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São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

Vitória retumbante pode ser amarga para Putin

RICHARD BALMFORTH
DA REUTERS, EM MOSCOU

O Kremlin conquistou uma vitória eleitoral retumbante, mas sua campanha habilidosa pode ter sido um desserviço ao presidente Vladimir Putin, ao relegar ao segundo plano os reformistas pró-Ocidente, de quem ele precisa. ""Foi uma vitória", disse a analista Liliya Shevtsova, do Centro Carnegie, em Moscou, "mas pode ter sido uma vitória amarga."
Os partidos favoráveis ao Kremlin (incluindo o bloco Rússia Unida, de Putin) conquistaram uma vitória enorme na eleição de anteontem. O resultado representou um avanço grande em relação às fileiras comunistas, mas também eliminou os adversários liberais do campo presidencial.
Putin saudou o resultado, dizendo a altos funcionários do Kremlin que viu a eleição como mais um passo no caminho da democracia. Entretanto, numa observação que traiu o temor de que a campanha, bem-sucedida até demais, possa ter polarizado o cenário político russo excessivamente, o presidente disse a seus adversários derrotados que as idéias e o potencial deles seriam aproveitados para o bem do país.
O resultado da eleição deixou os partidos pró-Kremlin com uma maioria próxima dos dois terços de que precisam para modificar a Constituição, de modo a autorizar Putin a cumprir um terceiro mandato de quatro anos.
Alguns analistas disseram que esse próprio fato pode ser motivo de constrangimento para Putin, que, em junho passado, durante viagem ao Reino Unido, excluiu categoricamente a possibilidade de candidatar-se a um terceiro mandato em 2008 -caso confirme seu imenso favoritismo na eleição de março de 2004. Esses analistas dizem que, embora quisesse reduzir a presença dos comunistas e buscasse maioria inequívoca para seus aliados, Putin esperava conseguir um equilíbrio de forças mais saudável na Duma.
Em especial, disseram, ele vai lamentar o fato de a bem organizada campanha do Kremlin ter provocado a derrota de dois partidos liberais que tinham fornecido ajuda especializada crucial para a aprovação de algumas reformas-chave pelo Parlamento.
A promoção enérgica de reformas econômicas é ponto crucial da percepção que o Ocidente tem da Rússia de Putin, especialmente após a prisão do empresário petrolífero Mikhail Khodorkovsky por sonegação de impostos e fraude, e da ambição de integrar a Rússia a instituições como a Organização Mundial do Comércio.
O partido Yabloko, do economista Grigory Yavlinsky, e a pró-empresariado União das Forças de Direita (SPS), liderada por Boris Nemtsov, não obtiveram o número mínimo de votos para conseguir assentos na Duma.
"Nos últimos quatro anos, Putin vem basicamente implementando a política econômica defendida pela SPS", disse o analista Michael McFaul. "Com toda certeza o que ele vem promovendo não são as idéias do Rússia Unida sobre reformas econômicas, porque o Rússia Unida não tem idéias. Foram as idéias do SPS -e esse partido não estará mais representado na Duma."
Um diplomata ocidental disse que os líderes do bloco Rússia Unida, que encabeçou a campanha do Kremlin e agora será a força dominante na Duma, são dirigentes que protegem seus interesses regionais e são leais a Putin, mas que dificilmente geram idéias de reforma. "Ironicamente", disse o diplomata, "o Rússia Unida se tornou o que existe de mais próximo a um fiador das liberdades democráticas na Duma. Mas o partido não possui visão nem programa, e isso não vai ajudar Putin."
Analistas também chamaram a atenção para duas outras realidades indesejadas para Putin. Uma delas é o ressurgimento do ultranacionalista Vladimir Jirinovski, cujo Partido Liberal-Democrático vem dando apoio vital ao Kremlin desde que surgiu no cenário político, em 1993.
Putin também pode estar olhando com alguma desconfiança para Sergei Glazyev, o popular co-dirigente do partido Terra-Mãe, que saiu de lugar nenhum para assumir o quarto lugar na Duma, pregando políticas nacionalistas e antioligarcas.
Analistas dizem que o Kremlin deu apoio ao partido de Glazyev contra os comunistas. Mas eles afirmam que Putin ainda poderá ver o ambicioso Glazyev como rival para a Presidência. "Acho que o presidente não deve estar muito feliz neste momento", afirmou ontem o líder do SPS, Boris Nemtsov. "As pessoas no Kremlin estão percebendo que deixaram o gênio escapar da garrafa."


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