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HISTÓRIAS
Mais notícias de uma guerra particular
Casal reivindica a propriedade da bandeira que simbolizou o patriotismo dos EUA após os atentados
DE NOVA YORK
Seis meses depois, o Ponto Zero
("Ground Zero", como foi batizado o local dos atentados em Nova
York) continua um manancial de
histórias curiosas, nem sempre
com final feliz. Na terceira parte
da série publicada pela Folha desde o dia 11 de setembro, uma das
mudanças principais é que alguns
casos estão permeados de ganância e briga pelo poder. Sinal do
tempo que passou (ou sinal de
que o tempo passou).
Os donos da bandeira
A cena correu o mundo pelas
TVs e por fotos publicadas em
jornais e revistas. Na noite do próprio dia 11 de setembro, três bombeiros se juntaram e tentaram enfiar uma bandeira norte-americana num monte de entulho até que
ela ficasse lá, parada.
Lembrava a famosa fotografia
feita pela Associated Press no final
da Segunda Guerra Mundial, em
1945, em Iwo Jima. Ficou tão
identificada com os esforços de
resgate das vítimas do ataque terrorista que a Prefeitura de Nova
York resolveu fazer até uma estátua reproduzindo a cena.
(O objeto vai ser colocado no
bairro do Brooklyn e já sofreu
uma infinidade de críticas pela
derrapada politicamente correta
que algum funcionário público
deu: na hora de comissionar o escultor, o sujeito pediu que os
bombeiros fossem retratados como um branco, um negro e um
hispânico, quando a realidade era
inteiramente caucasiana...)
Seis meses se passaram, e aparece um casal que se diz dono da tal
bandeira mítica. Shirley B. Dreifus e seu marido, Spiros E. Kopelakis, moradores de Manhattan,
estavam com seu iate, o Estrela da
América, ancorado no rio Hudson, exatamente ao lado do
World Trade Center, bem no dia
da queda das torres.
A bandeira que os três bombeiros plantaram no entulho foi arrancada, diz a dupla, da embarcação deles. Não, eles não querem
nenhum dinheiro nem fama nem
glória. Querem apenas que o trio
de soldados assine uma declaração de que a flâmula realmente
veio do Estrela.
Assim, diz o casal descoberto
pelo "New York Times", eles podem doar o objeto para a cidade e
deduzir seu valor do Imposto de
Renda deste ano. Se a prefeitura
não aceitar, então eles querem a
bandeira de volta. Mas qual o valor que eles pretendem declarar?
Aí mora o busílis. Se for mesmo
a bandeira deles, o pano de 1 m
por 1,5 m foi comprado no começo de 2000 por US$ 50. Segundo
especialistas em relíquias, no entanto, pode valer até US$ 100 mil
hoje, principalmente se for parar
num site de leilões virtuais.
A bandeira se encontra atualmente a bordo do porta-aviões
Theodore Roosevelt. Não, sua tripulação não sabe da polêmica.
Miniaturas danificadas
Quem disse que o 11 de setembro não dá dinheiro? Não o russo
radicado em Nova York Constantin Boym, que já desenhou peças
para griffes como a empresa suíça
Swatch, de relógios. É dele o site
www.boym.com/theend. O designer vive há alguns anos da paranóia americana.
Boym criou a série "Lembranças para o Fim do Século". Entre
outras miniaturas, produz e vende a cabana do Unabomber, o
prédio federal de Oklahoma destruído pelo terrorista Timothy
McVeigh e as casas da comunidade radical de Waco (Texas), cujos
membros foram mortos pelo FBI.
O preço único é de US$ 95, e as
peças vendiam bem. Nenhuma
delas, no entanto, superou as duas
mais novas criações do russo.
Boym acrescentou à sua coleção a
réplica dos destroços do World
Trade Center e uma miniatura do
Pentágono com um dos cinco lados devidamente semidestruído.
"Ambos fazem parte da subssérie "Prédios do Desastre'", diz ele,
"e eu dedico parte das vendas ao
Fundo 11 de Setembro." Desde
então, mais de US$ 5,000 ganhos
com a comercialização dos dois
objetos já foram para o fundo, informa o site oficial.
O tour da morte
"Do seu lado direito, você pode
ver parte do lugar onde um dia ficou o World Trade Center. Do seu
lado esquerdo, observe o prédio
onde o então prefeito Rudolph
Giuliani se refugiou quando a primeira torre desabou."
Quem fala é um guia típico de
grandes cidades turísticas. O grupo que o ouve atentamente está
longe de ser pequeno. Na maioria,
turistas americanos que vieram
passar o fim de semana.
Eles estão no mais novo e concorrido roteiro da NYC Vacation
Packages, empresa da Pensilvânia
com filial em Nova York que foi a
primeira a oferecer o chamado
"tour da morte" (chamado pelos
críticos, claro, não pela empresa;
o nome oficial é "Um Passeio pela
Baixa Manhattan").
Além dos pontos citados acima,
para-se ou pelo menos passa-se
pela sede da prefeitura da cidade,
pela igreja St. Paul, pela Bolsa de
Valores de Nova York e pelo
South Sea Seaport, todos locais de
alguma maneira relacionados ao
ataque de 11 de setembro.
"Acho que esse tour e as pessoas
vindo aqui vão trazer de volta o
patriotismo que nós perdemos",
diz uma participante identificada
no site da NYC apenas como
Lynnette W. Faz eco o presidente
do negócio, Barry Tenenbaum:
"A visita ao Ponto Zero homenageia o verdadeiro espírito do nova-iorquino."
Diesel derrubou a torre 7
Foi o conteúdo de um tanque de
diesel que ninguém sabia que ficava por ali, e não o colapso estrutural, como se pensava, que derrubou a torre 7 do complexo do
World Trade Center.
O prédio foi o último a desabar
em 11 de setembro, depois de receber os escombros das duas torres principais e começar a pegar
fogo. Sete horas após a queda do
segundo prédio, a torre 7 cedeu.
Já não tinha mais ninguém no interior, mas era estrategicamente a
construção mais importante.
Abrigava em segredo o escritório central do Serviço Secreto em
Nova York, além do Centro de
Emergência municipal, menina-dos-olhos do ex-prefeito Rudolph
Giuliani, de onde ele planejava comandar a cidade caso uma grande
desgraça como a de 11 de setembro ocorresse.
Foi isso que o derrubou. Para
que tanto o serviço secreto quanto
o centro funcionassem sob quaisquer condições, a torre trazia em
seu andar subterrâneo um tanque
de diesel com capacidade de até
160 mil litros do combustível, que
servia os geradores de emergência
do prédio inteiro via pequenas tubulações.
A localização também era secreta. A descoberta, feita na semana
passada, é de um time de engenheiros da Agência Federal de
Controle de Emergências e da Sociedade Americana de Engenheiros Civis. Sem o depósito semiclandestino, disseram, o prédio
estaria de pé até hoje.
PV, o Partido das Viúvas
Há um novo grupo político em
Nova York, cada vez mais poderoso e influente. Lembra o das argentinas Mães da Praça de Maio,
só que com muito mais dinheiro e
sem o descaso (e em muitos casos
a perseguição) do Estado.
São as Viúvas do World Trade
Center. Ou apenas As Viúvas. Seu
grupo foi formado em Nova York
no calor dos acontecimentos de 11
de setembro, nos dias e nas noites
que se seguiram ao ataque terrorista. Primeiro, elas tiveram de se
juntar para tentar achar os restos
mortais de seus maridos.
Depois, tiveram de se juntar para conseguir receber uma indenização financeira que julgassem
correta. Agora, elas resolveram se
juntar. E ponto. Chegam a mil e
não estão dispostas a ir embora. O
prefeito Michael Bloomberg já designou um membro de seu gabinete só para lidar com elas.
Nada é oficial, claro, mas sempre que preciso elas se agrupam,
trocam telefonemas e decidem
uma ação conjunta. Algumas chegaram a fundar entidades, geralmente ONGs, com sede improvisada na casa de alguma delas e
reuniões periódicas.
É o caso da Associação das Viúvas e dos Familiares 11 de Setembro, presidida por Marian Fontana, viúva de um bombeiro. Sim,
como toda boa agremiação, As
Viúvas já têm suas facções. A mais
forte é justamente a das Viúvas
dos Bombeiros, mulheres dos 343
soldados que morreram nos resgates daqueles dias.
O 11 de Setembro, comandado
pela escritora de 33 anos de sua
cozinha no Brooklyn, tem até site
oficial. Entre seus objetivos, declara o principal: conseguir informações acuradas e um bom canal
de comunicação com a prefeitura
e o Corpo de Bombeiros.
O lema é "Você vai ter voz porque você vai ter o conhecimento".
A dura realidade, no entanto, é involuntariamente revelada na
agenda para a semana: segunda-feira, encontro marcado no equivalente local do Instituto Médico
Legal, para saber se mais algum
corpo foi encontrado nos escombros e se há outra viúva, como
elas, precisando de ajuda.
(SÉRGIO DÁVILA)
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