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Analistas questionam se Duarte poderá enfrentar interesses enraizados em seu próprio partido, no poder desde 1947
Elite paraguaia pode frustrar moralização
DA REDAÇÃO
Para cumprir sua promessa de
acabar com a corrupção e o contrabando no Paraguai, Nicanor
Duarte Frutos terá de enfrentar os
interesses econômicos dos grupos
que lucram há décadas com a ilegalidade no país, muitos deles estabelecidos dentro da máquina do
Partido Colorado, agremiação à
qual pertence o próprio presidente eleito e que está no poder ininterruptamente desde 1947.
"A principal questão que se coloca é quanta força política Nicanor Duarte terá para implementar
o que está prometendo. Porque,
para combater a corrupção e o
contrabando, ele terá de enfrentar
os interesses econômicos de gente
muito poderosa e de grupos políticos muito poderosos", afirma o
analista político Tomás Palau, do
centro de pesquisas Base, de Assunção.
O setor dos cigarros é considerado emblemático dos problemas
que Nicanor Duarte terá de enfrentar para cumprir suas promessas. Existem hoje no Paraguai
ao menos 29 fábricas de cigarros
-a maioria delas instaladas perto
da fronteira com o Brasil. Essas fábricas produzem 87 bilhões de cigarros ao ano, contra um consumo interno estimado em apenas 3
bilhões de cigarros ao ano.
A maior parte dessa produção
acaba desviada para os países vizinhos. Anualmente entram no
Brasil 46 bilhões de cigarros ilegais provenientes do Paraguai
(para um mercado legal de 97 bilhões de cigarros anuais), acarretando em uma perda fiscal estimada em R$ 1,4 bilhão.
A força política dos falsificadores e contrabandistas de cigarros é
considerada um dos fatores que
impedem a aprovação, pelo Congresso paraguaio, de um convênio de cooperação com o Brasil,
assinado em setembro de 2000.
Em troca de incentivos para
empresas brasileiras se instalarem
no Paraguai, o convênio prevê,
entre outras coisas, ações conjuntas de fiscalização contra a falsificação de marcas brasileiras de cigarro no Paraguai.
Figuras importantes
Entre os principais acusados de
falsificar e contrabandear cigarros
para o Brasil estão figuras importantes dentro do Partido Colorado, como Reinerio Santacruz,
candidato derrotado ao governo
do Departamento de Alto Paraná
(cuja capital é Ciudad del Este), e
Oswaldo Domínguez Dibb, conhecido como ODD, presidente
do clube de futebol Olímpia.
Domínguez é acusado, entre
outras coisas, de falsificar os selos
brasileiros de recolhimento de IPI
(Imposto sobre Produtos Industrializados) para os maços de cigarro e de produzir no Paraguai
cigarros de marcas registradas
brasileiras. Ele nega as acusações.
ODD foi um dos principais
apoiadores da candidatura de
Duarte à Presidência, após perder
para ele a indicação do Partido
Colorado à vaga. Um dia após a
eleição presidencial, em abril, enquanto Duarte dava uma entrevista à Folha em sua casa, em Assunção, o filho de ODD, Julio Osvaldo Domínguez, eleito senador,
o esperava numa sala ao lado com
um grupo de congressistas.
Durante essa mesma entrevista,
Duarte disse, ao ser questionado
sobre sua relação com ODD, que
não era "babá de ninguém" e que,
"enquanto uma pessoa não estiver condenada, presume-se sua
inocência".
"Para a sorte de Nicanor Duarte, Reinerio Santacruz perdeu a
eleição para governador, o que lhe
permite trabalhar com menos
pressão", diz o cientista político
José Nicolás Morinigo, senador
recém-eleito pelo partido opositor País Solidário (centro-esquerda). "Para realizar uma cirurgia
profunda como a que ele promete, Duarte terá de fazê-la nos seus
primeiros cem dias de governo,
antes que a estrutura da burocracia estatal se acomode", diz.
Para os analistas, as indicações
que Duarte vem dando na formação de sua equipe de governo são
positivas. Dois postos-chave, como o Ministério da Fazenda e a
Direção Nacional de Aduanas, foram dados a pessoas que não pertencem ao Partido Colorado.
Além disso, ele vem buscando
apoio dos partidos de oposição
para um "governo de união nacional", em parte por não contar
com uma maioria própria na Câmara dos Deputados e no Senado.
Na última semana, ele prometeu ainda uma devassa nas Forças
Armadas e na Polícia Nacional.
"Há setores da Polícia e das Forças Armadas que operam como
grupos delinquentes", disse
Duarte. "Vamos depurar os quadros [das corporações]", afirmou.
"Se conseguir vencer os obstáculos e cumprir o que está prometendo, Duarte será o primeiro
presidente paraguaio a combater
efetivamente o contrabando e a
corrupção", afirma Palau. "Alfredo Stroessner [ditador entre 1954
e 1989] tinha um certo controle
sobre o contrabando, por ser um
governo despótico. Os que vieram
depois também não combateram
o problema, pelo contrário. Foram propiciadores do contrabando e só fizeram aumentar a corrupção."
(ROGERIO WASSERMANN)
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