São Paulo, domingo, 9 de novembro de 1997.




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REVISÃO HISTÓRICA
Arqueólogo diz que a população negra deixou Buenos Aires e vive no interior do país, em regiões próximas à fronteira brasileira
Estudo revela comunidade negra na Argentina

LÉO GERCHMANN
de Buenos Aires

Um estudo arqueológico contesta dados oficiais segundo os quais não há presença de negros na Argentina. Segundo o responsável pelo trabalho, o antropólogo Daniel Schavelzon, os descendentes de africanos deixaram Buenos Aires em direção ao interior do país, onde vivem hoje em número reduzido.
"Os negros foram para o interior porque havia discriminação na capital. Eles existem em pequeno número, entre outros motivos porque, durante os conflitos dos quais a Argentina participou, foram colocados na linha de frente", diz Schavelzon, que é diretor do Centro de Arqueologia Urbana de Buenos Aires.
Os locais onde há descendentes de africanos são as Províncias de Corrientes, Entre Ríos e Misiones, próximas do Brasil (Rio Grande do Sul) e do Uruguai.
A cidade de Buenos Aires, na época da Argentina colonial -mais de 200 anos atrás-, chegou a ter 30% da sua população composta por negros. A confirmação dessa tese ocorreu recentemente, quando Schavelzon e outros arqueólogos encontraram uma vasilha redonda de cerâmica africana, moldada artesanalmente.
Dados oficiais, divulgados no "Guía del Viajero 1997", da Secretaria Nacional de Turismo, indicam que a população argentina é composta por 95% de brancos, 4,5% de mestiços (resultantes da mistura de brancos e índios) e 0,5% de índios das tribos mapuches, collas, tobas, matacos e chiriguanos. Não há registro de negros.
Dos 35 milhões de argentinos, mais da metade vive na cidade e na Província de Buenos Aires. São 10,1 habitantes por quilômetro quadrado espalhados pelo país.
O trabalho, mostrando a presença de população africana na formação étnica dos argentinos, foi divulgado em setembro passado, no Congresso Nacional de Arqueólogos, realizado em La Plata, capital da Província de Buenos Aires.

Vodu
Bem antes de ser encontrada a vasilha, haviam sido achados, em 1988, objetos de magia africana, como um boneco enforcado por um pedaço de corda -um legítimo exemplo de vodu- e perfurado no peito por meio de um pedaço de osso fino.
"A comprovação de que havia 30% de negros em Buenos Aires existe em função de censos do século 18", afirma o pesquisador. "Depois, encerraram-se as emigrações africanas em 1807 e começaram as européias entre 1830 e 1840, houve a guerra pela independência, entre unitários e federalistas, e a do Paraguai, das quais os negros participaram ativamente e quase foram exterminados", diz Schavelzon.
Numa expedição arqueológica realizada em 1928, já haviam sido encontrados objetos tipicamente africanos, que foram destruídos porque os pesquisadores da época desconfiaram de sua autenticidade. A convicção de Schavelzon, porém, é de que o achado era de um cemitério composto por corpos de escravos libertos.



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