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ZIMBÁBUE
Para especialista de Harvard, silêncio sul-africano sobre ação do presidente cria sensação de que a democracia é dispensável
Omissão dá força a Mugabe, diz analista
PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO
A decisão da Comunidade Britânica de não tomar medidas contra o presidente do Zimbábue,
Robert Mugabe, e a fraca reação
da África do Sul ajudaram a criar
uma sensação de que a democracia pode ser dispensada no continente africano.
A opinião é de Robert Bates, 59,
professor de ciência política na
Universidade Harvard (EUA).
"Espero que a África do Sul se
envolva mais. Eles temem um envolvimento maior porque isso terá um preço", diz Bates, especialista em política africana e reforma governamental e um dos líderes do Projeto de Crescimento da
África, que tem a sua base em Nairóbi (Quênia). A proposta do projeto é analisar a experiência de 36
países africanos desde a segunda
metade do século 20 e apresentar
estratégias de desenvolvimento.
Ele, porém, não poupa críticas
ao regime do Zimbábue: "O regime mais repressivo [da África"
atualmente é o de Mugabe".
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Robert Bates
à Folha.
Folha - A cúpula da Comunidade
Britânica decidiu não adotar medidas contra Mugabe. Em vez disso,
diversos Estados africanos, com o
Zimbábue à frente, vêm acusando
o Reino Unido de neocolonialismo.
É uma tentativa de reduzir as críticas a esses regimes?
Robert Bates - É lógico que sim.
No Zimbábue, por exemplo, Mugabe está tratando o assunto como uma questão racial para evitar
um debate sobre seu próprio desempenho. É um modo de tentar
obter solidariedade em casa, o
que não está ocorrendo, e de angariar apoio entre outros Estados
africanos. Isso está funcionando
melhor do que imaginávamos.
Folha - Segundo Mugabe, o Reino
Unido estaria ajudando seus oposicionistas de forma direta. Como os
governos europeus interferem nas
eleições africanas?
Bates - As embaixadas ocidentais no Zimbábue têm a intenção
de promover a democracia, penso
eu. Isso implica apoiar eleições
competitivas, o que certamente
Mugabe não quer.
Mas os estrangeiros também sabem que, caso se envolvam demais, isso seria contraproducente. Por isso, não agem além dos limites. Mas eles acreditam ter o direito de saber se as eleições foram
realizadas justamente. Após as
eleições zimbabuanas, se perceberem que houve uma falta no
campo, vão erguer o cartão vermelho. Não creio que o Reino
Unido esteja fornecendo dinheiro
para a oposição. Tenta observar
cuidadosamente o processo político e proteger os oposicionistas
de intimidação.
Folha - O Zimbábue vai retomar
em breve as negociações com o
Fundo Monetário Internacional
(FMI) e com o Banco Mundial que
foram suspensas no ano passado
devido a divergências em relação à
política de Mugabe, incluindo as
invasões de terras. Qual o efeito da
pressão exercida por essas organizações sobre líderes africanos?
Bates - Quando essas organizações acreditam que a repressão
contra oposicionistas faça parte
das razões para um declínio político ou econômico, com certeza
têm interesse em estabelecer condicionantes políticas como um
dos fatores para aprovar pacotes
de assistência.
Por que deveriam emprestar dinheiro ao país se o modo como
Mugabe governa é uma boa razão
para não fazer negócio com ele?
Folha - Sanções econômicas podem ajudar o processo político?
Bates - Em alguns casos, pois fica claro o descontentamento com
a situação política. O problema é a
manipulação por parte de líderes
para proteger quem interessa. E
as sanções muitas vezes atingem o
povo sem afetar o governo.
Folha - A influência do Reino Unido e da França sobre a África cresceu bastante nos últimos anos, segundo diversos especialistas...
Bates - Sim, Tony Blair esteve recentemente na África, e não há
dúvidas de que os britânicos estão
com uma política mais ativa nos
últimos anos. Seus objetivos ainda não são totalmente claros, mas
há muitas forças na África que
precisam de ajuda externa. A não
ser que esses governos desistam
de se manter no poder para sempre, a oposição estará insegura e,
consequentemente, buscará proteção internacional contra forças
domésticas de repressão.
Com certeza, hoje há um envolvimento maior por parte do exterior na política africana do que
havia dez anos atrás. Mugabe
aproveita para falar em um ressurgimento do imperialismo...
Folha - Quais os exemplos mais
positivos de democracias ou de países que tendem a se tornar democracias na África?
Bates - Cito os dois casos mais
evidentes: Maurício e Botsuana.
Outros países às vezes adotam o
sistema democrático temporariamente e depois o abandonam, como Gâmbia. Benin vinha mostrando uma tendência democrática também.
Folha - E a África do Sul? Aparentemente está colaborando menos
com a transição política em outros
países do que se esperava...
Bates - Mugabe não está tendo
problemas com seus assassinatos,
e o único país que poderia se opor
a isso é a África do Sul. Talvez eles
tenham compreendido que cometeram um erro ao não condenar o que vem acontecendo.
Outras países da região, especialmente Zâmbia e Maláui, reverteram suas reformas democráticas. Há uma sensação na região
de que a democracia pode ser dispensada sem medo de que a África do Sul ou algum país estrangeiro manifeste muita preocupação.
Espero que a África do Sul se envolva mais. Eles temem um envolvimento maior porque isso terá
um preço. Podem, porém, começar a achar necessário organizar a
vizinhança em algum momento
quando o país deixar de ser visto
como um lugar seguro devido aos
grupos fora de controle na região.
Folha - Quais são os exemplos
mais graves de repressão política
no continente africano?
Bates - O regime mais repressivo
atualmente é o de Mugabe. A situação no Congo (ex-Zaire), em
Serra Leoa e na Libéria também
demanda uma atenção especial.
De qualquer forma, algumas vezes é preferível um governo repressor do que nenhum governo.
Folha - Quais os principais inimigos da democracia na África, onde
a guerra ainda predomina em ao
menos 15 países?
Bates - Em países em guerra, a
prioridade é a estabilidade, não a
democracia. O importante nesse
caso é desarmar milícias locais e
obter uma pacificação. Após resolver esses problemas, podem
preocupar-se com a democracia.
Folha - A União Africana pode
ajudar a promover transições democráticas?
Bates - Gostaria que sim, mas
realmente fiquei decepcionado
com a conduta da organização até
agora. Seu próprio líder é um rufião. Que tipo de mensagem estão
tentando passar à comunidade
internacional? Deveriam apoiar
forças políticas progressistas. Lamento que a diplomacia seja usada apenas para conservar o governo no poder indefinidamente.
Folha - O presidente de Angola,
José Eduardo dos Santos, prometeu não se candidatar às próximas
eleições. Analistas afirmam que a
morte de Jonas Savimbi favoreceria a retomada do processo de paz.
O quadro é mais positivo?
Bates - Não sabemos o que fez
Dos Santos desistir do poder, se é
realmente uma abertura ou se ele
vai impor seu sucessor.
A morte de Savimbi muda o
quadro radicalmente.
Há um lado positivo: Savimbi
não aceitava nenhum compromisso político que não o consagrasse como presidente, o que
evidentemente prejudicava a
chance de paz. Por outro lado,
agora a oposição está rachada, o
que dificulta as negociações. Não
há uma pessoa única com quem
negociar. São diversos líderes.
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