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VENEZUELA
Presidente diz que, se deixar de fornecer petróleo aos americanos, governos como o brasileiro estenderiam os braços a ele
Chávez usa o Brasil para ameaçar os EUA
Juan Carlos Solorzano - 8.mar.2004/Associated Press
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O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em festa pelo Dia Internacional da Mulher, em Caracas |
LAMIA OUALALOU
DO "LE FIGARO", EM CARACAS
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está no poder há cinco
anos e hoje divide profundamente a população de seu país.
Questionado sobre suas ameaças de cortar o fornecimento de
petróleo aos EUA, maior cliente
do país, por suposto apoio de
Washington à oposição, Chávez
disse que "China, Europa e países
da América Latina, como o Brasil,
nos estendem os braços". Ele negou denúncias de que ordenou
uma repressão brutal das manifestações da oposição na semana
passada e admitiu que, se a oposição conseguir revogar seu mandato, sairá candidato de novo.
Pergunta - A oposição considera
que o CNE [Conselho Nacional Eleitoral] agiu sob pressão quando deixou de validar as assinaturas que
ela tinha recolhido em favor de um
referendo para decidir a sua permanência no poder. Será que esse
referendo ocorrerá?
Hugo Chávez - Na América Latina, a democracia representativa
foi desviada pelas elites, em proveito exclusivo delas. Foi esse fato
que nos levou a introduzir na
Constituição de 1999 a figura do
referendo de revogação. As eleições permitem à população exprimir-se, e o referendo é a garantia
de que ela possa controlar o poder. É uma espada de Dâmocles
para todos os eleitos, os deputados, os prefeitos e o presidente.
Mas a oposição fraudou a coleta
de assinaturas em favor do referendo, incluindo assinaturas de
mortos, de menores de idade e de
estrangeiros. Por esse único motivo, se o CNE fosse um árbitro inflexível, ele já deveria anular o
processo inteiro. Apesar disso,
respeito a decisão do conselho. Se
a oposição de fato tiver reunido os
2,4 milhões de assinaturas necessários, então o referendo será organizado. Mas duvido muito.
Pergunta - Se o referendo ocorrer, e a maioria se pronunciar pela
abreviação de seu mandato, o sr.
deixará a Presidência?
Chávez - Sim, naturalmente.
Mas isso implica que a oposição
consiga mobilizar mais de 3,7 milhões de pessoas para o dia do referendo, sendo que não conseguiu reunir 3 milhões de assinaturas em seu favor em quatro dias
de coleta de assinaturas. Além
disso, exige que ela seja majoritária em relação aos partidários do
""não" -aqueles que querem que
eu permaneça.
Pergunta - Nesse caso, o sr. se retiraria da cena pública? Ou se candidataria à sua própria sucessão?
Chávez - É muito provável que
eu me reapresentasse. A Constituição não proíbe. Não tenho 50
anos nem a intenção de me recolher e redigir minhas memórias.
Pergunta - A oposição o acusa de
ter reprimido as manifestações da
semana passada, deixando um saldo de mortos, feridos e detenções
políticas. O que o sr. responde?
Chávez - Houve detenção de
pessoas pegas em flagrante delito
de violência ou de vandalismo.
Não são presos políticos. Essas
manifestações não tinham nada
de pacífico. Prova disso é que, no
sábado, organizaram uma passeata cujo sucesso sou obrigado a
reconhecer, da qual participaram
muitas pessoas, infinitamente
mais do que nos dias anteriores.
Não houve nem mortos nem feridos nem presos, o que mostra
bem que sua estratégia, na semana passada, era a de provocar violência para dizer ao mundo que
Chávez é um tirano e apelar para
um golpe de Estado. Eles o fizeram em abril de 2002, tentando
me derrubar, e estão recomeçando outra vez.
Pergunta - O sr. pode garantir
que não ocorreu nenhum caso de
abuso da força?
Chávez - A Guarda Nacional e a
Disip [a polícia política preventiva] devem defender a segurança e
a Constituição, não agredir a população. Se houve abusos, posso
garantir que serão investigados.
Em cinco anos, nunca proibi a
menor manifestação nem censurei a mídia de nenhuma maneira.
Mas se, na semana passada, a
mídia -que já promove a desobediência civil- tivesse lançado
um apelo à violência, sendo que já
havia diversos mortos, nós teríamos estado tecnicamente prontos
a cortar as transmissões. A Constituição o permite, em casos de
propaganda de guerra.
Excluindo essa situação extrema, não farei nada contra a liberdade da imprensa. Mas eu também vou participar dessa batalha
na mídia, mesmo que nossos
meios sejam escassos. A oposição
domina as principais emissoras
de rádio e TV e o que ela divulga é
reproduzido pela mídia internacional, como a rede CNN.
Pergunta - O sr. acusa os EUA de
tentarem se livrar do sr, mas há
provas nesse sentido?
Chávez - É claro que sim. Tenho
documentos que comprovam que
os EUA financiaram a oposição e
continuam a financiá-la, através
de uma ONG como a Sumate e de
outras estruturas. E, melhor do
que provas, tenho as próprias declarações de todos os representantes da Casa Branca. Em janeiro, por ocasião da Cúpula das
Américas, em Monterrey, George
W. Bush anunciou claramente em
seu discurso de abertura que continuaria a trabalhar para devolver
a liberdade aos povos da Bolívia,
da Venezuela e do Haiti.
Pergunta - Qual seria a motivação de Bush na Venezuela?
Chávez - O petróleo. É em grande parte a Venezuela que ressuscitou a Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], organizando em Caracas uma cúpula dos seus chefes de Estado, que
não se reuniam havia 25 anos. Resultado: o preço do barril de petróleo, que há cinco anos caiu para seu nível mais baixo -US$
10-, hoje está num nível que
considero justo, US$ 30. É exatamente isso o que os EUA não querem. Antigos conselheiros de
Bush revelaram que, assim que
chegou ao poder, já tinha decidido atacar o Iraque, para garantir o
fornecimento petrolífero vindo
do Oriente Médio. Mas, antes disso, ele quis assegurar o fornecimento vindo da Venezuela, e foi
essa a causa da tentativa de me arrancar do poder em abril de 2002.
Vale notar que uma das primeiras decisões tomadas por Pedro
Carmona, que se autoproclamou
presidente durante os dois dias
que durou o golpe de Estado, foi a
saída da Opep da Venezuela, sob
os aplausos dos EUA e do FMI.
Pergunta - O sr. prometeu durante muito tempo que a Venezuela,
quinto maior exportador mundial
de petróleo, não faria do produto
uma arma política. Agora, porém,
ameaça os EUA com a possibilidade
de não mais lhe fornecer ""uma gota sequer de petróleo".
Chávez - Se Bush fosse louco o
suficiente para tentar desestabilizar a Venezuela uma segunda vez
ou submetê-la a um bloqueio, seríamos obrigados a isso. E, nesse
caso, não teríamos a menor dificuldade em encontrar novos mercados: China, Europa e países da
América Latina, como o Brasil,
nos estendem os braços.
Pergunta - O sr. é o principal crítico da Alca, o projeto dos EUA de
uma zona de livre comércio para o
continente americano. É possível
impedir sua criação?
Chávez - A Alca morreu no dia
em que os países do Caribe, reunidos no Caricom, mas sobretudo o
Brasil e a Argentina, manifestaram, como fez a Venezuela, sua
oposição a um projeto que permitiria que mercadorias e capitais
americanos circulassem a seu bel-prazer, agravando a pobreza em
nosso país. Hoje a Alca é como El
Cid sobre seu cavalo: um cadáver
que galopa para tentar fazer crer
que ainda vive.
Pergunta - Hoje a Venezuela encarna o discurso mais antiliberal da
América Latina.
Chávez - Isso não constitui novidade. Em fevereiro de 1989, enquanto países como a Argentina
descobriam as delícias da globalização, a decisão do governo de
aplicar as receitas do FMI fez a população sair à rua, provocando a
revolta do ""Caracazo", que deixou centenas de mortos. Hoje a
Venezuela passou dos protestos à
proposta de um modelo alternativo ao neoliberalismo. É a revolução bolivariana.
Pergunta - O que é a revolução
bolivariana?
É um modelo humanista que
constata que liberdade sem igualdade não faz sentido. É herdeiro
das reflexões dos heróis da independência, que foram Francisco
de Miranda e Simón Bolívar, e,
também, tira lições dos erros da
esquerda latino-americana nos
anos 60.
Nesse sentido, é um projeto
guevarista e também sandinista.
A revolução bolivariana se fundamenta em cinco grandes eixos.
Politicamente, o objetivo é estabelecer uma democracia popular e
participativa, permitindo concretamente à população tomar seu
destino em suas mãos. Com o que
já acontece nas comunidades, que
dispõem de orçamentos para gerir determinados projetos elas
mesmas, a oligarquia não poderá
mais se impor como fazia antes.
Em segundo lugar, combatemos a dívida social, em especial
nos campos da saúde e da educação, reconhecendo, pela primeira
vez, os direitos dos indígenas. No
plano econômico, trata-se de
substituir o modelo neoliberal e
da receita petrolífera por uma política produtiva e de redistribuição.
O quarto eixo é a organização
do território, sendo que 80% da
população se concentra no norte.
O último eixo é o internacional:
favorecendo a integração latino-americana e nos aproximando da
Europa, queremos dar nossa modesta contribuição para o surgimento de um mundo multipolar.
Tradução de Clara Allain
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