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Um ano depois, Ponto Zero parece hidrelétrica
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Um ano depois, o Ponto Zero,
como ficou conhecida a área que
abrigava o World Trade Center,
virou um buraco gigante, 64 mil
metros quadrados de área por 20
metros de profundidade, que
lembra visualmente uma hidrelétrica, sem a água e com iluminação de estádio de futebol.
As paredes gigantescas de concreto em volta compõem o clima
de desolação e de obra pública
abandonada. Onde não há parede
estão os restos dos seis andares
subterrâneos do complexo.
Passada a cerca de metal protegida por um pano verde que impede a visão dos 35 mil turistas
diários, porém, dá para perceber
que, 360 dias depois, a atividade
ainda não parou. Três guindastes
ainda tiram alguma terra e entulho. Uma rampa liga o epicentro
ao "mundo real" daqui de cima.
Homens com capacetes colocam
trilhos de trem no chão.
Claro, não são mais os 3.000 trabalhadores que chegaram a dar
expediente no auge do resgate e
da limpeza, mas entre 300 e 400
pessoas, que agora reconstroem o
caminho do trem que ligava Nova
York a Nova Jersey em um túnel
por baixo do rio Hudson.
Em julho, a Prefeitura de Nova
York "devolveu" o terreno à Autoridade Portuária de Nova York
e Nova Jersey, os proprietários
originais. É o órgão que cuida de
tudo agora, até que se decida o
que deve ser feito do local.
Enquanto isso, quem manda na
região é o falante Peter Rinaldi, 53,
cujo cargo oficial é "gerente-geral
da área do WTC". Nova-iorquino
do Bronx, ele estava de férias numa praia da Carolina do Norte
quando tudo aconteceu.
Veio para Nova York na noite
do dia 11 e não parou de trabalhar
até agora. Morava no subúrbio,
mas achou por bem dar o exemplo e, com mulher e malas, mudou-se para um dos conjuntos residenciais do Battery Park, com
vista para o Ponto Zero.
Diz que é a prova viva de que o
trabalho ali não faz mal à saúde,
diferentemente do que afirmam
dezenas de bombeiros que desenvolveram doença nos pulmões e
pensam em processar o governo.
Se o Ponto Zero fosse uma cidade,
Rinaldi seria seu prefeito, com toda a demagogia e diplomacia que
vêm embutidas no cargo.
Indagado sobre o que faz mais
falta para ele no complexo de prédios além dos 20 amigos que perdeu, o engenheiro responde:
"Meu escritório no 72º andar da
Torre Sul, onde trabalhei por 28
anos". Pensa mais um pouco. "E a
vista dele". E o que ele vai fazer
amanhã? "Estarei numa praia da
Carolina do Norte, sem telefone,
completando aquelas férias."
Lá fora, na cidade ao redor desta
cidade, tenta-se voltar ao normal.
Por exemplo: também aqui a prefeitura manda "maquiar" a paisagem em eventos públicos. Assim,
os camelôs e ambulantes que há
pelo menos dez meses ganham a
vida vendendo lembranças relacionadas ao ataque foram gentilmente "convidados" a se retirar.
Sumiram, pelo menos temporariamente, fotos explícitas do dia
do desastre (US$ 10 cada, em média), réplicas das torres em globos
de plásticos que "nevam" quando
virados de ponta-cabeça (US$ 5 a
unidade) e pedaços "autênticos"
dos edifícios, tamanhos variados.
Para obter esse último item, devidamente escondido sob a barraca do vendedor, o comprador tem
de fazer todo um gestual, que envolve uma piscadela e menção a
"outros artigos mais interessantes". Uma pedra, aparentemente
igual a qualquer outra, pode sair
por até US$ 50. Sim, garante o nigeriano (eles são maioria na área),
era parte de uma das torres.
Dos prédios que ficam em volta
do Ponto Zero apenas três permanecem fechados. O principal é o
do Deutsche Bank, um dos mais
atingidos. O banco alemão não
parece muito animado a retomar
a atividade por ali. As más lembranças ainda estão próximas.
Tão próximas que, há alguns
dias, funcionários da equipe que
trabalha no Ponto Zero foram fazer uma última limpeza nos prédios da redondeza, entre eles o Deutsche.
Foi ali que encontraram três ossos humanos do tamanho de gravetos. Acharam também o osso pélvico de uma mulher no topo de um prédio. Um ano depois, ainda
não se sabe quem era.
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