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SUCESSÃO NOS EUA /FUNDOS DE CAMPANHA
Pequenas doações batem recorde neste ano
Obama é maior beneficiado por indivíduos que doam menos de US$ 200, com o dobro de Hillary em contribuições do tipo
Internet é porta de entrada para pequenos doadores; republicano favorito, John McCain patina no público da web, que prefere Ron Paul
FERNANDO RODRIGUES
EM CAMBRIDGE (EUA)
O democrata Barack Obama
contou uma de suas várias histórias sobre doadores de campanha logo depois de vencer as
primárias da Carolina do Sul,
há 15 dias: "Quando as pessoas
dizem que não conseguiremos
superar a força do dinheiro e a
influência de Washington, eu
penso na mulher de idade que
me enviou uma contribuição
outro dia: um envelope com
uma ordem de pagamento de
US$ 3,01".
O exemplo sintetiza um fenômeno em curso na política
dos Estados Unidos. Ao final da
atual campanha, segundo todas
as estimativas, o número de
doadores de pequenas quantidades de dinheiro aos candidatos será um recorde histórico.
Nunca tantos americanos se interessaram em contribuir financeiramente para eleger um
presidente da República.
Pela lei eleitoral do país, pequeno doador é o que oferece
valores abaixo de US$ 200 (cerca de R$ 360). Em 2004, a campanha presidencial teve 2,064
milhões nessa categoria.
Os dados mostrados nesta
página são inéditos. Foram
compilados para o curso "Reforma Eleitoral", comandado
pelo professor David King, da
Universidade Harvard. Desta
vez, mesmo antes de a campanha ter começado para valer, o
número desses contribuintes
pequenos já havia batido em
1,258 milhão em 31 de dezembro. Entre os candidatos com
chance de vitória, o maior beneficiário é Barack Obama.
Números da FEC (Comissão
Federal Eleitoral, pela sigla em
inglês, que comanda o processo
nos EUA) demonstram que
Obama recebeu US$ 31,038 milhões em pequenas doações até
dezembro. Esse montante representa 31% do total que o democrata captou de indivíduos.
Hillary Clinton, a outra pré-candidata democrata, teve menos da metade: US$ 14,081 milhões em pequenas doações -o equivalente a apenas 14% do
total do dinheiro vindo de contribuições de indivíduos.
Por causa de uma idiossincrasia da lei americana, os doadores de valores abaixo de US$
200 não precisam ser listados
um a um, mas apenas de maneira coletiva pelos candidatos. Se
houver dúvida ou denúncias a
respeito, a FEC poderá requerer a abertura dos dados.
Exército
Estimativas realizadas por
especialistas em Harvard e pelo
Campaign Finance Institute
(uma ONG de Washington)
mostram Obama no final do
ano passado acumulando um
exército de pelo menos 310 mil
pessoas. São os ativistas que em
algum momento depositaram
em sua conta bancária valores
inferiores a US$ 200. Hillary
contava com 140 mil nesse
mesmo universo.
Se todas as contribuições são
somadas, a senadora por Nova
York arrecadou mais do que
Obama até o dia 31 de dezembro. Hillary declarou US$ 118,3
milhões, contra US$ 103,8 milhões de seu adversário nas
prévias democratas.
A diferença entre ambos é a
qualidade da doação. Quando
alguém perde um ou dois minutos para entrar no site do
candidato e doar US$ 50 ou
US$ 100, o político acredita receber mais do que o dinheiro.
Esse tipo de militante, em tese,
é mais propenso a fazer campanha no ano eleitoral.
Obama soube surfar a onda a
favor em janeiro. Segundo o comando de sua campanha, no
primeiro mês de 2008 o senador pelo Estado de Illinois conseguiu US$ 32 milhões em novas doações. A maior parte teria
vindo de pequenos doadores.
Em e-mail enviado nesta semana a quem se alistou em seu
site na internet, Obama disse
ter chegado a mais 300 mil doadores só neste ano. Os dados
ainda não foram escrutinados
pela FEC. Se confirmados, ele
já teria atingido mais de 600
mil doadores individuais. A
imensa maioria seria composta
por contribuintes de valores
abaixo de US$ 200.
John Kerry, o candidato democrata de 2004, teve esse número de pessoas apenas às vésperas da eleição, em novembro.
Outra comparação possível é
com a democracia brasileira.
Há um abismo entre os números dos EUA e os do Brasil. Em
2002, quando foi eleito pela
primeira vez, o petista Luiz
Inácio Lula da Silva declarou
ter recebido 978 doações (para
um total arrecadado de R$ 21
milhões). Quatro anos depois,
em 2006, no período pós-mensalão, Lula admitiu uma coleta
bem maior de dinheiro (R$ 81,2
milhões), mas tudo teria vindo
de apenas 1.634 doadores.
Internet
Essa vitalidade na democracia dos EUA com participação
direta dos eleitores só tem sido
possível por causa do uso disseminado da internet.
Enquanto no Brasil os eleitores ainda são obrigados a fazer
doações em cheque ou mediante depósitos identificados na
conta bancária de um candidato, aqui é possível enviar dinheiro diretamente pela rede
mundial de computadores
-que permite a identificação
de quem doa, além de facilitar a
operação. Pode-se mandar dinheiro por meio de transferência bancária ou simplesmente
fornecendo os dados do cartão
de crédito.
O cálculo básico feito por assessores políticos americanos é
que a cada cem visitantes no site de um candidato, US$ 100
em média pingam na conta desse político. É como se cada internauta "valesse" US$ 1. Não é
a toa que os políticos fazem
grande esforço para aumentar
a audiência em suas páginas,
comprando anúncios em sites
noticiosos (nos EUA não há horário eleitoral gratuito; todos os
anúncios são pagos pela campanha dos candidatos).
Outro fator deve ser considerado sobre o uso da internet na
política americana: o amplo
uso dessa mídia no país. Há 215
milhões de norte-americanos
com acesso à rede (71% da população). No Brasil, só 42 milhões estão conectados ( 22,5%
dos habitantes).
Brasil sem apetite
Os políticos brasileiros também nunca demonstraram
apetite para atrair um volume
grande de pequenas doações
individuais. Mesmo com uma
base limitada de eleitores conectados à internet, essa operação seria viável -se cada internauta brasileiro doasse R$ 1, seriam R$ 42 milhões.
A lei não impede diretamente essa transação. Mas o TSE
(Tribunal Superior Eleitoral)
nunca se dedicou a regular tal
tipo de procedimento. A legislação brasileira apenas determina a identificação de todas as
doações. Esse requisito pode
ser cumprido facilmente no
meio digital -sobretudo em
um país onde a população já se
acostumou há uma década ao
uso de "internet banking".
Os números nos EUA relacionados ao uso da internet pelos pré-candidatos mostram o
avanço da rede no meio político. Barack Obama somava 425
mil "amigos" na manhã da última sexta-feira em sua página
no Facebook (uma das mais populares redes de relacionamento social pela internet).
Isso representa um crescimento de 148% sobre seus 171,2
mil "amigos" de 31 de dezembro. No mesmo período, Hillary Clinton saiu de 56,2 mil
para 101 mil "amigos" nesse site
(avanço de 92%).
As estatísticas do cyber espaço para Obama tomam contornos astronômicos quando o site
é o YouTube, o mais popular
endereço para vídeos na web. O
senador democrata já acumula
16,4 milhões de acessos a seus
vídeos promocionais no YouTube, segundo dados compilados pelos sites TechPresident
(www.techpresident.com) e
TubeMogul (www.tubemogul.com). Hillary Clinton soma
6,1 milhões de acessos.
Na última semana, Obama
teve mais de dois milhões de
acessos, sobretudo por conta de
um vídeo no qual um de seus
discursos é musicado e apresentado por celebridades, incluindo a atriz de cinema Scarlertt Johansson.
Republicanos
Quando os analisados são os
republicanos, o número geral
de doadores de pequenos valores e a presença na internet só
não são um fracasso completo
por causa da surpreendente
atuação de candidatos azarões
como Ron Paul e Mike Huckabee. Ambos têm de alguma forma um desempenho melhor do
que o favorito John McCain e
do que Mitt Romney, que era o
segundo colocado mas há três
dias desistiu da campanha.
Paul é apenas a confirmação
de uma regra. Em todas as eleições presidenciais recentes nos
EUA sempre há um candidato
com propostas extravagantes
que atrai uma legião de seguidores. São pessoas descontentes com o "establishment" democrata e republicano.
Deputado federal, 72 anos,
Paul é a favor do fim da Receita
Federal e do Fed, o banco central dos EUA. Há alguns dias
disse à Folha ser simpático à
produção de álcool a partir da
folha do cânhamo (maconha).
Com suas idéias heterodoxas,
ele já teve 12,3 milhões de acessos no YouTube. É o republicano que acumula mais doadores
individuais pequenos (172 mil).
Huckabee não está muito fora do conservadorismo republicano, mas tem grande dificuldade para levantar fundos (US$ 9 milhões até dezembro
passado). Seu grande trunfo
tem sido a web. No YouTube,
Huckabee é o republicano depois de Ron Paul com mais expectadores para seus vídeos
promocionais: 5,2 milhões.
Já McCain é um quase fracasso total na internet. Também tem desempenho sofrível
na área dos pequenos doadores. Ele arrastou só 1,8 milhão
de pessoas para seus comerciais no YouTube (quase dez
vezes menos do que o democrata Obama). Tem meros 50
mil "amigos" no Facebook.
FERNANDO RODRIGUES é bolsista do programa da Fundação Nieman
para jornalistas da Universidade Harvard
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