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Iraque explicita limites da política
externa de Washington pós-ataques
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
O 11 de Setembro provocou
uma drástica reorientação da estratégia de segurança nacional da
administração de George W.
Bush, que passou a privilegiar o
combate ao terrorismo e a luta
contra a proliferação das armas
de destruição em massa.
Após a deposição do Taleban
afegão, que apoiava a rede terrorista Al Qaeda, de Osama bin Laden -responsável pelos atentados-, esse fenômeno teve fortes
consequências sobre a política externa americana e deu origem à
Doutrina Bush, o conjunto de
princípios e de métodos defendidos por Washington para proteger os EUA de ataques terroristas
e consolidar sua hegemonia.
Ela parte do pressuposto de que
cabe aos EUA (a única superpotência global) proteger o mundo
civilizado dos grupos terroristas.
Assim, ela autoriza o lançamento
de ataques preventivos a Estados
que poderiam lhes fornecer armas de destruição em massa.
Foi, portanto, essa Doutrina
Bush que, mesmo sem a anuência
formal da ONU, permitiu a invasão do Iraque para depor o ex-ditador Saddam Hussein. Este, de
acordo com Washington e com
Londres, possuía armas de destruição em massa e poderia utilizá-las, direta ou indiretamente,
contra os interesses ocidentais.
Todavia, ante o caos que reina
no Iraque hoje e a forte oposição
de aliados tradicionais dos EUA,
como a França e a Alemanha, a essa política, Washington não poderá continuar a aplicá-la indiscriminadamente, segundo analistas consultados pela Folha.
"Não concordo com os meios
utilizados na aplicação da nova
estratégia de segurança nacional.
Seus objetivos são corretos, contudo seus métodos não são sensatos. Bush tem sido muito unilateral e não dá atenção suficiente ao
peso do "soft power" americano [a
força de um país que advém de
sua influência cultural e ideológica sobre o restante do planeta]",
analisou Joseph Nye, reitor da
Kennedy School of Government
da Universidade Harvard (EUA).
"A excessiva confiança de Washington em seu "hard power" [o
uso de instrumentos militares e
econômicos para coagir outros
atores políticos, econômicos ou
sociais a fazer o que eles não querem] poderá revelar-se perigosa.
Assim, creio que Bush e seus assessores enxerguem longe no que
se refere a seus fins, mas sejam
míopes no que diz respeito aos
meios que empregam."
Ademais, o unilateralismo americano pós-11 de Setembro gerou
uma reação negativa de boa parte
da comunidade internacional.
Washington acabou se afastando
de alguns de seus aliados europeus e enfraquecendo entidades
multilaterais, sobretudo a ONU.
Todavia isso não seria suficiente
para alterar esse quadro. Foi preciso o fracasso inicial do projeto
iraquiano (sem mencionar a situação do Afeganistão) para que
os formuladores das políticas
americanas mudassem de atitude.
"Duas alas preponderantes na
concepção da atual política externa dos EUA estão em péssima situação hoje. Os conservadores
tradicionais, como [Donald]
Rumsfeld [secretário da Defesa] e
[Dick] Cheney [vice-presidente],
e os neoconservadores, como
[Paul] Wolfowitz [subsecretário
da Defesa]", avaliou Ivo Daalder,
do Instituto Brookings (EUA).
"Elas têm muito em comum,
porém não são iguais. Os conservadores queriam depor Saddam,
pôr um pouco de ordem no Iraque e passar seu governo aos iraquianos, como no Afeganistão.
Os neoconservadores criam na
possibilidade de democratização.
O momento político lhes deu uma
vitória efêmera, mas a realidade
os compeliu a aceitar mudanças."
É irrefutável que, nas últimas semanas, ambas as alas conservadoras perderam força para o Departamento de Estado, de Colin
Powell, um secretário bem mais
multilateralista que Rumsfeld.
Com isso, a contragosto, os
EUA se viram obrigados a solicitar a ajuda da ONU na reconstrução do Iraque. Seu custo elevado e
o significativo número de mortes
entre os soldados americanos tiveram grande influência na decisão de Washington, contudo a
verdade é que o pós-guerra imaginado pelo Pentágono fracassou.
Isso serviu para explicitar os limites do unilateralismo americano e da Doutrina Bush. Logo, para
Eric Fassin, especialista em EUA
da Escola Normal Superior (Paris), é "a hegemonia do país no século 21 que está em jogo".
"Os EUA estão enfraquecidos,
mas tudo dependerá do modo como eles agirão agora. Se derem
um verdadeiro papel à ONU no
Iraque, talvez venham a admitir
as falhas da Doutrina Bush. Paradoxalmente, isso os favoreceria a
longo prazo. Se não o fizerem, deverão pôr em risco sua aliança
com a Europa", apontou Fassin.
Os dias que antecedem a Assembléia Geral da ONU, cujos debates começam em 23 de setembro, serão decisivos nesse sentido.
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