São Paulo, domingo, 10 de março de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HISTÓRIAS

Mais notícias de uma guerra particular

Casal reivindica a propriedade da bandeira que simbolizou o patriotismo dos EUA após os atentados

DE NOVA YORK

Seis meses depois, o Ponto Zero ("Ground Zero", como foi batizado o local dos atentados em Nova York) continua um manancial de histórias curiosas, nem sempre com final feliz. Na terceira parte da série publicada pela Folha desde o dia 11 de setembro, uma das mudanças principais é que alguns casos estão permeados de ganância e briga pelo poder. Sinal do tempo que passou (ou sinal de que o tempo passou).

Os donos da bandeira
A cena correu o mundo pelas TVs e por fotos publicadas em jornais e revistas. Na noite do próprio dia 11 de setembro, três bombeiros se juntaram e tentaram enfiar uma bandeira norte-americana num monte de entulho até que ela ficasse lá, parada.
Lembrava a famosa fotografia feita pela Associated Press no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, em Iwo Jima. Ficou tão identificada com os esforços de resgate das vítimas do ataque terrorista que a Prefeitura de Nova York resolveu fazer até uma estátua reproduzindo a cena.
(O objeto vai ser colocado no bairro do Brooklyn e já sofreu uma infinidade de críticas pela derrapada politicamente correta que algum funcionário público deu: na hora de comissionar o escultor, o sujeito pediu que os bombeiros fossem retratados como um branco, um negro e um hispânico, quando a realidade era inteiramente caucasiana...)
Seis meses se passaram, e aparece um casal que se diz dono da tal bandeira mítica. Shirley B. Dreifus e seu marido, Spiros E. Kopelakis, moradores de Manhattan, estavam com seu iate, o Estrela da América, ancorado no rio Hudson, exatamente ao lado do World Trade Center, bem no dia da queda das torres.
A bandeira que os três bombeiros plantaram no entulho foi arrancada, diz a dupla, da embarcação deles. Não, eles não querem nenhum dinheiro nem fama nem glória. Querem apenas que o trio de soldados assine uma declaração de que a flâmula realmente veio do Estrela.
Assim, diz o casal descoberto pelo "New York Times", eles podem doar o objeto para a cidade e deduzir seu valor do Imposto de Renda deste ano. Se a prefeitura não aceitar, então eles querem a bandeira de volta. Mas qual o valor que eles pretendem declarar?
Aí mora o busílis. Se for mesmo a bandeira deles, o pano de 1 m por 1,5 m foi comprado no começo de 2000 por US$ 50. Segundo especialistas em relíquias, no entanto, pode valer até US$ 100 mil hoje, principalmente se for parar num site de leilões virtuais.
A bandeira se encontra atualmente a bordo do porta-aviões Theodore Roosevelt. Não, sua tripulação não sabe da polêmica.

Miniaturas danificadas
Quem disse que o 11 de setembro não dá dinheiro? Não o russo radicado em Nova York Constantin Boym, que já desenhou peças para griffes como a empresa suíça Swatch, de relógios. É dele o site www.boym.com/theend. O designer vive há alguns anos da paranóia americana.
Boym criou a série "Lembranças para o Fim do Século". Entre outras miniaturas, produz e vende a cabana do Unabomber, o prédio federal de Oklahoma destruído pelo terrorista Timothy McVeigh e as casas da comunidade radical de Waco (Texas), cujos membros foram mortos pelo FBI.
O preço único é de US$ 95, e as peças vendiam bem. Nenhuma delas, no entanto, superou as duas mais novas criações do russo. Boym acrescentou à sua coleção a réplica dos destroços do World Trade Center e uma miniatura do Pentágono com um dos cinco lados devidamente semidestruído.
"Ambos fazem parte da subssérie "Prédios do Desastre'", diz ele, "e eu dedico parte das vendas ao Fundo 11 de Setembro." Desde então, mais de US$ 5,000 ganhos com a comercialização dos dois objetos já foram para o fundo, informa o site oficial.

O tour da morte
"Do seu lado direito, você pode ver parte do lugar onde um dia ficou o World Trade Center. Do seu lado esquerdo, observe o prédio onde o então prefeito Rudolph Giuliani se refugiou quando a primeira torre desabou."
Quem fala é um guia típico de grandes cidades turísticas. O grupo que o ouve atentamente está longe de ser pequeno. Na maioria, turistas americanos que vieram passar o fim de semana.
Eles estão no mais novo e concorrido roteiro da NYC Vacation Packages, empresa da Pensilvânia com filial em Nova York que foi a primeira a oferecer o chamado "tour da morte" (chamado pelos críticos, claro, não pela empresa; o nome oficial é "Um Passeio pela Baixa Manhattan").
Além dos pontos citados acima, para-se ou pelo menos passa-se pela sede da prefeitura da cidade, pela igreja St. Paul, pela Bolsa de Valores de Nova York e pelo South Sea Seaport, todos locais de alguma maneira relacionados ao ataque de 11 de setembro.
"Acho que esse tour e as pessoas vindo aqui vão trazer de volta o patriotismo que nós perdemos", diz uma participante identificada no site da NYC apenas como Lynnette W. Faz eco o presidente do negócio, Barry Tenenbaum: "A visita ao Ponto Zero homenageia o verdadeiro espírito do nova-iorquino."

Diesel derrubou a torre 7
Foi o conteúdo de um tanque de diesel que ninguém sabia que ficava por ali, e não o colapso estrutural, como se pensava, que derrubou a torre 7 do complexo do World Trade Center.
O prédio foi o último a desabar em 11 de setembro, depois de receber os escombros das duas torres principais e começar a pegar fogo. Sete horas após a queda do segundo prédio, a torre 7 cedeu. Já não tinha mais ninguém no interior, mas era estrategicamente a construção mais importante.
Abrigava em segredo o escritório central do Serviço Secreto em Nova York, além do Centro de Emergência municipal, menina-dos-olhos do ex-prefeito Rudolph Giuliani, de onde ele planejava comandar a cidade caso uma grande desgraça como a de 11 de setembro ocorresse.
Foi isso que o derrubou. Para que tanto o serviço secreto quanto o centro funcionassem sob quaisquer condições, a torre trazia em seu andar subterrâneo um tanque de diesel com capacidade de até 160 mil litros do combustível, que servia os geradores de emergência do prédio inteiro via pequenas tubulações.
A localização também era secreta. A descoberta, feita na semana passada, é de um time de engenheiros da Agência Federal de Controle de Emergências e da Sociedade Americana de Engenheiros Civis. Sem o depósito semiclandestino, disseram, o prédio estaria de pé até hoje.

PV, o Partido das Viúvas
Há um novo grupo político em Nova York, cada vez mais poderoso e influente. Lembra o das argentinas Mães da Praça de Maio, só que com muito mais dinheiro e sem o descaso (e em muitos casos a perseguição) do Estado.
São as Viúvas do World Trade Center. Ou apenas As Viúvas. Seu grupo foi formado em Nova York no calor dos acontecimentos de 11 de setembro, nos dias e nas noites que se seguiram ao ataque terrorista. Primeiro, elas tiveram de se juntar para tentar achar os restos mortais de seus maridos.
Depois, tiveram de se juntar para conseguir receber uma indenização financeira que julgassem correta. Agora, elas resolveram se juntar. E ponto. Chegam a mil e não estão dispostas a ir embora. O prefeito Michael Bloomberg já designou um membro de seu gabinete só para lidar com elas.
Nada é oficial, claro, mas sempre que preciso elas se agrupam, trocam telefonemas e decidem uma ação conjunta. Algumas chegaram a fundar entidades, geralmente ONGs, com sede improvisada na casa de alguma delas e reuniões periódicas.
É o caso da Associação das Viúvas e dos Familiares 11 de Setembro, presidida por Marian Fontana, viúva de um bombeiro. Sim, como toda boa agremiação, As Viúvas já têm suas facções. A mais forte é justamente a das Viúvas dos Bombeiros, mulheres dos 343 soldados que morreram nos resgates daqueles dias.
O 11 de Setembro, comandado pela escritora de 33 anos de sua cozinha no Brooklyn, tem até site oficial. Entre seus objetivos, declara o principal: conseguir informações acuradas e um bom canal de comunicação com a prefeitura e o Corpo de Bombeiros.
O lema é "Você vai ter voz porque você vai ter o conhecimento". A dura realidade, no entanto, é involuntariamente revelada na agenda para a semana: segunda-feira, encontro marcado no equivalente local do Instituto Médico Legal, para saber se mais algum corpo foi encontrado nos escombros e se há outra viúva, como elas, precisando de ajuda. (SÉRGIO DÁVILA)


Texto Anterior: Bush promete mais de US$ 20 bi à região
Próximo Texto: TV CBS mostra imagens inéditas do drama no WTC
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.