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CLIMA
Aquecimento do planeta melhora as safras e a qualidade do produto em regiões de temperaturas historicamente baixas
Calor global é bom, ao menos para o vinho
ERIC ASIMOV
DO ""NEW YORK TIMES"
O aquecimento global é uma
perspectiva assustadora que provoca visões de marés altas engolindo cidades à beira-mar, além
de outros cataclismos. Mas, para
os vitivinicultores, especialmente
os das regiões viticultoras de clima historicamente frio, as mudanças climáticas já exercem efeito marcante sobre suas vidas e
seus vinhos.
""O aquecimento tem sido ótimo, não há dúvida alguma", disse
Johannes Selbach, de Zeltingen,
na Alemanha, onde sua família
cultiva vinhas desde o século 17 às
margens do rio Mosel. ""Veja só a
sequência de ótimas safras que tivemos. Desde 1988 até este ano, o
clima tem sido bem mais quente
do que em qualquer outro momento em minha vida. Todo
mundo comenta isso por aqui."
Em todas as regiões onde os viticultores historicamente torceram
para ter calor suficiente para liberar o açúcar contido nas uvas e
permitir que elas amadurecessem, os últimos dez anos parecem
ter trazido céu azul.
Na Alemanha, a sequência de
safras boas e ótimas desde 1988 é
inusitada, como disse Selbach. A
região do Piemonte, no noroeste
da Itália, teve ótimas safras todos
os anos de 1995 a 2001. No Oregon, a sequência de safras excelentes começou em 1998.
Na Champanhe, onde antigamente os engarrafamentos de safras únicas eram exceção, algo feito apenas nos melhores anos, as
safras ótimas foram declaradas
nove vezes entre 1990 e 1999, contra seis nos anos 80 e quatro na
década de 70. Esse aumento pode
ter ocorrido em parte devido aos
preços mais altos que os produtores da região podem pedir por
garrafas de boa safra; as safras de
uvas maiores e mais maduras podem ter inflamado a cobiça dos
produtores.
Cientistas e políticos ainda discutem as razões do aquecimento
global, mas ninguém discorda
que ele esteja acontecendo lentamente. Para os vinicultores, porém, o que já aconteceu é algo que
beira o milagroso. Nos vinhedos
das montanhas do Piemonte, Barolo e Barbaresco, os produtores
reservam suas melhores encostas
voltadas ao sul -aquelas em que
a neve derrete primeiro- para os
vinhos ""nebbiolo", para que as
uvas possam absorver cada partícula de luz solar em sua batalha
anual para amadurecer.
Historicamente, cada ano era
uma aposta de resultados imprevisíveis. Talvez o tempo esquentasse o suficiente, talvez não chovesse. Mas, após alguns anos abaixo da média no início da década
de 90, 1995 foi um ano ótimo e
1996 foi ainda melhor. A mesma
coisa se repetiu em 1997, 1998 e assim por diante, até 2001. Ninguém
no Piemonte se recordava de
qualquer coisa comparável.
Para o célebre vinicultor Angelo
Gaja, está claro que foi o clima que
propiciou as grandes safras e os
ótimos vinhos. ""Desde 1996 a primavera tem começado cerca de
20 dias antes do tempo", disse ele
em entrevista no início do ano.
""Passamos a iniciar a colheita no
final de setembro, em vez de no final de outubro, como fazíamos
nos anos 70 e 80. A influência do
clima e da luz era diferente, e é por
isso que se tem a impressão de todo um sabor que não tínhamos
no passado."
Mas, mesmo nestes tempos
aparentemente encantados, nenhum agricultor pode dar o tempo como algo garantido e certo. O
sol de hoje não representa um seguro contra um possível desastre
amanhã. Em 2002, uma chuva de
granizo no final do verão devastou as uvas da região de Barolo.
Risco para o "vinho de gelo"
"O clima é o que você espera; o
tempo é o que você vê", disse Robert Pincus, cientista do Centro
de Diagnósticos Climáticos da
Universidade do Colorado, em
Boulder. ""É uma questão estatística. Os vitivinicultores estão acostumados às mudanças no tempo.
Mas ninguém está acostumado às
mudanças climáticas."
Pincus, também amante dos vinhos, reconhece que a vinicultura
está apresentando bons resultados nas regiões mais frias aquecidas pelas mudanças climáticas,
mas prevê perigo em regiões onde
a produção de vinho está vinculada ao clima atual.
Ele previu que o ""vinho de gelo"
alemão e o ""gruner veltliner" austríaco, ambos os quais dependem
do clima mais frio, podem tornar-se mais difíceis de produzir.
Em entrevista, Pincus especulou que os vinicultores em todo o
mundo podem vir a ser obrigados
a descartar seus métodos seculares para adotar outros, novos.
""Com as mudanças no clima, os
vinhos de Cote Rotie, por exemplo, podem ser ótimos, mas serão
diferentes", disse ele. ""Aquilo que
os vinicultores aprenderam sobre
a produção de Cote Rotie ao longo de sete gerações pode não lhes
servir para o futuro."
Embora as mudanças climáticas
ainda não tenham sido tão radicais, os vitivinicultores já estão
adaptando seus métodos à realidade nova e mais quente.
Odilon de Varine, vinicultor da
casa Henriot Champagne, em
Reims, disse que os vinicultores já
não rezam para que as uvas amadureçam, mas para que não amadureçam demais. A champanhe
boa requer um alto grau de acidez. À medida que o teor de açúcar das uvas maduras aumenta, a
acidez cai.
""Se as uvas amadurecerem demais, o que teremos não será
champanhe", disse De Varine.
Embora seja tentador citar apenas o clima, outros fatores também têm levado à melhora dos vinhos. Na Champanhe, técnicas
melhoradas salvaram a safra de
Veuve Clicquot 1995 de ficar mofada, contou o vinicultor Frederic
Panaiotis.
Às margens do Mosel, na Alemanha, os vinhos vêm mudando
apenas para melhor. Mesmo assim, está ficando mais difícil produzir os vinhos de gelo alemães,
nos quais as uvas são deixadas nas
vinhas até a chegada de uma geada. Se a geada não chega a tempo,
as uvas podem apodrecer. ""Ainda
temos geadas", disse o produtor
Ernst Loosen, ""mas elas acontecem por apenas dois ou três dias,
no máximo, de modo que nesses
dias precisamos agir rápido."
Tradução de Clara Allain
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