São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2004

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OPINIÃO

Imagens abjetas da morte de Bigley simbolizam aventura irresponsável

O jornal "Independent", do Reino Unido, publica na sua edição de hoje o seguinte editorial sobre o assassinato do refém britânico Kenneth Bigley, no Iraque.
 
Será que as conseqüências do desafortunado envolvimento britânico no Iraque podem se tornar mais desastrosas, perturbadoras e embaraçosas? O brutal assassinato do refém britânico Kenneth Bigley por seus captores oferece novas e repulsivas imagens para descrever os perigos aos quais todos os ocidentais -e qualquer um que auxilie a causa dos ocupantes americanos e britânicos- estão expostos no Iraque.
Tendo surgido logo após o relatório do Grupo de Pesquisa do Iraque, que demonstrou que Saddam não dispunha do arsenal de armas proibidas que forneceu ao primeiro-ministro [Tony Blair] uma justificativa para a guerra, o caso demonstra uma vez mais até que ponto a empreitada é irresponsável e mal planejada.
Também assegura que o dano sofrido por Blair, o dano para seu governo e o dano para a situação política do país estejam longe de encerrados. Surgirão perguntas incômodas sobre Bigley, sobre a segurança no Iraque e sobre o relatório do grupo de estudos quando o Parlamento abrir sua nova sessão, na segunda-feira. Nossos representantes não deveriam se policiar. O país não recebeu as respostas, muito menos o pedido de desculpas, que merece.
A extensão dos danos causados a Blair e seus ministros ficou clara pela reação da audiência no programa "Question Time", da BBC, na quinta-feira. Repetidas vezes, Patricia Hewitt, porta-voz do governo, foi convocada a justificar a decisão do governo de ir à guerra. Perguntas inteligentes e persistentes deixaram claro que o público considera as desculpas parciais oferecidas por Blair na conferência do Partido Trabalhista, atribuindo a decisão a informações inadequadas, tão insultuosas quanto insuficientes.
Cada vez mais frustrada, Hewitt, impotente, disse: "Peço desculpas em nome de todos os envolvidos na tomada de uma decisão incrivelmente difícil". Mas suas palavras eram uma última defesa, e foram pronunciadas com pouca convicção e sem a autorização do primeiro-ministro.
Não só a credibilidade do governo foi solapada severamente pelo Iraque. O tema dominante das conferências partidárias recentes foi a falta de confiança dos eleitores nos políticos após a guerra e as maneiras pelas quais os políticos poderiam reconquistá-la. Os líderes dos dois maiores partidos britânicos -Blair e o conservador Michael Howard-, ambos favoráveis à guerra, procuraram solução na forma de ambições modestas e de promessas de boa-fé.
Howard assumiu o compromisso, caso venha a se tornar primeiro-ministro, de não fazer promessas que seria incapaz de cumprir. A pesquisa de opinião pública encomendada pelo "Independent" e publicada na edição de hoje indica que a maior parte dos eleitores, e até mesmo a maioria dos membros do seu partido, duvida dele.
Tamanha desconfiança quanto aos políticos indica um distanciamento que não favorece a democracia. Do entusiasmo das multidões que saudaram a aurora do "New Labour" [novo trabalhismo], em 1997, ao desespero de Kenneth Bigley implorando por sua vida, a distância emocional é imensa. Isso prova que este país não foi liderado pelo caminho certo nos últimos sete anos.


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