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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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CLIMA

Aquecimento do planeta melhora as safras e a qualidade do produto em regiões de temperaturas historicamente baixas

Calor global é bom, ao menos para o vinho

ERIC ASIMOV
DO ""NEW YORK TIMES"

O aquecimento global é uma perspectiva assustadora que provoca visões de marés altas engolindo cidades à beira-mar, além de outros cataclismos. Mas, para os vitivinicultores, especialmente os das regiões viticultoras de clima historicamente frio, as mudanças climáticas já exercem efeito marcante sobre suas vidas e seus vinhos.
""O aquecimento tem sido ótimo, não há dúvida alguma", disse Johannes Selbach, de Zeltingen, na Alemanha, onde sua família cultiva vinhas desde o século 17 às margens do rio Mosel. ""Veja só a sequência de ótimas safras que tivemos. Desde 1988 até este ano, o clima tem sido bem mais quente do que em qualquer outro momento em minha vida. Todo mundo comenta isso por aqui."
Em todas as regiões onde os viticultores historicamente torceram para ter calor suficiente para liberar o açúcar contido nas uvas e permitir que elas amadurecessem, os últimos dez anos parecem ter trazido céu azul.
Na Alemanha, a sequência de safras boas e ótimas desde 1988 é inusitada, como disse Selbach. A região do Piemonte, no noroeste da Itália, teve ótimas safras todos os anos de 1995 a 2001. No Oregon, a sequência de safras excelentes começou em 1998.
Na Champanhe, onde antigamente os engarrafamentos de safras únicas eram exceção, algo feito apenas nos melhores anos, as safras ótimas foram declaradas nove vezes entre 1990 e 1999, contra seis nos anos 80 e quatro na década de 70. Esse aumento pode ter ocorrido em parte devido aos preços mais altos que os produtores da região podem pedir por garrafas de boa safra; as safras de uvas maiores e mais maduras podem ter inflamado a cobiça dos produtores.
Cientistas e políticos ainda discutem as razões do aquecimento global, mas ninguém discorda que ele esteja acontecendo lentamente. Para os vinicultores, porém, o que já aconteceu é algo que beira o milagroso. Nos vinhedos das montanhas do Piemonte, Barolo e Barbaresco, os produtores reservam suas melhores encostas voltadas ao sul -aquelas em que a neve derrete primeiro- para os vinhos ""nebbiolo", para que as uvas possam absorver cada partícula de luz solar em sua batalha anual para amadurecer.
Historicamente, cada ano era uma aposta de resultados imprevisíveis. Talvez o tempo esquentasse o suficiente, talvez não chovesse. Mas, após alguns anos abaixo da média no início da década de 90, 1995 foi um ano ótimo e 1996 foi ainda melhor. A mesma coisa se repetiu em 1997, 1998 e assim por diante, até 2001. Ninguém no Piemonte se recordava de qualquer coisa comparável.
Para o célebre vinicultor Angelo Gaja, está claro que foi o clima que propiciou as grandes safras e os ótimos vinhos. ""Desde 1996 a primavera tem começado cerca de 20 dias antes do tempo", disse ele em entrevista no início do ano. ""Passamos a iniciar a colheita no final de setembro, em vez de no final de outubro, como fazíamos nos anos 70 e 80. A influência do clima e da luz era diferente, e é por isso que se tem a impressão de todo um sabor que não tínhamos no passado."
Mas, mesmo nestes tempos aparentemente encantados, nenhum agricultor pode dar o tempo como algo garantido e certo. O sol de hoje não representa um seguro contra um possível desastre amanhã. Em 2002, uma chuva de granizo no final do verão devastou as uvas da região de Barolo.

Risco para o "vinho de gelo"
"O clima é o que você espera; o tempo é o que você vê", disse Robert Pincus, cientista do Centro de Diagnósticos Climáticos da Universidade do Colorado, em Boulder. ""É uma questão estatística. Os vitivinicultores estão acostumados às mudanças no tempo. Mas ninguém está acostumado às mudanças climáticas."
Pincus, também amante dos vinhos, reconhece que a vinicultura está apresentando bons resultados nas regiões mais frias aquecidas pelas mudanças climáticas, mas prevê perigo em regiões onde a produção de vinho está vinculada ao clima atual.
Ele previu que o ""vinho de gelo" alemão e o ""gruner veltliner" austríaco, ambos os quais dependem do clima mais frio, podem tornar-se mais difíceis de produzir.
Em entrevista, Pincus especulou que os vinicultores em todo o mundo podem vir a ser obrigados a descartar seus métodos seculares para adotar outros, novos. ""Com as mudanças no clima, os vinhos de Cote Rotie, por exemplo, podem ser ótimos, mas serão diferentes", disse ele. ""Aquilo que os vinicultores aprenderam sobre a produção de Cote Rotie ao longo de sete gerações pode não lhes servir para o futuro."
Embora as mudanças climáticas ainda não tenham sido tão radicais, os vitivinicultores já estão adaptando seus métodos à realidade nova e mais quente.
Odilon de Varine, vinicultor da casa Henriot Champagne, em Reims, disse que os vinicultores já não rezam para que as uvas amadureçam, mas para que não amadureçam demais. A champanhe boa requer um alto grau de acidez. À medida que o teor de açúcar das uvas maduras aumenta, a acidez cai.
""Se as uvas amadurecerem demais, o que teremos não será champanhe", disse De Varine.
Embora seja tentador citar apenas o clima, outros fatores também têm levado à melhora dos vinhos. Na Champanhe, técnicas melhoradas salvaram a safra de Veuve Clicquot 1995 de ficar mofada, contou o vinicultor Frederic Panaiotis.
Às margens do Mosel, na Alemanha, os vinhos vêm mudando apenas para melhor. Mesmo assim, está ficando mais difícil produzir os vinhos de gelo alemães, nos quais as uvas são deixadas nas vinhas até a chegada de uma geada. Se a geada não chega a tempo, as uvas podem apodrecer. ""Ainda temos geadas", disse o produtor Ernst Loosen, ""mas elas acontecem por apenas dois ou três dias, no máximo, de modo que nesses dias precisamos agir rápido."


Tradução de Clara Allain


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