituto independente de pesquisas sobre relações internacionais.
"O Brasil não representa nenhuma ameaça à segurança nacional ou regional dos EUA e por isso permanece marginal do ponto de vista dos interesses prioritários americanos", diz o texto.
O historiador britânico Kenneth Maxwell, pesquisador do Council on Foreign Relations de Nova York e tido como o mais notável dos brasilianistas, chega a listar as prioridades americanas, o que dá uma idéia melhor de quão longe estão Brasil e América Latina do topo da lista: "Incluem o frágil estado da economia americana e como esse fato pode jogar politicamente a favor dos democratas nas eleições parlamentares de novembro; os múltiplos problemas no Oriente Médio, desde o o Iraque até a contínua deterioração do conflito entre Israel e os palestinos, passando pela tensão com os sauditas e chegando à incerteza sobre o preço do petróleo, para não mencionar a crescente preocupação com a renovada tensão entre EUA e Europa, a defesa interna e as ameaças terroristas".
É uma lista tão formidável que mesmo a atenção que os EUA dão à Colômbia, único país sul-americano que tem problemas de segurança capazes de mobilizar Washington, é vista com outra ótica por Maxwell: "A Colômbia se transformou em grande prioridade para a política de segurança dos EUA, mas, como um alto funcionário do governo me disse, isso se deve em parte ao fato de que o governo Bush quer mostrar que está enfrentando também terroristas que não são muçulmanos".
Mas Maxwell distingue Washington de Nova York. Se o mundo oficial da capital presta pouca atenção ao sul das Américas, "Wall Street e a mídia de Nova York tendem a estar mais ligadas às oscilações dos mercados. Estão mais preocupadas com a vulnerabilidade dos grandes bancos e das multinacionais diante de um derretimento financeiro do Brasil".
Tanto Maxwell como Panizza atribuem a ajuda do FMI ao Brasil ao temor desse "derretimento".
O que significa que nenhum dos dois supõe que o pacote tenha representado uma guinada na desatenção dos EUA para a região.
A única mudança desde os atentados, diz Maxwell, é o fato de que Washington "está inquestionavelmente mais bem informada sobre o Brasil porque agora os EUA têm uma embaixadora, Donna Hrinak, que é uma profissional respeitada em Brasília e ouvida na Casa Branca".



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