|
Próximo Texto | Índice
Poder popular desafia governo em Oaxaca
Na mais grave crise social mexicana desde Chiapas, governador recorre à repressão e rebeldes rechaçam sua autoridade
Repressão a professores em greve detonou rebelião popular; governo federal demora a agir no segundo Estado mais pobre do país
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A OAXACA
A cidade mexicana de Oaxaca
viveu sem governador, sem
prefeito, sem Justiça e sem polícia por quase seis meses. Até o
final de outubro, quase 10 mil
manifestantes ocuparam prédios públicos e emissoras de rádio, além de acamparem nas
principais praças da cidade colonial, capital do Estado homônimo, no sul do país.
Hoje há poucos vestígios da
ocupação, que começou com
uma greve de professores em
maio e culminou em um levante rebelde. Blindados e centenas de policiais federais estão
acampados em Oaxaca (pronuncia-se "oarraca"). Dormindo sob tendas de plástico e comendo na calçada, os policiais
ocupam o mesmo espaço antes
dominado pelos rebeldes.
A calma é aparente. Nenhum
dos dois lados do conflito dá sinal de querer dialogar.
De um lado, a Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), que congrega movimentos
indígenas, grupos guerrilheiros, organizações stalinistas,
associações feministas e estudantis, exige a renúncia do governador do Estado de Oaxaca,
Ulises Ruiz, e anuncia que pretende refundar o Estado.
Do outro está o governador
Ruiz, que sumiu por quase seis
meses da cidade ocupada e agora, encorajado pela maciça presença policial, promove uma
autêntica caça às bruxas contra
os líderes da insurreição.
Mais de 200 integrantes da
APPO foram presos nas últimas duas semanas, sob acusação de vandalismo e porte de
armas. Ruiz diz que não pretende renunciar e que é contrário a
conceder anistia aos rebeldes.
"Teremos rebeliões periódicas enquanto tivermos tanta
miséria", diz o artista plástico
Francisco Toledo, maior personalidade de Oaxaca, que lidera
campanha pelo diálogo (leia
sua entrevista nesta página).
Indiferença
Para hoje, está marcada uma
grande passeata em Oaxaca,
convocada pela APPO e por organismos de direitos humanos,
que pode ter mais violência -
no ultimo dia 25 um confronto
terminou com 20 prédios públicos incendiados.
No meio dos dois lados em
guerra, paira a indiferença do
governo nacional. O ex-presidente Vicente Fox passou quase um semestre sem intervir,
até mandar as tropas federais.
O recém-empossado Felipe
Calderón até agora não se pronunciou sobre o conflito -nem
em relação às violações de direitos humanos cometidas pelas autoridades locais.
A crise de Oaxaca é reveladora do autoritarismo, clientelismo e da cooptação de movimentos populares que marcaram os 71 anos no poder do Partido Revolucionário Institucional (PRI), findos em 2000 com
a eleição de Fox -práticas que
a jovem democracia mexicana
ainda não conseguiu extinguir.
E também revela o estado
miserável do sul do México.
Enquanto os grandes investimentos são direcionados para o
norte, para ficar mais próximos
do mercado norte-americano,
o sul indígena vive sob a mesma
miséria dos anos da Revolução
de Zapata e Pancho Villa.
Além de Chiapas
Muito depois da Revolução
Mexicana (1910-17) e desafiando a ordem do PRI, o Estado de
Chiapas assistiu a um levante
popular em 1994, promovido
pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN).
Liderado pelo carismático
Subcomandante Marcos, o movimento chamou atenção para
a miséria indígena em tempos
que o país assinava o tratado de
livre comércio com os EUA, o
Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte).
Oaxaca quer ir mais longe.
"Marcos trabalhou com um só
tema e para um só setor, o movimento indígena; ele não conseguiu atrair outros movimentos sociais. A APPO é mais plural e tem um projeto político de
esquerda para governar o Estado", disse à Folha o professor
Gustavo Adolfo López, um dos
dirigentes da congregação de
manifestantes.
Formada por 215 líderes, representando mais de 300 movimentos sociais, a APPO não
tem a hierarquia do EZLN ou
um líder articulado como o
Subcomandante Marcos.
Oaxaca é o Estado com maior
população indígena do México
-metade dos indígenas do país
vive no Estado, onde um terço
da população é formado por
eles. Há 16 etnias diferentes.
Por conta de outros levantes,
a lei oaxaquenha deu mais poder aos indígenas. Desde 1996,
417 dos 570 municípios do Estado de Oaxaca são governados
por "usos e costumes", seguindo a tradição dos índios.
"Chiapas foi pioneiro, mas
Oaxaca tem hoje uma experiência de poder popular única
no país", diz a antropóloga
Margarita Dalton, da Universidade Benito Juárez. "Apesar de
a miséria persistir, hoje os pobres são bem mais conscientes", observa.
Próximo Texto: Garcia negociará com oposição boliviana Índice
|