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São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2003

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ANÁLISE

Duas décadas de poderio americano chegam ao auge


[Desde os anos 80], tropas dos EUA já mergulharam em ação militar em grande escala em três continentes. De modo geral, elas têm conseguido alcançar seus objetivos."


R.W. APPLE
DO "NEW YORK TIMES"

A queda da autoridade governamental em Bagdá, dramatizada pela derrubada de uma estátua colossal de Saddam Hussein, constitui o marco mais alto da nova determinação norte-americana de usar o poderio militar do país para projetar seu poder por todo o mundo.
O ressurgimento começou em 1981, com a administração Reagan, que tomou posse quando a humilhação da crise dos reféns no Irã ocupava grande espaço na psique nacional. Essa crise se tornara símbolo da abordagem menos contundente à política externa adotada pelo presidente Jimmy Carter, contra o qual Ronald Reagan montou sua campanha justamente com a promessa de reconstruir o setor militar e adotar uma política agressiva.
Desde então, tropas dos EUA já mergulharam em ação militar em grande escala em três continentes, usando armas cada vez mais sofisticadas e variedade de táticas. De modo geral, embora nem sempre, elas têm conseguido alcançar seus objetivos em pouco tempo.
As intervenções americanas não têm acontecido de forma automática; Washington não fez muito para interromper os massacres em Ruanda e no Burundi, por exemplo. Em várias ocasiões os EUA demoraram demais para entrar em ação, como quando tentaram não se envolver na Bósnia, em 95. Em alguns casos, a intervenção fracassou, como aconteceu na Somália em 93. Na maioria das vezes, porém, tem dado certo, como em Granada (83), no Panamá (89) e no Kuait (91).
Sob três presidentes republicanos e um democrata, a norma tem sido uma presença americana ativa no mundo.
Mas projetar força não é sinônimo de fazer amigos e aumentar segurança nacional. É possível que os EUA nunca tenham sido tão malvistos quanto hoje entre os países islâmicos ou que possuam minorias islâmicas intranquilas. A estima pelos EUA diminuiu em boa parte da Europa.
Essa guerra, alianças dos americanos com governos árabes vistos como corruptos ou tirânicos por suas próprias populações, o apoio dado pelos EUA a Israel e a indiferença com que se considera que os EUA tratam a causa palestina, isso tudo se somou para macular a imagem dos EUA, principalmente no Oriente Médio.
O triunfo no Iraque, se o país inteiro tomar o rumo iniciado em Basra e Bagdá, marcará a segunda vitória americana sucessiva importante, depois do Afeganistão. Mas o êxito nesse país foi incompleto, como aconteceu na Guerra do Golfo; o líder terrorista Osama bin Laden aparentemente permanece em liberdade, no Afeganistão ou em outro lugar, como aconteceu com Saddam depois que o avanço da coalizão da Guerra do Golfo foi interrompido antes de chegar ao coração do Iraque.
O paradeiro atual de Saddam é desconhecido, e a coalizão até agora não encontrou prova conclusiva da existência de armas químicas ou biológicas no Iraque.
É muito possível que uma vitória abrangente e total seja coisa do passado, exceto em conflitos muito pequenos.
O secretário de Estado americano, Donald Rumsfeld, sugeriu anteontem que uma vitória no Iraque teria o potencial de remodelar o futuro da região, "levando a democracia a países que nunca a conheceram". Isso sem dúvida reduziria as perspectivas de outro ataque terrorista como o de 11 de setembro de 2001 -uma das razões subjacentes da guerra atual.
Por outro lado, a possível intensificação do ressentimento islâmico e árabe, até se transformar em ódio, pode fomentar o terrorismo em lugar de combatê-lo. Muita coisa vai depender de como se desenrolará o futuro do Iraque e se, como disse o ex-secretário britânico do Exterior lorde Owen, os acontecimentos desta primavera levarem a "um rearranjo real da mobília diplomática no Oriente Médio" e a avanços para a criação de um Estado palestino.
A equação também será afetada pelo que Washington fará a seguir. Os falcões na administração Bush já começam a sugerir que uma mudança no governo da Síria poderia ser o próximo ponto na agenda, e o ex-diretor da CIA James Woolsey disse que os combates no Iraque são apenas o primeiro episódio da 4ª Guerra Mundial (a terceira teria sido a Guerra Fria).
O presidente sírio, Bashar Al Assad, afirmou: "Não vamos aguardar para nos tornarmos o próximo alvo da coalizão".
A vitória no Iraque encorajará os que advogam que os EUA ataquem outros países que suspeitam auxiliar terroristas. Mas Bush, que em 2004 enfrentará uma campanha eleitoral com a reconstrução do Iraque ainda incompleta, talvez hesite em deixar o tigre avançar demais na selva, por medo de que possa se perder.
O espetáculo fascinante que se desenrolou anteontem numa das principais praças de Bagdá recebeu diferentes interpretações em diferentes países. Muitos americanos traçaram um paralelo entre o que viram e a queda do Muro de Berlim e o colapso dos Estados comunistas.
Nos canais de TV árabes, porém, os comentaristas deram grande ênfase ao fato de que não foram iraquianos, e sim fuzileiros navais americanos, que de fato derrubaram a grande estátua.
A pergunta central, formulada repetidas vezes, ainda não foi inteiramente respondida: como a maioria dos iraquianos irá enxergar a presença das tropas americanas em seu meio -as tropas que, pelo menos por algum tempo, terão de manter a ordem, prender saqueadores e impedir os assassinatos por vingança? Serão vistas como libertadoras ou como invasoras?
Por menos que gostassem do governo de Saddam Hussein, por mais gratos que possam estar por sua aparente derrota, muitos iraquianos repudiam a política norte-americana em relação ao Oriente Médio tanto quando outros muçulmanos.
Continua a existir o perigo de que Bagdá ou o Iraque inteiro possa cair numa "espiral descendente de violência", como avisou na CNN Joseph C. Wilson, que foi vice-chefe de missão no Iraque imediatamente antes da Guerra no Golfo.
De alguma maneira -com a distribuição de ajuda, por meio de uma centena de decisões sábias e um milhar de gestos generosos- os Estados Unidos precisam conseguir mudar a opinião dos iraquianos a seu respeito nos próximos meses.
As cabeças mais experientes de Washington estão apostando que esse será um trabalho mais longo e mais difícil do que a campanha militar que agora se aproxima do seu fim.


Tradução Clara Allain


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