São Paulo, Quarta-feira, 10 de Março de 1999
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ARGENTINA
Candidato da oposição à Presidência defende mudar política de apoio automático a Washington praticada por Menem
De la Rúa rejeita alinhamento com EUA

AUGUSTO GAZIR
da Sucursal de Brasília

O prefeito de Buenos Aires, Fernando de la Rúa, 60, lidera há quase um ano as pesquisas para as eleições presidenciais na Argentina, marcadas para outubro próximo.
Em visita de dois dias ao Brasil, De la Rúa veio não só fazer diplomacia, mas frisar reivindicações sobre o Mercosul e a crise econômica no Brasil, que está afetando a Argentina.
De la Rúa esteve ontem com o presidente Fernando Henrique Cardoso, no Palácio do Planalto. Antes, no Congresso, se reuniu com Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), presidente do Senado.
Ele evitou falar sobre política argentina, mas não deixou de atacar a iniciativa do presidente Carlos Menem de ressuscitar a idéia de concorrer a um terceiro mandato, o que é proibido pela Constituição.
"Isso discutimos em Buenos Aires. No Brasil, só posso dizer que somos contra", afirmou.
Em novembro último, o prefeito, integrante da UCR (União Cívica Radical), venceu na prévia eleitoral da Aliança (bloco opositor ao peronismo de Menem, de centro-esquerda) a deputada Graciela Fernández Meijide, da Frepaso (Frente País Solidário).
Em entrevista à Folha, De la Rúa criticou o alinhamento automático do governo Menem com os EUA, falou sobre as propostas da chamada Terceira Via e detalhou suas idéias sobre o Mercosul. A seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - O governo Menem vem mantendo um alinhamento chamado até de automático com os EUA. Essa política é correta?
De la Rúa -
Não deve haver políticas de alinhamentos automáticos, do mesmo jeito que não concordo com desalinhamentos automáticos. Queremos uma relação madura, construtiva e séria com os EUA, com diferenças ao que tem sido adotado pelo atual governo.
Folha - O que pensa das propostas da chamada Terceira Via, defendidas pelo primeiro-ministro Tony Blair (Reino Unido), que têm o apoio também do presidente brasileiro?
De la Rúa -
Antes de conhecer a definição de Terceira Via, já falávamos na Argentina do novo caminho, que defende compatibilizar o desenvolvimento econômico com o social. Há semelhanças com a Terceira Via, mas cada país dá o seu próprio conteúdo.
Folha - Hoje, no Brasil, há críticas sobre uma eventual submissão do país ao FMI. A Argentina tem acordo mais antigo com o órgão. Qual a sua opinião?
De la Rúa -
O FMI, atualmente, é um qualificador de risco dos países, ao mesmo tempo que provê fundos em caso de necessidade. Não há situação de dependência. Pretendo manter o acordo. Mercados internos sólidos são a melhor defesa contra a volatilidade dos capitais.
Folha - A Aliança lançou um programa de governo em que defende a convertibilidade e outras iniciativas do governo Menem. Quais as diferenças entre as propostas peronista e da oposição?
Fernando de la Rúa -
Nós defendemos a estabilidade e, para isso, vamos manter a convertibilidade (paridade do peso em relação ao dólar). A partir daí, temos de mudar quase tudo em nosso país. Respeitaremos a legalidade jurídica e vamos dar ênfase não aos grandes grupos econômicos, mas às pequenas e médias empresas. O objetivo principal é a criação de empregos, o desenvolvimento das economias regionais e das políticas sociais.
Folha - O programa da Aliança defende a criação de organismos supranacionais para o Mercosul. Como seria isso?
De la Rúa -
O objetivo principal de nossa política exterior é o fortalecimento do Mercosul. Queremos avançar em um maior processo de institucionalização. O bloco necessita disso.
Folha- Poderia dar exemplos?
De la Rúa -
Conversei com o presidente do Supremo Tribunal Federal (Celso de Mello) sobre a importância da criação, por exemplo, de um tribunal permanente de solução de controvérsias, que caminhe gradualmente para um Judiciário do Mercosul. Isso daria mais segurança aos países e aos protagonistas do intercâmbio comercial.
Folha - A moeda única estaria dentro desse espírito?
De la Rúa -
Sim, mas, para alcançá-la, precisamos ainda caminhar muito, avançar mais na institucionalização. Não concordamos com a dolarização proposta pelo presidente Menem.
Folha - O sr. concorda que a Argentina sofre da chamada "Brasil-dependência"?
De la Rúa -
A crise atual no Brasil não causou essa instabilidade...
Folha - Mas já há estimativas de um crescimento negativo também na Argentina.
De la Rúa -
Não é só a crise no Brasil que influi nisso, os prognósticos vêm de antes. Essa crise afeta, sim, vários setores produtivos. Queremos proteger o trabalho. Por intermédio da compreensão e de políticas conjuntas com o Brasil, queremos atenuar os efeitos negativos. Mesmo depois do acerto dos presidentes Menem e Cardoso, podemos conseguir mais com reuniões dos setores envolvidos. É necessário um acompanhamento permanente (da crise) para que não haja efeitos injustos.


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