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Brasil e AL perderam importância
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
De alguma forma, o Brasil e a
América Latina foram vítimas colaterais dos aviões que derrubaram as Torres Gêmeas de Nova
York e parte do Pentágono: ficaram fora do radar dos EUA, a única superpotência remanescente.
Essa visão é virtualmente consensual não apenas no governo
brasileiro, mas entre especialistas
externos que acompanham as relações Brasil-Estados Unidos.
No Itamaraty, o chanceler Celso
Lafer queixou-se, logo após o 11
de setembro, de que a agenda comercial e econômica do planeta
havia sido deixada de lado em benefício da agenda de segurança
-uma agenda na qual o Brasil
não tem maior interesse nem
maior participação, ao contrário
da outra.
Essa avaliação é compartilhada
pelo uruguaio Francisco Panizza,
especialista em América Latina da
London School of Economics,
que traça um teorema completo.
Ponto 1: "O mundo se tornou
mais incerto e perigoso e, após
uma década, a dos 90, que foi em
muitos aspectos de ouro para os
países desenvolvidos, entramos
em uma década de grandes mudanças para as quais nem os governos nem as pessoas nem as
empresas têm um mapa de rota".
Ponto 2: "Para esse mapa, os
EUA definiram um norte: a luta
contra o terrorismo. E um caminho: o unilateralismo".
Ponto 3: "A partir dessas mudanças, os EUA se assumiram como potência imperial, não no
sentido marxista tradicional do
termo, que sempre foi equivocado, mas no seu sentido mais preciso, ou seja, como um Estado que
toma como sua missão impor
uma ordem internacional de
acordo com suas percepções sobre sua própria segurança e interesses, e confia que tem os recursos para levar adiante essa tarefa,
sozinho se for necessário".
Conclusão: "Como um lugar relativamente pacífico, não só o
Brasil, mas toda a América Latina,
perdeu importância".
Concorda inteiramente um
alentado estudo preparado por
força-tarefa reunida pelo Cebri
(Centro Brasileiro de Relações Internacionais), instituto independente de pesquisas sobre relações
internacionais.
"O Brasil não representa nenhuma ameaça à segurança nacional ou regional dos EUA e por
isso permanece marginal do ponto de vista dos interesses prioritários americanos", diz o texto.
O historiador britânico Kenneth Maxwell, pesquisador do
Council on Foreign Relations de
Nova York e tido como o mais notável dos brasilianistas, chega a
listar as prioridades americanas, o
que dá uma idéia melhor de quão
longe estão Brasil e América Latina do topo da lista: "Incluem o
frágil estado da economia americana e como esse fato pode jogar
politicamente a favor dos democratas nas eleições parlamentares
de novembro; os múltiplos problemas no Oriente Médio, desde o
o Iraque até a contínua deterioração do conflito entre Israel e os
palestinos, passando pela tensão
com os sauditas e chegando à incerteza sobre o preço do petróleo,
para não mencionar a crescente
preocupação com a renovada tensão entre EUA e Europa, a defesa
interna e as ameaças terroristas".
É uma lista tão formidável que
mesmo a atenção que os EUA dão
à Colômbia, único país sul-americano que tem problemas de segurança capazes de mobilizar Washington, é vista com outra ótica
por Maxwell: "A Colômbia se
transformou em grande prioridade para a política de segurança
dos EUA, mas, como um alto funcionário do governo me disse, isso se deve em parte ao fato de que
o governo Bush quer mostrar que
está enfrentando também terroristas que não são muçulmanos".
Mas Maxwell distingue Washington de Nova York. Se o mundo oficial da capital presta pouca
atenção ao sul das Américas,
"Wall Street e a mídia de Nova
York tendem a estar mais ligadas
às oscilações dos mercados. Estão
mais preocupadas com a vulnerabilidade dos grandes bancos e das
multinacionais diante de um derretimento financeiro do Brasil".
Tanto Maxwell como Panizza
atribuem a ajuda do FMI ao Brasil
ao temor desse "derretimento".
O que significa que nenhum dos
dois supõe que o pacote tenha representado uma guinada na desatenção dos EUA para a região.
A única mudança desde os atentados, diz Maxwell, é o fato de que
Washington "está inquestionavelmente mais bem informada
sobre o Brasil porque agora os
EUA têm uma embaixadora,
Donna Hrinak, que é uma profissional respeitada em Brasília e ouvida na Casa Branca".
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