São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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"Não vejo problemas em eliminar terroristas"

DE WASHINGTON

Autor de dois best-sellers que abordam tentativas fracassadas da CIA de assassinar inimigos ao redor do mundo, o especialista americano em inteligência Jeffrey T. Richelson defende a operação que matou supostos membros da Al Qaeda no Iêmen. Segundo ele, assassinatos não se confundem com a "eliminação seletiva" de inimigos em tempos de guerra. Richelson escreveu "Os Magos de Langley" e "A Comunidade da Inteligência Americana". (MA)

Folha - O ataque a seis supostos terroristas no Iêmen abre uma nova fase nas atividades da CIA?
Jeffrey Richelson -
Não. Mesmo antes de 11 de setembro, já havia dentro do governo uma distinção entre assassinar e matar de forma seletiva ("targeted killing"). Existe uma ordem executiva da Casa Branca que proíbe assassinatos. Isso não impede os EUA - e nenhum outro país- de eliminar inimigos em tempos de guerra.

Folha - Qual é a diferença entre assassinar um oponente e "eliminar" um oponente?
Richelson -
A linha divisória é a existência ou não de uma guerra. É essa a interpretação legal corrente das últimas quatro administrações americanas. Um exemplo: se os EUA tivessem matado Saddam Hussein durante a Guerra do Golfo, isso não constituiria um assassinato. Mas teria ocorrido um assassinato se o tivessem matado depois da guerra. A recente operação no Iêmen ocorre no contexto da guerra dos EUA contra a Al Qaeda e contra o terrorismo.

Folha - A Al Qaeda está em 72 países, segundo o Departamento de Estado. A guerra contra o terror não acaba com um simples acordo de paz. Pode ser que dure para sempre. Seria correto supor que os EUA abriram precedente para eliminar inimigos em quaisquer desses países, por prazo indefinido?
Richelson -
Na guerra contra o terror, os alvos devem ser pessoas consideradas líderes da Al Qaeda. Não deve ser um cheque em branco autorizando os EUA a matar quem quiser, onde quiser.

Folha - O sr. acha viável os EUA assassinarem um suspeito de terrorismo na região da tríplice fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina)?
Richelson -
Há países nos quais os EUA confiam e onde as autoridades policiais e serviços de inteligência funcionam. Não acho que os EUA queiram produzir cadáveres nas ruas de Paris ou de São Paulo. Os EUA recorrerão a isso, em última análise, em países onde é muito difícil prender essas pessoas, onde não há governo, onde os Estados falham.

Folha - Mas há um governo constituído no Iêmen...
Richelson -
Há governos constituídos em todos os lugares. Mas isso não significa que sejam legítimos, eficazes ou simpáticos à guerra contra o terrorismo.

Folha - Qual é a diferença entre a operação da CIA no Iêmen e os ataques de Israel contra supostos líderes terroristas palestinos?
Richelson -
Nenhuma. É por isso que defendo o fim dessa resolução banindo os assassinatos. Ela acaba conduzindo para um jogo semântico de definir assassinatos e a eliminação seletiva de inimigos. Há hipocrisia por parte dos EUA quando Colin Powell e outros criticam Israel por fazer o mesmo que foi feito no Iêmen. Não vejo problemas em eliminar terroristas que explodem civis.

Folha - Seu último livro, "Os Magos de Langley", define como um fracasso a política de assassinatos dos EUA nas décadas de 50 e 60. O sr. diz que a CIA agiu como "uma gangue que não atira direito".
Richelson -
Apesar de todos os esforços, nunca conseguimos matar ninguém nesse período. Fidel Castro é a prova viva de nosso fracasso. A CIA tentou matá-lo com toxinas de crustáceos administradas por meio de agulhas, bactérias em forma líquida, charutos e lenços tratados com bactérias e até um sobretudo coberto com substância tóxica. Nada funcionou.


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