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ANÁLISE
Duas décadas de poderio americano chegam ao auge
[Desde os anos 80], tropas dos EUA já mergulharam em ação militar em grande escala em três continentes. De modo geral, elas têm conseguido alcançar seus objetivos."
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R.W. APPLE
DO "NEW YORK TIMES"
A queda da autoridade governamental em Bagdá, dramatizada pela derrubada de uma
estátua colossal de Saddam Hussein, constitui o marco mais alto
da nova determinação norte-americana de usar o poderio militar do país para projetar seu poder por todo o mundo.
O ressurgimento começou em
1981, com a administração Reagan, que tomou posse quando a
humilhação da crise dos reféns no
Irã ocupava grande espaço na psique nacional. Essa crise se tornara
símbolo da abordagem menos
contundente à política externa
adotada pelo presidente Jimmy
Carter, contra o qual Ronald Reagan montou sua campanha justamente com a promessa de reconstruir o setor militar e adotar uma
política agressiva.
Desde então, tropas dos EUA já
mergulharam em ação militar em
grande escala em três continentes,
usando armas cada vez mais sofisticadas e variedade de táticas.
De modo geral, embora nem sempre, elas têm conseguido alcançar
seus objetivos em pouco tempo.
As intervenções americanas não
têm acontecido de forma automática; Washington não fez muito
para interromper os massacres
em Ruanda e no Burundi, por
exemplo. Em várias ocasiões os
EUA demoraram demais para entrar em ação, como quando tentaram não se envolver na Bósnia,
em 95. Em alguns casos, a intervenção fracassou, como aconteceu na Somália em 93. Na maioria
das vezes, porém, tem dado certo,
como em Granada (83), no Panamá (89) e no Kuait (91).
Sob três presidentes republicanos e um democrata, a norma tem
sido uma presença americana ativa no mundo.
Mas projetar força não é sinônimo de fazer amigos e aumentar
segurança nacional. É possível
que os EUA nunca tenham sido
tão malvistos quanto hoje entre os
países islâmicos ou que possuam
minorias islâmicas intranquilas.
A estima pelos EUA diminuiu em
boa parte da Europa.
Essa guerra, alianças dos americanos com governos árabes vistos
como corruptos ou tirânicos por
suas próprias populações, o apoio
dado pelos EUA a Israel e a indiferença com que se considera que
os EUA tratam a causa palestina,
isso tudo se somou para macular
a imagem dos EUA, principalmente no Oriente Médio.
O triunfo no Iraque, se o país inteiro tomar o rumo iniciado em
Basra e Bagdá, marcará a segunda
vitória americana sucessiva importante, depois do Afeganistão.
Mas o êxito nesse país foi incompleto, como aconteceu na Guerra
do Golfo; o líder terrorista Osama
bin Laden aparentemente permanece em liberdade, no Afeganistão ou em outro lugar, como
aconteceu com
Saddam depois
que o avanço da
coalizão da Guerra do Golfo foi interrompido antes
de chegar ao coração do Iraque.
O paradeiro
atual de Saddam é
desconhecido, e a
coalizão até agora
não encontrou
prova conclusiva
da existência de
armas químicas
ou biológicas no
Iraque.
É muito possível
que uma vitória
abrangente e total
seja coisa do passado, exceto em
conflitos muito pequenos.
O secretário de Estado americano, Donald Rumsfeld, sugeriu anteontem que uma vitória no Iraque teria o potencial de remodelar
o futuro da região, "levando a democracia a países que nunca a conheceram". Isso sem dúvida reduziria as perspectivas de outro
ataque terrorista como o de 11 de
setembro de 2001 -uma das razões subjacentes da guerra atual.
Por outro lado, a possível intensificação do ressentimento islâmico e árabe, até se transformar em
ódio, pode fomentar o terrorismo em lugar de
combatê-lo. Muita coisa vai depender de como
se desenrolará o
futuro do Iraque e
se, como disse o
ex-secretário britânico do Exterior
lorde Owen, os
acontecimentos
desta primavera
levarem a "um
rearranjo real da
mobília diplomática no Oriente
Médio" e a avanços para a criação
de um Estado palestino.
A equação também será afetada pelo que Washington fará a seguir. Os falcões
na administração Bush já começam a sugerir que uma mudança
no governo da Síria poderia ser o
próximo ponto na agenda, e o ex-diretor da CIA James Woolsey
disse que os combates no Iraque
são apenas o primeiro episódio da
4ª Guerra Mundial (a terceira teria sido a Guerra Fria).
O presidente sírio, Bashar Al
Assad, afirmou: "Não vamos
aguardar para nos tornarmos o
próximo alvo da coalizão".
A vitória no Iraque encorajará
os que advogam que os EUA ataquem outros países que suspeitam auxiliar terroristas. Mas
Bush, que em 2004 enfrentará
uma campanha eleitoral com a reconstrução do Iraque ainda incompleta, talvez hesite em deixar
o tigre avançar demais na selva,
por medo de que possa se perder.
O espetáculo fascinante que se
desenrolou anteontem numa das
principais praças de Bagdá recebeu diferentes interpretações em
diferentes países. Muitos americanos traçaram um paralelo entre
o que viram e a queda do Muro de
Berlim e o colapso dos Estados
comunistas.
Nos canais de TV árabes, porém, os comentaristas deram
grande ênfase ao fato de que não
foram iraquianos, e sim fuzileiros
navais americanos, que de fato
derrubaram a grande estátua.
A pergunta central, formulada
repetidas vezes, ainda não foi inteiramente respondida: como a
maioria dos iraquianos irá enxergar a presença das tropas americanas em seu meio -as tropas
que, pelo menos por algum tempo, terão de manter a ordem,
prender saqueadores e impedir os
assassinatos por vingança? Serão
vistas como libertadoras ou como
invasoras?
Por menos que gostassem do
governo de Saddam Hussein, por
mais gratos que possam estar por
sua aparente derrota, muitos iraquianos repudiam a política norte-americana em relação ao
Oriente Médio tanto quando outros muçulmanos.
Continua a existir o perigo de
que Bagdá ou o Iraque inteiro
possa cair numa "espiral descendente de violência", como avisou
na CNN Joseph C. Wilson, que foi
vice-chefe de missão no Iraque
imediatamente antes da Guerra
no Golfo.
De alguma maneira -com a
distribuição de ajuda, por meio de
uma centena de decisões sábias e
um milhar de gestos generosos-
os Estados Unidos precisam conseguir mudar a opinião dos iraquianos a seu respeito nos próximos meses.
As cabeças mais experientes de
Washington estão apostando que
esse será um trabalho mais longo
e mais difícil do que a campanha
militar que agora se aproxima do
seu fim.
Tradução Clara Allain
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