São Paulo, quinta-feira, 10 de maio de 2007

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Escassez venezuelana afeta pobres e ricos

Produtos como carne, feijão preto, leite e açúcar são raros nas prateleiras; em alguns casos, é necessário pagar gorjeta

Governo acusa EUA de plano para desestabilizar o país; analistas afirmam que culpa é do rígido tabelamento de preços, que ignora inflação

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Anteontem à tarde, mercado Luvebras, no afluente bairro La Castellana, zona leste da capital venezuelana. Dois funcionários puxam um carrinho carregado de carne em bandejas. Atraem imediatamente a atenção dos clientes, na maioria mulheres de classe média alta.
Sem disfarçar a ansiedade, os clientes se aglomeram em torno dos funcionários e se acotovelam para pegar seus pedaços de carne de boi e de frango da prateleira numa velocidade mais rápida do que a reposição. Alguns avançam diretamente no carrinho, outros levam o quanto conseguem segurar. Em pouco tempo, o balcão refrigerado volta a ficar vazio.
Cinco estações de metrô mais a leste, na populosa região pobre do Petare, a loja do Mercal, a rede de supermercados pública, sofre com a falta de produtos e clientes. Assim como no primo rico, faltam carne, ovos, leite, feijão preto e queijo branco, embora tenha açúcar, limitado a um quilo por cliente.
"Aqui, não se consegue nada há três semanas", diz Willian Quintero, 24, do Petare, ao acompanhar um primo que fazia compras no Mercal. "A cada dia é mais difícil encontrar carne, papel higiênico, leite."
Funcionário do supermercado localizado dentro do centro comercial Los Naranjos, em área nobre da cidade, Quintero mede a escassez pelo volume de trabalho. Nos últimos dias, conta, passou meio período sem fazer nada, já que sua função é abastecer as prateleiras.
Para um cliente conseguir carne no mercado onde trabalha, diz Quintero, é preciso pagar "propina" (gorjeta) para o açougueiro. "Eles vão lá, deixam a lista do que querem junto com um dinheirinho", sorri.

Plano desestabilizador
A falta de produtos alimentícios é uma constante na Venezuela desde o fim do ano passado, mas parece ter piorado na última semana, quando voltou a ter destaque na imprensa local. "Os "super" quase pelados", foi a manchete de sexta-feira no jornal "Últimas Notícias", o de maior circulação do país.
Para porta-vozes do governo Hugo Chávez, no entanto, a falta de produtos tem sido exagerada por um "plano desestabilizador" orquestrado pela oposição com a ajuda dos EUA. O objetivo seria provocar "perturbações da ordem" até dia 26, quando termina a concessão do canal oposicionista RCTV.
"[A escassez] tem a ver com a solidariedade dos monopólios e oligopólios dos alimentos com o fim da concessão da RCTV (...). É a forma como esses setores plantam o terror, a confusão e a angústia para gerar compras nervosas na população", lia-se ontem no "Vea", considerado uma gazeta oficial informal do Palácio Miraflores.
Uma pesquisa recente mostra que o governo Chávez tem razão ao menos quanto ao suposto aumento do problema. "Não houve incrementos no nível de desabastecimento. O que vem ocorrendo é um abastecimento irregular", disse à Folha Luis Vicente León, do instituto Datanálisis, que há seis semanas faz um levantamento em 60 estabelecimentos comerciais da região de Caracas.
Na semana passada, segundo o Datanálisis, os produtos com "escassez grave", termo usado quando há falta em pelo menos 40% dos abastecimentos pesquisados, foram a sardinha em lata, o feijão preto, o açúcar, o leite em pó e carne em geral.
Para León, o número de produtos que apresentam problemas de escassez grave tem sido constante nas últimas seis semanas, embora haja variação de gêneros nas prateleiras.
Mas os motivos para a escassez, diz, são leis econômicas clássicas, e não planos subversivos de Washington.
O analista ressalta que em comum a todos os produtos com problemas há o fato de estarem tabelados pelo governo, que resiste em reajustar apesar da inflação alta -19,4% nos últimos 12 meses. No período, também houve aumento significativo da demanda, impulsionada pelo crescimento econômico de 10% do PIB em 2006.
"Só se aumenta a oferta pelo aumento de produção ou das importações, mas nada disso ocorreu. E não se expande a produção local por causa do controle de preços, do excesso de fiscalização, das acusações de especulação e de retenção de estoques e das ameaças de prisão", afirma Vicente León.


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