São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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CALIFÓRNIA

Apesar de quebrar promessas de campanha, ex-ator mantém popularidade e recebe elogios até da oposição

Carisma move o governo Schwarzenegger

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

Com menos de dois meses como governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger já descumpriu promessas feitas antes da eleição, já voltou atrás de decisões tomadas e nem sequer preencheu todos os cargos do governo. Em resumo, não conseguiu se distanciar muito da "política habitual" contra a qual baseou toda a sua campanha. Nem por isso seu prestígio sofreu qualquer abalo. Ao contrário, de políticos oposicionistas até imprensa e população, a maioria parece estar encantada com o novo líder.
A eleição de Schwarzenegger deve-se em grande parte ao fracasso do governo anterior, do democrata Gray Davis, cuja administração foi incapaz de lidar com graves crises econômica e energética. Na última terça-feira, ao fazer o seu primeiro discurso sobre o "estado do Estado", Schwarzenegger exibiu um tom otimista: "Eu não lutei por este cargo para cortar, mas para construir".
Anteontem, porém, ao apresentar a sua proposta de orçamento para o Estado, o que se viu foi uma sucessão de cortes para enfrentar um déficit estimado em US$ 14 bilhões. "É difícil. É doloroso. É a única maneira, porque não temos dinheiro", disse em entrevista coletiva.
Algumas das medidas adotadas no início do governo provocaram passeatas de minorias. Um dos protestos que enfrentou foi em decorrência do anúncio da sua disposição de cortar cerca de US$ 280 milhões de programas para deficientes. Diante da inesperada resistência, voltou atrás.
Schwarzenegger prometeu na campanha que contrataria investigadores para apurar as acusações de que teria assediado sexualmente diversas mulheres. Após tomar posse, disse que não mais faria isso pois precisava se concentrar na crise orçamentária.

Vinho e charutos
À frente do Executivo, no entanto, Schwarzenegger vem demostrando uma grande habilidade política. No mês passado, conseguiu uma importante vitória ao fechar um acordo para a emissão de títulos públicos no valor de US$ 15 bilhões, destinados a impedir que o governo fique sem dinheiro em caixa a partir de junho.
Schwarzenegger chamou um grupo de parlamentares democratas e republicanos e depois de longas negociações, entre charutos e vinho, conseguiu o compromisso. Um deputado chegou a dizer que o governador tinha mais determinação e poder de persuasão do que um vendedor.
Os deputados saíram do encontro derramando elogios e contando que, além de política, conversaram sobre cinema. Também tiraram fotos e ganharam charutos que traziam um selo com o nome de Schwarzenegger.
Ao mesmo tempo em que busca criar amizades com os parlamentares -é capaz de chamar um deputado de primeiro mandato para tomar uma cervejinha e convida outros para viajar em seu jato particular-, o governador também coloca pressão sobre o Legislativo. Schwarzenegger adotou a filosofia de "campanha perpétua" e viaja pelo Estado fazendo comícios em busca de apoio para suas iniciativas. Não raro faz críticas aos legisladores no palanque.
O governador ainda emite sinais de que, se não encontrar apoio na Assembléia e no Senado do Estado, poderá atropelar as Casas, fazendo com que suas propostas sejam adotadas através de referendos populares.
Até agora, Schwarzenegger não enfrenta resistências do Legislativo, mas a diretora do Instituto para o Estudo de Política e Mídia da Universidade Estadual da Califórnia em Sacramento, Barbara O'Connor, tem dúvidas se essa estratégia pode durar muito: "Ele precisa ter cuidado quanto a dizer uma coisa para os parlamentares e depois ir aos distritos deles e fazer um discurso com críticas a eles antes das votações. O tempo dirá se ele vai continuar assim".
Schwarzenegger não se encaixa no figurino republicano típico. Muitas de suas opiniões são mais próximas às dos democratas: ele é a favor do aborto e do controle de armas e tem simpatia pela proteção ao ambiente. "Está ficando claro que ele é mais moderado do que muitos membros da sua equipe", diz a senadora estadual democrata Dede Alpert.
Alguns dos textos publicados sobre Schwarzenegger na mídia americana remetem, pela semelhança das descrições sobre seu carisma, a ninguém menos do que o ex-presidente Bill Clinton, considerado um mestre da arte política pela maneira íntima e informal que trata seus interlocutores. Schwarzenegger às vezes conversa com deputados com as roupas que acabou de usar em uma sessão de malhação.
O ex-Mister Universo, 56, não abandonou a rotina de exercícios e passou a frequentar, com a companhia de seguranças, uma academia a quatro quadras da sede do governo. "Ele é uma pessoa bastante sociável, fala com todos e já interrompeu o que estava fazendo para ajudar outros nos seus exercícios", diz Rick Leonard, diretor do Capitol Athletic Club.
Até agora, pelo menos, toda essa simpatia está sendo capaz de deixar em segundo plano o descompasso entre o candidato Schwarzenegger e o governador Schwarzenegger. "As pesquisas de opinião estão sendo bastante favoráveis a ele. Não se deve esquecer que, já há algum tempo, existe um ódio muito grande aos políticos", afirma O'Connor.
Michael Levine, um dos mais renomados relações-públicas de Hollywood -por seu escritório já passaram clientes como Michael Jackson, Demi Moore e Barbra Streisand-, acredita que o prestígio atual de Schwarzenegger se deva a duas coisas: "Uma é que ele é bastante carismático. A outra é que ele está substituindo um governador tão ruim que ele, por comparação, parece ótimo".
Muitos cínicos poderiam dizer que, se Schwarzenegger conseguiu se transformar num dos maiores nomes de Hollywood mesmo sendo um mau ator, não será exatamente uma novidade se ele vencer em sua nova carreira à custa da sua popularidade.
A senadora oposicionista Alpert discorda dessa visão e adverte aqueles que tratam como piada a nova aventura do "último grande herói": "Ele está fazendo um trabalho bastante razoável até aqui. Ele é bastante inteligente e tem um charme muito grande. As pessoas deveriam ter um pouco de cautela ao subestimar o governador Schwarzenegger".



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