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Boliviano que viveu na zona leste faz hip hop em aimará no reduto de Evo
DA ENVIADA À BOLÍVIA
Conexão ZL-El Alto. Mais
especificamente do bairro de
Artur Alvin, na zona leste de
São Paulo, veio a inspiração
para Abraham Bojorquez, 24,
movimentar a cena do hip
hop em um dos pontos mais
altos do altiplano boliviano.
"Periferia é periferia em todo lugar", diz Bojorquez,
questionado sobre as semelhanças com a vida da capital
paulista, onde viveu dos 12
aos 18 anos, trabalhando de
ajudante de costura.
"Quando ouvi o hip hop falando da vida na favela, era
como falar da minha vida. A
música é um fio que todo
mundo pode seguir."
Depois de escutar Detentos
do Rap e Racionais MC, ele
voltou à Bolívia e encontrou
uma cena de hip hop incipiente na Villa Dolores, um
dos bairros mais pobres de El
Alto, cidade de cerca de 900
mil habitantes na zona metropolitana de La Paz.
El Alto é um dos principais
redutos do governo Evo Morales. Das zonas urbanas pesquisadas no país, é a que ostenta o maior índice de aprovação ao presidente: 82%.
Bojorquez ajudou a fundar
a Wayna Tambo (encontro de
jovens, em aimará), rádio que
ele define como um "movimento cultural".Também faz
parte do Ukamau y Ké (somos
assim e o que que tem?), seu
grupo de hip hop, que canta
em espanhol e em aimará.
Sem site na internet e com
pouca distribuição de seus
dois discos, a Ukamau y Ké
tem certo status midiático
-Bojorquez conta que já deu
entrevista à CNN e fez show
na Venezuela e no Equador-,
mas a mistura de rap e tradições indígenas ainda perde
em adesão se comparada ao
regatongue e à cúmbia.
"Qué ondas/qué putas/ somos hijos de cholas [nome
pejorativo para mulheres indígenas]/ rompiendo el esquema", diz uma das letras
que, além do racismo, comentam a imigração e a "guerra
do gás". Em 2003, com barricadas nas ruas e enfrentamentos que deixaram dezenas de mortos, a população da
cidade ajudou a derrubar o
presidente Gonzalo Sánchez
de Lozada, que queria assinar
um contrato de venda de gás
aos EUA passando pelo Chile.
Força política
A poucos minutos de La
Paz, El Alto -Índice de Desenvolvimento Humano
0,661, o 47º do país-, ganhou
força na arena política depois
da queda de Lozada. Importantes para o governo e seu
partido, o MAS (Movimento
ao Socialismo), dirigentes locais exigiam na última semana três ministérios a Morales.
A cidade, formada principalmente por migrantes descendentes de indígenas do
campo, também ganhou o
noticiário recentemente pela
violência. Moradores lincharam, na última quinta-feira,
quatro homens acusados de
roubo. Há dois meses, resolveram fechar à força prostíbulos perto de escolas.
O cenário de favela com tijolos aparentes, pontos para
uso de internet e recarga de
celular e várias pessoas, principalmente mulheres, com os
trajes tradicionais originários
(saia rodada, chapéu e xale
reforçado) fazem da cidade
um espelho imediato das influências que a cruzam.
"Sou um aimará contemporâneo. Em casa, eu falo aimará", diz Bojorquez, no sobrado grafitado onde a rádio
funciona. Sobre o governo
Morales, faz uma metáfora
futebolística. "Já vemos uma
mudança, mas falta principalmente criar emprego. A
gente entende por que ele está respeitando as regras do
jogo. Se um jogador bater lateral chutando é expulso,
né?", diz o rapper, que em São
Paulo virou corintiano.
Como vários moradores do
bairro, ele elogia os programas sociais do governo. E teme a crise política, mas se diz
"tranqüilo" por enquanto.
"São setores com raiva porque o governo fala em tomar
as terras de quem tem demais." (FM)
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