São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

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Venezuelano roubará cena na cúpula do Rio

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O governo brasileiro pode dizer, como manda a praxe diplomática, que a nova ofensiva retórica e prática do presidente Hugo Chávez rumo ao "socialismo do século 21" é assunto interno venezuelano.
Falso. Chávez acabará por, de novo, roubar a cena de seu colega e amigo Luiz Inácio Lula da Silva, durante a Cúpula do Mercosul, marcada para o Rio de Janeiro, no fim da próxima semana. Não confundir, no entanto, roubar a cena com roubar a liderança de Lula na América Latina, confusão comum na mídia internacional.
A liderança regional é inescapavelmente do Brasil, seja qual for o presidente, pelo tamanho do país, de sua economia e de sua população. No máximo, esse dado da realidade pode ficar ofuscado, quando há um presidente inapetente em política externa, o que está muito longe de ser o caso de Lula.

Holofotes
Chávez rouba o palco de Lula sob dois aspectos: primeiro, o dos holofotes. É escandalosamente claro que um governante que se atreve a falar em socialismo, quando a expressão parecia relegada à lata de lixo da história desde a queda do Muro do Berlim, é mais notícia do que todos os presidentes, como Lula, que apenas repetem o convencional.
Segundo, rouba a idolatria dos movimentos de esquerda e da multifacetada constelação de grupos sociais que defendem a idéia de que "outro mundo é possível" e está prestes a se reunir de novo no Fórum Social Mundial, desta vez no Quênia.
A propósito: enquanto o Fórum Social monta acampamento no Quênia, Lula estará em Davos, para o encontro anual do Fórum Econômico Mundial, sempre tomado como o exemplo acabado do mundo que o FSM rejeita.
Nesse terreno, Chávez já derrubou Lula há algum tempo. Em maio passado, antes da Cúpula União Européia-América Latina/Caribe, houve a tradicional contra-cúpula, que convidou o presidente venezuelano (e também Evo Morales, então recém-eleito na Bolívia), mas não chamou Lula.
"Lula não faz uma política econômica que seja considerada progressista", disse à Folha, na ocasião, Alexandra Strickner, uma das lideranças das ONGs que estão na linha de frente do Fórum Social.
O que ajuda Chávez a roubar a cena na cúpula do Rio é a agenda do encontro, que na verdade serão duas cúpulas em uma. Numa delas, será retomado o debate em torno da institucionalização da Casa (Comunidade Sul-Americana de Nações), proposta originalmente lançada no governo Fernando Henrique Cardoso e reforçada consideravelmente no de Lula.
Trata-se de formar um conglomerado com todos os países da América do Sul, inclusive duas das Guianas (a terceira é francesa).
A discussão no Rio retomará o debate interrompido em dezembro em Cochabamba (Bolívia), porque o texto sobre a institucionalidade da Casa, elaborado por uma comissão pomposamente batizada de Comissão de Reflexão de Alto Nível, acabou chegando aos presidentes de forma burocrática.

Petrodólares
Chávez tem se queixado, justamente, do parco dinamismo das reuniões de cúpula, motivo de resto de choques verbais virtualmente públicos com Lula em mais de uma ocasião.
O segundo tema principal da cúpula (o Mercosul propriamente dito) estará centrado no debate de como superar o que o jargão diplomático batiza de "assimetrias" no bloco (as enormes diferenças entre os sócios mais ricos, Brasil e Argentina, e os dois mais pobres, Uruguai e Paraguai).
Lula deu ordens terminantes para que se estabeleça tratamento privilegiado aos dois sócios menores, em todos os aspectos (financiamentos, comércio, desburocratização das importações).
O problema é que Chávez, mais que promessas ou intenções, já despejou uma pilha considerável de petrodólares nos países mais pobres da região, em especial na Bolívia, e até na relativamente rica Argentina, da qual comprou títulos. Tem portanto mais a exibir do que Lula em uma cúpula que deveria marcar a transferência da presidência temporária do Mercosul do Brasil para o Paraguai, mas acabará marcada pelo espetáculo em torno do "socialismo do século 21".


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