São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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Italiano Francesco Marchisano, encarregado da segunda missa dos novendiais, relatou experiências pessoais com João Paulo 2º

Cardeal reza por papa como Wojtyla

DO ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Se os vaticanistas estão certos e as pistas para definir o perfil do novo papa surgem principalmente das homilias nas missas fúnebres até o conclave, o primeiro indício diz muito pouco, na medida em que pede, muito previsivelmente, um pontífice igualzinho a João Paulo 2º.
O arcipreste da Basílica de São Pedro, Francesco Marchisano, encarregado da segunda das nove missas solenes que formam o "novendiali" (nove dias, em latim), duração do luto, usou praticamente todo o tempo de seu sermão para relatar experiências "pessoais, muito pessoais" com João Paulo 2º.
Compreensível: Marchisano e Karol Wojtyla tiveram um primeiro encontro em 1962, há 43 anos, portanto, e daí em diante, voltaram a se reunir com notável freqüência.
Por isso, o cardeal terminou a homilia, orando para que seja escolhido "outro papa que siga esta estrada [a do papa morto]". Completou: "Que assim seja".
A catedral, lotada de fiéis, mas principalmente de turistas, mal respondeu "amém", talvez porque boa parte não entendia italiano.
Que estrada trilhou João Paulo 2º, na visão de seu amigo Marchisano? "A de uma infinita humanidade" e a de uma "caminhada conjunta".
Difícil extrair dessas características uma indicação de quem deve ser o próximo papa. Supõe-se que nenhum cardeal seja desumano e que nenhum deles pretenda caminhar sozinho.
Mais difícil ainda é encontrar alguém que tenha o humor de João Paulo 2º, capaz de ironizar a si próprio de uma maneira que parece absolutamente contrária à solenidade que cerca sempre um papa.
Marchisano contou dois episódios muito ilustrativos:
1 - Uma vez, o papa reclamou com ele que não ouvira uma determinada pregação. Marchisano teve que concordar que, de fato, não a ouvira. "Não perdeu nada", devolveu João Paulo 2º.
2 - Marchisano, convidado pelo papa para uma alta função na Cúria, recém-criada (a da Cultura), disse que não estava preparado para ela. João Paulo 2º respondeu: "Eu também não me preparei para papa e eis-me aqui".

Dom Eugênio
O cardeal havia dado uma entrevista ao jornal "La Repubblica", na qual antecipara que falaria da "profunda humanidade" do papa, como de fato o fez, mas acrescentou que enfatizaria também "o seu amor por Cristo e pelo homem, especialmente por aqueles que mais necessidades têm e sofrem mais privações".
Parecia uma menção, ainda que ligeira, ao desejo de ter um novo papa que ponha ênfase em uma Igreja mais voltada para o social.
Não foi assim, a não ser ainda mais tangencialmente: Marchisano de fato enfatizou a humanidade do papa para com os que sofrem, mas usando seu próprio caso. Karol Wojtyla visitou-o, depois de uma operação que deixara Marchisano sem poder usar as cordas vocais.
"Acariciou o local da operação e me disse ao ouvido que o Senhor me devolveria a voz", relatou na homilia, para assinalar o carinho do papa com os que sofrem.
Os "novendiali" estabelecem uma missa por dia, até terminar o luto, sempre as 17h (12h em Brasília), na Basílica de São Paulo. A primeira foi a do enterro do papa, na sexta-feira.
A de quarta-feira será rezada por um cardeal brasileiro, dom Eugênio Salles, ex-arcebispo do Rio de Janeiro, hoje protopresbítero do Colégio cardinalício.
Dom Eugênio, sempre tido no Brasil como o líder da ala dita conservadora da Igreja, já passou da idade (80 anos) para votar no conclave que elegerá o novo papa, mas participa, como todos os demais cardeais, dos encontros da Congregação Geral.
(CLÓVIS ROSSI)

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