São Paulo, Quinta-feira, 10 de Junho de 1999
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OBSTÁCULO
Acerto entre Otan e Iugoslávia sobre retirada quer garantir segurança a refugiados e a sérvios que ficam em Kosovo
Acordo militar visa impedir "vácuo de poder"

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha


A retirada de 40 mil homens do Exército Iugoslavo de Kosovo é uma tarefa complicada por dois motivos básicos, um técnico-militar e um político.
De um lado é preciso retirar as obras de defesa que os sérvios construíram na Província, notadamente os campos de minas. Elas constituem o principal empecilho à movimentação das tropas de paz e dos comboios com alimentos, remédios e outros itens para os refugiados.
E de outro, convém tanto aos iugoslavos como à Otan impedir que surjam "vácuos de poder", territórios onde não exista policiamento que não permita a segurança seja dos refugiados que voltarem, seja dos sérvios que permaneceram ali.
Os dois problemas estão interligados. Um policiamento efetivo depende de boas vias de comunicação. Barreiras nas estradas, arame farpado, minas antitanque e antipessoal tendem a diminuir a movimentação.
Geralmente um Exército bate em retirada quando é derrotado no campo de batalha. A insistência dos sérvios em obter mais dias para sair da Província de Kosovo é em parte uma tentativa de salvar as aparências, já que eles não chegaram a ser expulsos por tropas de terra, mas sim por uma campanha meramente aérea.
Exércitos organizados costumam fazer mapas com a localização dos campos minados, a fim de poder retirar os explosivos depois em tempo de paz.
Em guerras civis, isso não acontece sempre, dada a participação de guerrilheiros e tropas paramilitares, que não tem a mesma disciplina dos batalhões regulares de engenheiros de combate.
Uma retirada "ordenada e em fases", como quer o acordo, inclui o desengajamento das tropas em combate com os guerrilheiros separatistas. Esse pode ser um dos pontos mais delicados.
A Otan precisaria rapidamente ocupar o terreno cedido pelos sérvios para evitar que os kosovares o tomem antes. Mesmo tendo prometido não atacar os sérvios em retirada, a tentação de ocupar uma vila ou um quartel abandonado é grande.
Movimentar 40 mil homens por uma Província que teve suas pontes ferroviárias e rodoviárias destruídas vai ser algo necessariamente demorado.
Tropas, seja retirando seja atacando, precisam de abastecimento constante. Mesmo sem a necessidade de abastecimento de munição, é preciso manter um suprimento de alimentos e combustível e lubrificantes para os veículos.
Para a operação de retirada, Kosovo foi dividida em três zonas. A zona 1 fica ao sul, a de número 2 compreende o centro e a 3 corresponde à região norte da Província.
No primeiro dia da retirada (num prazo máximo de 11 dias), que pode ser hoje, os soldados iugoslavos deixarão a zona 3 (norte) em direção ao interior da Sérvia.
Depois da retirada, algumas tropas sérvias -da ordem de centenas- deverão retornar para auxiliar o dia-a-dia da missão civil internacional, ajudar na detecção e limpeza de minas terrestres, e manter presença junto a locais do patrimônio histórico-cultural sérvio e nos pontos-chave fronteiriços.
Com a entrada de tropas de terra da Otan a chance de algum incidente grave aumenta. Talvez nem tanto de alguma troca de tiros eventual, mas de um acidente nas regiões minadas.
As tropas britânicas serão as primeiras a atuar na Província. Elas devem participar da eliminação de minas terrestres.


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