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"Vencedor do Nobel quer ser um mártir"
Jornalista chinesa Lijia Zhang diz que Liu Xiabobo, premiado anteontem, é "irrelevante" para cidadãos do país
Ex-operária e ativista por liberdade, ela diz que o movimento por democracia na China hoje está "lastimável"
IZABELA MOI
DE SÃO PAULO
Colaboradora de jornais
de língua inglesa como os
norte-americanos "New York
Times" e "Washington Post"
e o britânico "Guardian", a
jornalista Lijia Zhang, 46,
tem se tornado ao longo dos
anos espécie de porta-voz não oficial dos chineses.
Vivendo em Pequim desde
1993, onde montou seu escritório de colaboração, é também apresentadora de um
programa de entrevistas da
TV a cabo Blue Ocean -grade inteiramente dedicada à
China, mas dirigida com exclusividade aos telespectadores norte-americanos.
A jornalista veio ao Brasil
no mês passado lançar seu livro "A Garota da Fábrica de
Mísseis - Memórias de Uma
Operária da Nova China"
(Reler), onde relata os dez
anos em que trabalhou em
uma fábrica de armamentos
em Nanquim, no sul da China, na década de 1980.
Ela organizou, em 1989, a maior manifestação de trabalhadores em apoio ao movimento estudantil, que pedia democracia.
Naquele mesmo ano, os protestos culminaram com a morte de mais de 3.000 pessoas pelas Forças Armadas
chinesas, na praça da Paz Celestial, em Pequim.
Patriótica ("auto-declarar-se um dissidente é um problema"), Lijia Zhang acredita
que é o desenvolvimento lento e gradual das liberdades
individuais que vai "empurrar as grades da gaiola até a democracia".
Para a jornalista, sua missão é justamente essa, complexa: "ser uma ponte de
compreensão e diálogo entre
a China e o resto do mundo".
De seu apartamento em
Pequim, ela disse à Folha
que o recém-premiado Nobel
da Paz Liu Xiaobo é uma figura controversa, que "quer se
tornar um mártir", mas que o
governo fez uma "bobagem"
ao enviá-lo para a prisão.
Leia a seguir os principais
trechos da conversa.
Folha - Você esperava que o
prêmio Nobel da Paz fosse
dado ao dissidente chinês Liu
Xiaobo?
Lijia Zhang - Eu fiquei um
pouco surpresa, mesmo que
soubesse que ele era um dos
mais fortes candidatos ao
Nobel. Não tenho certeza se
ele merece o prêmio.
É claro que admiro suas
ações. E não acho que deveria estar preso.
Nós precisamos de pessoas como ele, mas Liu Xiaobo é irrelevante para o cotidiano das pessoas comuns
em nosso país.
Apenas poucos chineses
sabem quem ele é. Ele não
conseguiu constituir uma
força, um poder que possa
contrabalançar o poder do
governo chinês.
O movimento democrático
está num estado lastimável
atualmente. Além do mais,
pessoalmente, não acredito
que seus métodos, seu ativismo, sejam os mais eficazes.
Existem muitas outras
pessoas que trabalham de
dentro do sistema para mudá-lo positivamente.
Mas a notícia da premiação
chegou à população chinesa?
Muito pouco.
E qual sua opinião sobre a
reação do governo de seu
país?
O porta-voz do Ministério
das Relações Exteriores considerou a premiação "um insulto". [A jornalista não respondeu se concordava ou
não com a posição.]
Você acredita que o prêmio
vá mudar alguma coisa no
sistema chinês, internamente, ou sua relações externas?
Para o bem ou para pior?
Acho que não. Se mudar,
será muito pouco.
Segundo o discurso do comitê norueguês do Nobel, a China tornar-se mais importante
no jogo da comunidade internacional significa também
que ela se torna mais visível.
Portanto, é mais permeável
às opiniões e considerações
do resto do mundo.
Qual sua opinião sobre esse
depoimento dos responsáveis pelo prêmio?
Eu concordo e acho que a
China deverá aprender a como se comportar como uma
"grande nação" e aceitar que
outros países têm valores e
padrões diferentes dos dela.
Acredito que a crítica é importante, mas também é importante enxergar o progresso do país, que nos últimos
anos levou grande parte da
população chinesa a ter uma
vida melhor e com mais liberdade individual.
Líderes do governo chinês foram à Grécia nesta semana
oferecer um "resgate financeiro" quando nenhum outro
país, nem da própria União
Europeia, estava disposto a
fazê-lo. Aceita-se o dinheiro
sem críticas nesse momento?
Quer falar sobre isso?
O poder econômico sempre vem ao lado de influência
política. A China tem se mostrado mais objetiva em suas
posições internacionais. Espero que o governo chinês
saiba usar esse poder com sabedoria.
Qual sua opinião pessoal sobre Liu Xiaobo, seu ativismo e
sua sentença de prisão?
Não o conheço pessoalmente. A primeira vez que
ouvi seu nome foi quando ele
emitiu uma opinião muito
crítica -para mim, exageradamente acima do tom- sobre a cena literária chinesa
dos anos 1980.
Isso foi antes de 1989. Liu
Xiaobo, em minha opinião, é
um radical. Entre os chineses, ele é uma figura controversa. E essa é a sua imagem
mesmo para a comunidade
de dissidentes. Alguns acreditam que ele queira apenas
se tornar um mártir.
Outros, talvez mais radicais do que ele [que acham
que a democracia só virá com
o fim do regime de partido
único], o acusam de negociar
e acreditar em mudanças que
mantenham o poder do partido comunista.
De qualquer maneira,
acho uma besteira o governo
tê-lo enviado para a prisão, e
acredito firmemente que ele
sairá muito antes de os 11
anos se completarem.
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