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ÁSIA
Pela primeira vez, o país escolherá seu presidente pelo voto direto; Karzai, atual ocupante do cargo e apoiado pelos EUA, é favorito
Afeganistão realiza eleição histórica hoje
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Após mais de 20 anos de guerras, mais de 10,5 milhões de eleitores afegãos (40% mulheres) escolherão hoje, por voto direto, seu
próximo presidente, cujo mandato será de cinco anos. Como as
eleições legislativas só ocorrerão
em 2005, o vencedor deverá ter
poder suficiente para definir o futuro próximo do país asiático.
O pleito, de acordo com especialistas consultados pela Folha,
tende a ser um plebiscito sobre a
atuação do presidente afegão, o
pashtu Hamid Karzai, o grande
favorito nas pesquisas. Se ele obtiver menos de 51% dos votos, todavia, a eleição será decidida num
segundo turno, o que poderá
constituir fonte de instabilidade.
"Se a provável eleição de Karzai
não for manchada por fraudes e
ocorrer no primeiro turno, haverá
certa estabilidade política, pois ele
terá legitimidade. Por outro lado,
se o presidente tiver menos de
51% dos votos, a situação será
mais complexa", analisou Olivier
Roy, autor de, entre outros, "L'Asie Centrale Contemporaine".
Quando assumiu o poder após a
deposição do Taleban -que dava
abrigo a Osama bin Laden, responsável pelo 11 de Setembro-,
ocorrida por conta da invasão do
Afeganistão liderada pelos EUA e
pela Aliança do Norte -que reunia senhores da guerra e combatentes islâmicos que lutaram na
guerra contra os soviéticos (1979-1989)-, Karzai foi forçado a
constituir um governo de coalizão, com a anuência americana.
"Em 2002, Karzai tinha a ingrata
tarefa de buscar unir o país em
torno do governo central. Obviamente, os senhores da guerra
oriundos da Aliança do Norte
eram uma força incontornável",
disse Morgan Courtney, do Projeto para Reconstrução Pós-Conflito, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA).
"O único modo encontrado por
Karzai para que eles aceitassem
abrir mão de parte de seu poder
local foi colocá-los em postos importantes do governo central. Porém isso só serviu para consolidar
o poder dos líderes guerrilheiros."
Recentemente, Karzai lançou
uma campanha para abrandar influência de alguns dos mais poderosos senhores da guerra. Assim,
Ismail Khan, um dos homens
mais ricos do país, foi retirado do
posto de governador da Província
de Herat (próxima ao Irã).
Para Brad Davis, diretor para a
Ásia da Human Rights Watch
(HRW), "esse esforço ainda é
muito limitado, embora seja bem-vindo". "Os senhores da guerra
ainda são muito fortes no interior
do Afeganistão e, mesmo deixando postos governamentais, mantêm-se bastante influentes, muitas vezes como barões da droga."
As duas vezes em que Karzai e
seu candidato a vice, Ahmed Zia
Massoud, deixaram a capital, Cabul, para fazer campanha terminaram em tentativas de assassinato, o que ilustra a gravidade da situação no interior do Afeganistão.
Também vale ressaltar que, neste ano, a receita da droga será, de
acordo com a ONU, de cerca de
US$ 2,3 bilhões, enquanto a receita fiscal do governo central não
chegará a US$ 300 milhões.
Ademais, conforme salientou
John Sifton, também da HRW, alguns senhores da guerra tentam
dominar a sociedade civil afegã.
"O caso mais claro é o do ministro
da Defesa, [Mohammad Qasim]
Fahim, que é o líder da organização político-militar mais importante do Afeganistão, a Shura-e
Nazar. Trata-se de uma das pessoas mais influentes do país."
Fahim apóia a candidatura do
ex-ministro da Educação, o tadjique Yunis Qanuni, o principal adversário de Karzai no pleito. Para
Roy, se eleito, o presidente poderá
ser compelido a fazer uma aliança
com ambos para poder governar.
Campanha insegura
Embora curta -três semanas-, a campanha eleitoral foi
mais ardente do que era esperado.
"Todos os candidatos tiveram
acesso à TV e puderam expor suas
idéias. No entanto isso quase não
ocorreu, pois, como no Ocidente,
eles passaram a maior parte do
tempo a acusar os adversários",
avaliou Atiq Rahimi, escritor e cineasta afegão. Ele vive na França,
mas passou três meses no Afeganistão em 2003 e em 2004.
Rahimi acrescentou, contudo,
que a "população não está tão animada com o pleito". "A votação é,
sem dúvida, histórica, e as pessoas
sabem disso. Quando estive no
país em julho, porém, percebi que
a maior parte dos afegãos não se
ilude quanto às perspectivas para
o futuro, que restam sombrias."
Com efeito, embora a situação
de segurança seja relativamente
boa em Cabul, onde há 8.000 soldados da Otan e 5.000 militares
afegãos, o interior do país continua "perigoso", segundo Manoel
de Almeida e Silva, diretor de comunicação da missão da ONU.
Na região fronteiriça com o Paquistão, por exemplo, numa verdadeira "zona de guerra", de
acordo com Courtney, há 18 mil
militares dos EUA que atuam no
combate ao Taleban e à Al Qaeda.
Todavia a campanha de intimidação e de atentados prometida pelo
Taleban não se concretizou, e os
ataques terroristas foram poucos.
Mesmo assim, para Davis, "as
perspectivas são pouco alentadoras". "O extremismo islâmico e a
droga são graves ameaças à estabilização a médio e longo prazos."
Para George W. Bush, porém, a
realização do pleito é uma vitória.
"O sucesso da eleição afegã é vital
para as aspirações eleitorais de
Bush nos EUA, pois mostrará que
"a democracia é possível num país
muçulmano'", afirmou Courtney.
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