São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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SEGURANÇA NO MERCOSUL
Governo brasileiro não foi consultado sobre pedido de Menem de associação à aliança militar
Brasil critica opção argentina por Otan

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

O governo brasileiro acha que a vinculação da Argentina à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) introduziria "elementos estranhos no contexto da segurança regional sul-americano", disse o chefe da assessoria de comunicação social do Itamaraty, Luiz Fernando Ligiero.
Segundo ele, o Brasil não foi consultado pela Argentina antes do anúncio formal, anteontem, da intenção daquele país de se tornar "membro associado" da Otan. "Trata-se de decisão do presidente Menem que decorre de prerrogativa soberana da Argentina", afirmou Ligiero.
Diplomatas e militares brasileiros reagiram mal à declaração de Menem. Há virtual consenso entre eles de que a eventual adesão da Argentina à Otan pode inviabilizar o nascente sistema de defesa comum do Mercosul e erode a ONU (Organização das Nações Unidas) como centro de decisões mundiais pós-Guerra Fria.
Além disso, a entrada da Argentina na Otan, que acaba de realizar pesada operação militar nos Bálcãs, pode ser interpretada como contradição com o estabelecimento consolidado de várias zonas de paz na América do Sul.
Os contatos entre Argentina e Otan começaram em 1992, quando o chanceler argentino discursou no Conselho de Representantes Permanentes do Atlântico Norte, em Bruxelas. A Argentina já mandou forças policiais para missões da Otan na Bósnia.
O ministro da Defesa argentino, Jorge Dominguez, em artigo publicado na revista "Nato Review" em maio último, já escrevia como se o país fizesse parte da organização: "A Argentina continuará a servir em sua condição única de parceira da Otan no Atlântico Sul, enfrentando junto com ela os desafios comuns futuros".
A aproximação militar unilateral da Argentina com países de fora da região havia ficado clara desde 1997, quando os EUA anunciaram seu status de "aliado militar íntimo", reservado, fora da Otan, a Israel, Japão, Coréia do Sul, Egito e Jordânia.
A decisão americana, embora tenha implicações basicamente simbólicas, desagradou a vizinhos da Argentina, em especial ao Chile, que, em protesto, interrompeu negociações para comprar aviões militares dos EUA.
Antes, a Argentina havia enviado navios militares para a Guerra do Golfo (1991) e soldados para a ocupação militar do Haiti (1994).
Agora, o país pretende enviar 120 soldados para integrarem as forças de paz em Kosovo.
Essa participação argentina em operações de combate lideradas pelos EUA fazem parte da estratégia de "relações carnais" que o governo Menem resolveu manter com Washington, para incômodo de diversos de seus vizinhos.
Durante a Guerra Fria, prevaleceu na América do Sul a tese diplomática de que o subcontinente deveria se manter distante dos aspectos militares do confronto Leste-Oeste, por mais próximos que seus governos estivessem dos EUA no combate ideológico.
Mas, com a abertura da Otan para países da antiga Cortina de Ferro (expressão que designava a União Soviética e seus aliados do Pacto de Varsóvia), a Argentina se sentiu estimulada a inverter a tradição histórica da região.
Para o ministro da Defesa argentino, seu país tem "excelentes relações" com a Otan, com a qual compartilha "princípios básicos de democracia, respeito aos direitos humanos, liberdades civis e liberdade econômica".


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