São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005

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GUERRA SEM LIMITES

Depoimentos recém-divulgados mostram que ordens não chegaram a todos; urgência era desconhecida

Bombeiros do 11/9 ignoravam risco que corriam

JIM DWYER
MICHELLE O'DONNELL

DO "NEW YORK TIMES"

Entre a queda da Torre Sul e a da Torre Norte, os bombeiros de Nova York tinham 29 minutos para sair do World Trade Center. Quem não o fizesse, morreria.
Dentro da Torre Norte, no entanto, quase nenhum bombeiro percebeu a urgência da situação. Não faziam idéia de que a Torre Sul acabara de ruir. Tampouco de que seus comandantes, na rua, e pilotos de helicópteros, no céu, tentavam dizer-lhes que a queda do prédio onde estavam era certa.
Até o mês passado, a dimensão do isolamento em que se encontravam esses bombeiros era um segredo. A situação veio à tona quando a Justiça mandou divulgar os depoimentos daqueles que atuaram no 11 de Setembro.
Os relatos trazem uma versão muito mais sombria do que aquela apresentada pelo prefeito Michael Bloomberg e por seu antecessor, Rudolph Giuliani.
Os dois disseram que muitos dos bombeiros na Torre Norte sabiam o risco que corriam, mas ficaram no prédio pelos civis. Eles não citaram um detalhe repetido à exaustão nos depoimentos: que os bombeiros "não tinham noção" da realidade, não podiam ver o que acontecia fora da torre.
Mesmo depois de a Torre Sul cair, quando havia poucos civis nos andares mais baixos da Torre Norte, filas e filas de bombeiros descansavam no lobby e no 19º andar enquanto o tempo se esvaía. Embora não haja dado oficial sobre onde estavam os 343 bombeiros que morreram nos trabalhos de resgate, o exame dos depoimentos, dos relatórios federais e dos documentos de agências oficiais sugerem que cerca de 200 perderam a vida na Torre Norte ou a seus pés.
Dos 58 que escaparam e relataram sua experiência, só quatro sabiam que a Torre Sul havia caído antes de deixar o prédio. Só três receberam alertas pelo rádio de que a Torre Norte estava condenada. E parte dos que ouviram as ordens para esvaziar o prédio ainda não sabe se elas eram para eles.
"Nem no meu sonho mais louco imaginei essas torres caindo", disse o bombeiro David Sandvik.

Falhas

Na Torre Norte, a queda da Torre Sul foi ouvida, mas não foi vista; foi sentida, mas não compreendida. As escadarias não tinham janelas. O sinal dos rádios ia e vinha. Poucos sabiam que um avião atingira o outro prédio.
Embora o fato de os bombeiros terem adiado sua saída para salvar os civis seja endossado pelos relatos, ele perde a força como explicação para tantas mortes.
Os depoimentos não trazem, no entanto, explicação clara para o isolamento dos bombeiros no prédio -se foi por problemas no sistema de comunicação por rádio, falhas na estrutura do Corpo de Bombeiros ou perda do controle por parte dos comandantes. Alguns dizem ter recebido ordens pelo rádio para deixar o prédio, outros descrevem com palavrões o equipamento. Ainda assim, os relatos preenchem lacunas.
Da rua, o chefe do Corpo de Bombeiros, Peter Ganci, disse duas vezes para seus homens deixarem a Torre Norte, segundo Albert Turi, mas não se sabe se alguém lá dentro o ouviu. Nem mesmo Turi, a metros de distância, pôde ouvir a ordem no rádio.
Ainda assim, em dado momento, a ordem chegou ao 27º andar, onde vários bombeiros descansavam, incluindo Michael Wernick. "Eu sabia que, naquele momento, não havia urgência em deixar o prédio", disse ele. O entrevistador pergunta: "Você acha que alguém a sua volta tinha noção de que o outro prédio caíra?". Wernick responde: "Não". Três pessoas disseram ter visto cerca de cem bombeiros descansando no 19º minutos antes de o prédio cair.
Falando abruptamente, sem a aura mística que tomou boa parte do que foi relatado sobre o 11 de Setembro, alguns bombeiros se indagaram por que foram enviados para extinguir um fogo difícil de domar a 300 metros do chão.
"Acho que, se o prédio tivesse caída uma hora depois, teríamos uns mil bombeiros aqui", disse Timothy Marmion. "Se caísse três horas depois, seríamos 10 mil bombeiros nesses prédios."
Se os prédios não tivessem caído, os bombeiros, carregados de equipamentos, levariam quatro horas para chegar aos pisos mais altos. "Somos tão vítimas quanto todos naquele prédio", disse o bombeiro Derek Brogan. "Não tivemos nem chance de apagar o fogo, que era tudo que estávamos tentando fazer."


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