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ESTRATÉGIA
11 de setembro deu força inédita aos EUA
Unilateralismo enfraquece posição européia e ameaça constituição de uma aliança atlântica
ANDRÉ FONTAINE
DO "LE MONDE"
Uma coisa se torna mais clara a
cada dia: os conspiradores de 11
de setembro pretendiam trazer à
tona a vulnerabilidade dos EUA
aos olhos de todos que se deixam
fascinar por seu poder.
O resultado foi o exato oposto:
os EUA nunca estiveram tão fortes. Seus habitantes, em sua imensa maioria, têm a consciência de
estar sendo ameaçados por um
inimigo comum. Estão decididos
a enfrentar esse inimigo e confiam em seu presidente para conduzi-los nessa guerra. Como resultado, este pode se dar ao luxo
de promover um aumento maciço nos gastos militares, que passaram a superar de longe os de todos os seus aliados juntos.
É verdade que parte dessa mina
de ouro é gasta na manutenção de
uma administração enorme e de
equipamentos ultrapassados.
Mas milhões de dólares financiam armamentos de alta tecnologia que nenhum outro país do
mundo possui.
Tony Blair, que esperava ver o
Reino Unido exercer um papel de
ponte entre os dois lados do
Atlântico, não foi compensado
por seus esforços: quando falou
em "eixo do mal", George W.
Bush ignorou por completo sua
opinião quanto à total ausência de
vínculos entre o Iraque e o terrorismo islâmico. O Irã organizou
um grande desfile antiamericano,
mas, ao mesmo tempo e sem alarde, fechou a representação em
Teerã de um protegido afegão.
Aparentando estar desiludido,
George Robertson, comandante-em-chefe da Otan, previu dificuldades para a organização se os
EUA continuarem a ocupar "o fio
cortante da lâmina, enquanto a
Europa está no lado que sangra"
-se os americanos continuarem
a combater "nos céus", enquanto
os europeus o fazem "na lama".
A verdade cada vez mais evidente é a de que os americanos estão cada vez menos interessados
na aliança atlântica da qual, por
tanto tempo, foram o cérebro, o
motor e o financiador. Na verdade, estão com a cabeça em outro
lugar. Um participante no "Davos
de Nova York" disse que chamou
sua atenção o fato de não ter ouvido uma única vez palavras como
"Rússia", "China" ou "Europa".
Outra coisa que ele observou foi
o que chamou de "retorno do Estado", algo visto também nos debates de Porto Alegre. O fato é que
é preciso ter a crença liberal entranhada na alma para ainda poder
acreditar que a livre ação do mercado será suficiente para acabar
com o que, nesses dois fóruns,
convencionou-se chamar de "disfunção da governança mundial".
O naufrágio da Argentina e o escândalo da empresa Enron, para
citar exemplos mais recentes,
trouxeram à tona essa disfunção.
O "Financial Times" tem plena
consciência disso quando, sob a
assinatura de Martin Wolf, qualifica de "paranóica" a idéia de que
os governos "se prostram diante
do poder desenfreado" dos grandes grupos. Serão eles tão fortes?
O mesmo autor não tem dificuldades para mostrar que, se nos
basearmos no critério do valor
adicionado, apenas duas das economias mais ricas do mundo são
as de grupos em lugar de Estados.
Cabe a estes últimos, portanto,
assumir suas responsabilidades
-gostaríamos muito que nossos
candidatos à Presidência da República deixassem de lado os lugares-comuns para nos dizer como pretendem fazê-lo. E, em especial, já que hoje o poder dos
EUA não tem rival, o que eles pensam fazer para impedir que seja
verdade o que o escritor Upton
Sinclair escreveu já em 1917: "Dizer que o mundo se unifica significa que ele se americaniza".
Está claro que nos escondermos
atrás de uma condição de "exceção cultural" pode apenas adiar as
mudanças. Além do fato de que
um mundo unificado sob o signo
liberal não pode deixar de suscitar
um tédio profundo e perigoso, é
verdade o que já dizia um século
atrás o humorista britânico que se
assinava Lord Acton: o poder tende a corromper.
Há tantos apetites -especialmente o do "complexo militar-industrial"- cercando a Casa
Branca e as diversas instituições
federais americanas, que a única
coisa que podemos tomar como
certa é que os passos destas jamais
serão guiados pelo desinteresse e
pela sabedoria, ou seja, pela virtude, tão cara a Montesquieu.
Que a Europa tenha um papel
considerável a desempenhar em
tudo isso é algo do qual ninguém
deveria duvidar. E podemos prever que o tratamento dado pela
Rússia aos tchetchenos ou pela
China aos muçulmanos de Xinjiang e aos tibetanos limita o entusiasmo desses países ante o estreitamento dos laços entre os três
principais atores da Guerra Fria.
Expressas por este ou aquele
membro da UE, as reações mais
fortes correm o risco de ter pouco
efeito sobre os EUA. Se a Europa
quiser realizar suas aspirações, a
timidez diplomática já deixou de
ser uma opção viável.
Tradução de Clara Allain
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