São Paulo, segunda-feira, 09 de novembro de 2009

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Crença na "mágica" do consumo moveu o Leste, diz historiador

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Ao iniciar há 20 anos a derrubada do comunismo, russos e europeus do Leste nada entendiam de livre mercado, que esperavam que funcionasse como um passe de mágica para o consumo. Mas a região levará anos para ter um "capitalismo razoável", diz o historiador russo Constantine Pleshakov.
Pleshakov, 50, acaba de publicar "Não há Liberdade sem Pão! e a Guerra Civil que Derrubou o Comunismo", seu sexto livro. Baseado há 11 anos nos EUA, onde leciona no Mount Holyoke College, em Massachusetts, ele falou à Folha por telefone.

 

FOLHA - O senhor crê que o fim do bloco soviético era inevitável?
CONSTANTINE PLESHAKOV -
Sim e não. A longo prazo, o enfraquecimento do comunismo era inevitável. O sistema fornecia de graça habitação, saúde, educação, relativa segurança nas ruas. Mas as pessoas queriam bens de consumo. Os Estados gastavam muito dinheiro sem investir suficientemente na indústria de bens. Mas o sistema na URSS e no Leste Europeu poderia ter durado muito mais tempo. O colapso veio mais rápido do que todos esperavam.

FOLHA - E qual foi a causa?
PLESHAKOV -
A invasão soviética do Afeganistão, que minou a estabilidade na URSS, enfraqueceu o Estado. Com as grandes perdas humanas na guerra, que foram escondidas do país, a população, incluindo os militares, se afastou do Estado comunista. Em poucos anos, o Kremlin perdeu toda a legitimidade. Quando [Mikhail] Gorbatchev chegou ao poder [em 1985], perdeu a chance de acabar logo com a guerra. Levou três anos.

FOLHA - A maior parte da oposição no bloco soviético era desorganizada. O que as pessoas queriam e o que obtiveram?
PLESHAKOV -
As pessoas no bloco oriental não tinham uma compreensão clara do livre mercado. Não acho que tenham se dado conta de que havia diferentes opções, que o livre mercado na Escandinávia é muito diferente do livre mercado nos EUA. Elas acharam que funcionaria como mágica, que os salários iam subir e começariam a gastar loucamente. Em poucos anos, essas ilusões desapareceram, porque não é assim que funciona, particularmente numa transição do socialismo para o capitalismo. A primeira consequência é uma grande diferença entre os novos ricos e os novos pobres. Quando as propriedades estatais foram privatizadas, poucos privilegiados ficaram ricos em meses e o resto da população perdeu participação na riqueza nacional. Levará décadas para que o capitalismo no Leste Europeu e na Rússia se torne mais razoável.

FOLHA - O ingresso dos europeus do Leste na UE não é suficiente?
PLESHAKOV -
Claro que foi uma grande coisa, mas também há um forte sentimento contra eles. São vistos como invasores, cidadãos de segunda classe. Com a crise financeira, os países do Leste dependem da boa vontade do Ocidente, como ocorria quando pediam empréstimos antes de 1989.

FOLHA - Pode-se esperar que a Rússia volte a ser potência mundial?
PLESHAKOV -
A Rússia não voltará a ser superpotência, mas é uma potência importante na Eurásia, por duas razões. A primeira é seu petróleo e seu gás, do qual dependem os europeus e que é cada vez mais exportado para a China. Em segundo lugar, ela não está disposta a deixar que países como Ucrânia e Belarus se unam à União Europeia ou à Otan. Nas próximas décadas o Kremlin vai tentar reclamar a esfera de influência do velho império soviético.


Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/093121


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