São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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Boliviano que viveu na zona leste faz hip hop em aimará no reduto de Evo

DA ENVIADA À BOLÍVIA

Conexão ZL-El Alto. Mais especificamente do bairro de Artur Alvin, na zona leste de São Paulo, veio a inspiração para Abraham Bojorquez, 24, movimentar a cena do hip hop em um dos pontos mais altos do altiplano boliviano.
"Periferia é periferia em todo lugar", diz Bojorquez, questionado sobre as semelhanças com a vida da capital paulista, onde viveu dos 12 aos 18 anos, trabalhando de ajudante de costura.
"Quando ouvi o hip hop falando da vida na favela, era como falar da minha vida. A música é um fio que todo mundo pode seguir."
Depois de escutar Detentos do Rap e Racionais MC, ele voltou à Bolívia e encontrou uma cena de hip hop incipiente na Villa Dolores, um dos bairros mais pobres de El Alto, cidade de cerca de 900 mil habitantes na zona metropolitana de La Paz.
El Alto é um dos principais redutos do governo Evo Morales. Das zonas urbanas pesquisadas no país, é a que ostenta o maior índice de aprovação ao presidente: 82%.
Bojorquez ajudou a fundar a Wayna Tambo (encontro de jovens, em aimará), rádio que ele define como um "movimento cultural".Também faz parte do Ukamau y Ké (somos assim e o que que tem?), seu grupo de hip hop, que canta em espanhol e em aimará.
Sem site na internet e com pouca distribuição de seus dois discos, a Ukamau y Ké tem certo status midiático -Bojorquez conta que já deu entrevista à CNN e fez show na Venezuela e no Equador-, mas a mistura de rap e tradições indígenas ainda perde em adesão se comparada ao regatongue e à cúmbia.
"Qué ondas/qué putas/ somos hijos de cholas [nome pejorativo para mulheres indígenas]/ rompiendo el esquema", diz uma das letras que, além do racismo, comentam a imigração e a "guerra do gás". Em 2003, com barricadas nas ruas e enfrentamentos que deixaram dezenas de mortos, a população da cidade ajudou a derrubar o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, que queria assinar um contrato de venda de gás aos EUA passando pelo Chile.

Força política
A poucos minutos de La Paz, El Alto -Índice de Desenvolvimento Humano 0,661, o 47º do país-, ganhou força na arena política depois da queda de Lozada. Importantes para o governo e seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo), dirigentes locais exigiam na última semana três ministérios a Morales.
A cidade, formada principalmente por migrantes descendentes de indígenas do campo, também ganhou o noticiário recentemente pela violência. Moradores lincharam, na última quinta-feira, quatro homens acusados de roubo. Há dois meses, resolveram fechar à força prostíbulos perto de escolas.
O cenário de favela com tijolos aparentes, pontos para uso de internet e recarga de celular e várias pessoas, principalmente mulheres, com os trajes tradicionais originários (saia rodada, chapéu e xale reforçado) fazem da cidade um espelho imediato das influências que a cruzam.
"Sou um aimará contemporâneo. Em casa, eu falo aimará", diz Bojorquez, no sobrado grafitado onde a rádio funciona. Sobre o governo Morales, faz uma metáfora futebolística. "Já vemos uma mudança, mas falta principalmente criar emprego. A gente entende por que ele está respeitando as regras do jogo. Se um jogador bater lateral chutando é expulso, né?", diz o rapper, que em São Paulo virou corintiano.
Como vários moradores do bairro, ele elogia os programas sociais do governo. E teme a crise política, mas se diz "tranqüilo" por enquanto. "São setores com raiva porque o governo fala em tomar as terras de quem tem demais." (FM)

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