São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 2002

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Um ano depois, Ponto Zero parece hidrelétrica

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Um ano depois, o Ponto Zero, como ficou conhecida a área que abrigava o World Trade Center, virou um buraco gigante, 64 mil metros quadrados de área por 20 metros de profundidade, que lembra visualmente uma hidrelétrica, sem a água e com iluminação de estádio de futebol.
As paredes gigantescas de concreto em volta compõem o clima de desolação e de obra pública abandonada. Onde não há parede estão os restos dos seis andares subterrâneos do complexo.
Passada a cerca de metal protegida por um pano verde que impede a visão dos 35 mil turistas diários, porém, dá para perceber que, 360 dias depois, a atividade ainda não parou. Três guindastes ainda tiram alguma terra e entulho. Uma rampa liga o epicentro ao "mundo real" daqui de cima. Homens com capacetes colocam trilhos de trem no chão.
Claro, não são mais os 3.000 trabalhadores que chegaram a dar expediente no auge do resgate e da limpeza, mas entre 300 e 400 pessoas, que agora reconstroem o caminho do trem que ligava Nova York a Nova Jersey em um túnel por baixo do rio Hudson.
Em julho, a Prefeitura de Nova York "devolveu" o terreno à Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey, os proprietários originais. É o órgão que cuida de tudo agora, até que se decida o que deve ser feito do local.
Enquanto isso, quem manda na região é o falante Peter Rinaldi, 53, cujo cargo oficial é "gerente-geral da área do WTC". Nova-iorquino do Bronx, ele estava de férias numa praia da Carolina do Norte quando tudo aconteceu.
Veio para Nova York na noite do dia 11 e não parou de trabalhar até agora. Morava no subúrbio, mas achou por bem dar o exemplo e, com mulher e malas, mudou-se para um dos conjuntos residenciais do Battery Park, com vista para o Ponto Zero.
Diz que é a prova viva de que o trabalho ali não faz mal à saúde, diferentemente do que afirmam dezenas de bombeiros que desenvolveram doença nos pulmões e pensam em processar o governo. Se o Ponto Zero fosse uma cidade, Rinaldi seria seu prefeito, com toda a demagogia e diplomacia que vêm embutidas no cargo.
Indagado sobre o que faz mais falta para ele no complexo de prédios além dos 20 amigos que perdeu, o engenheiro responde: "Meu escritório no 72º andar da Torre Sul, onde trabalhei por 28 anos". Pensa mais um pouco. "E a vista dele". E o que ele vai fazer amanhã? "Estarei numa praia da Carolina do Norte, sem telefone, completando aquelas férias."
Lá fora, na cidade ao redor desta cidade, tenta-se voltar ao normal. Por exemplo: também aqui a prefeitura manda "maquiar" a paisagem em eventos públicos. Assim, os camelôs e ambulantes que há pelo menos dez meses ganham a vida vendendo lembranças relacionadas ao ataque foram gentilmente "convidados" a se retirar.
Sumiram, pelo menos temporariamente, fotos explícitas do dia do desastre (US$ 10 cada, em média), réplicas das torres em globos de plásticos que "nevam" quando virados de ponta-cabeça (US$ 5 a unidade) e pedaços "autênticos" dos edifícios, tamanhos variados.
Para obter esse último item, devidamente escondido sob a barraca do vendedor, o comprador tem de fazer todo um gestual, que envolve uma piscadela e menção a "outros artigos mais interessantes". Uma pedra, aparentemente igual a qualquer outra, pode sair por até US$ 50. Sim, garante o nigeriano (eles são maioria na área), era parte de uma das torres.
Dos prédios que ficam em volta do Ponto Zero apenas três permanecem fechados. O principal é o do Deutsche Bank, um dos mais atingidos. O banco alemão não parece muito animado a retomar a atividade por ali. As más lembranças ainda estão próximas.
Tão próximas que, há alguns dias, funcionários da equipe que trabalha no Ponto Zero foram fazer uma última limpeza nos prédios da redondeza, entre eles o Deutsche.
Foi ali que encontraram três ossos humanos do tamanho de gravetos. Acharam também o osso pélvico de uma mulher no topo de um prédio. Um ano depois, ainda não se sabe quem era.


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