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RELIGIÃO
Igrejas e estudiosos publicam livros para rebater a idéia, contida no romance, de que o cristianismo foi construído sobre farsas
Cristãos reagem a "O Código Da Vinci"
LAURIE GOODSTEIN
DO "NEW YORK TIMES"
Temendo que o best-seller "O
Código Da Vinci" [editado no
Brasil pela Sextante] possa estar
semeando dúvidas quanto às
crenças cristãs fundamentais,
igrejas cristãs, membros do clero
e estudiosos da Bíblia se apressam
a rebater suas teses.
Nos últimos 13 meses já foram
vendidas mais de 6 milhões de cópias do livro, um "thriller" histórico que alega que o cristianismo
foi erguido sobre a base de um
trabalho de acobertamento
-que a igreja conspira há séculos
para ocultar que Jesus foi um mero mortal, que se casou com Maria Madalena e teve filhos cujos
descendentes vivem na França.
A notícia de que o diretor Ron
Howard está fazendo um filme
baseado no livro veio apenas intensificar a urgência sentida pelos
críticos. Mais de dez livros foram
e estão sendo lançados, em sua
maioria em abril e maio, com títulos que prometem decifrar, decodificar ou revelar o que está por
trás de "O Código Da Vinci". Igrejas estão oferecendo folhetos e
guias de estudos a leitores a quem
o livro possa ter levado a questionar sua fé. Grandes platéias estão
comparecendo a palestras e sermões sobre "O Código Da Vinci".
"Pelo fato de esse livro constituir um ataque tão direto aos fundamentos da fé cristã, é importante que elevemos nossa voz", disse
o reverendo evangélico Erwin
Lutzer, autor de "The Da Vinci
Deception" (o logro Da Vinci).
O reverendo James Garlow, co-autor de "Cracking Da Vinci's Code" (decifrando o Código Da Vinci), disse: ""Não acredito que seja
apenas um romance inocente
com uma trama fascinante. Acho
que o livro foi feito para atrair os
leitores para uma perspectiva historicamente inexata. As pessoas
estão aderindo à idéia de que Jesus não é divino, que Ele não é o
filho de Deus."
Entre os críticos de "O Código
Da Vinci" figuram protestantes
evangélicos e católicos romanos
que vêem o livro, repleto de trechos celebrando o feminismo, o
anticlericalismo e formas de adoração pagãs, como mais uma infiltração de guerreiros culturais liberais. Eles também afirmam que
o livro explora a desconfiança pública na Igreja Católica na esteira
do escândalo de abusos sexuais.
Os críticos e suas editoras esperam, também, beneficiar-se da
onda de sucesso de "O Código Da
Vinci", que está há 56 semanas no
topo da lista de livros de ficção de
capa dura mais vendidos do jornal "The New York Times". Dos
dez livros recentes relacionados a
"O Código Da Vinci", oito são de
editoras cristãs.
Dan Brown, o ex-professor de
ginásio que escreveu "O Código
Da Vinci", vem recusando todos
os pedidos de entrevista, porque,
segundo seu editor, está trabalhando em seu próximo livro. Em
seu site, porém, Brown diz que vê
com bons olhos as discussões sobre seu livro. Ele afirma que, embora seja uma obra de ficção,
acredita "que as teorias discutidas
pelos personagem têm valor".
"O Código Da Vinci" aproveita
o crescente fascínio com o tema
das origens da cristandade. Outros estudiosos vêm escrevendo
livros populares sobre as descobertas arqueológicas recentes de
evangelhos e textos gnósticos que
oferecem perspectivas sobre os
cristãos primitivos, cujas crenças
diferiam daquelas expressas nos
Evangelhos do Novo Testamento.
A trama de "O Código Da Vinci" constitui uma variação sobre a
história antiga da busca pelo Santo Graal. Robert Langdon, descrito como um brilhante professor
de "simbologia" em Harvard, e
Sophie Neveu, uma bela criptógrafa da polícia parisiense, se
unem para decifrar um rastro de
pistas deixado pelo curador assassinado do museu do Louvre, que
acaba revelando ser avô de Neveu.
A dupla descobre que o avô tinha herdado um manto de Leonardo da Vinci, usado em uma
sociedade secreta. Essa sociedade
tem a guarda do Santo Graal, que
não é um cálice, e sim a prova da
relação conjugal entre Jesus e Maria Madalena. Langdon e Neveu
terão de encontrar o assassino do
avô para localizar essa prova. Nessa jornada, eles descobrem que a
igreja suprimiu 80 evangelhos
primitivos que negavam a divindade de Jesus, elevavam Maria
Madalena à condição de líder entre os apóstolos e celebravam a
adoração da sabedoria e da sexualidade femininas.
O romance, em que mesmo capítulos que têm apenas duas páginas terminam em um clima de
suspense, pode parecer pouco
mais do que uma obra escrita com
o intuito declarado de ganhar dinheiro, e nada mais. Mas começa
com uma página intitulada "Fato", que termina com: "Todas as
descrições de obras de arte, arquitetura, documentos e rituais secretos apresentadas neste livro
são exatas".
O livro retrata o Opus Dei, grupo religioso conservador com
grande influência no Vaticano,
como seita sádica e sinistra. Um
monge albino do Opus Dei, no livro, assassina quatro pessoas que
guardam o segredo sobre a união
entre Jesus e Maria Madalena. Em
nota, o Opus Dei real respondeu:
"Seria irresponsável formar opinião sobre o Opus Dei baseada na
leitura de "O Código Da Vinci"".
Quem escreve a história
"O Código Da Vinci" propõe a
idéia de que o imperador romano
Constantino, do século 4º, teria
suprimido os evangelhos mais
primitivos por razões políticas e
imposto a doutrina da divindade
de Cristo no Concílio de Nicéia,
em 325 d.C. Um personagem de
"O Código Da Vinci" observa que
são os vencedores da história que
acabam por escrevê-la, idéia repetida por Brown em seu site.
Estudiosos cristãos concordam
que a descrição feita do Concílio
de Nicéia constitui uma das distorções mais flagrantes do livro.
Eles dizem que, embora existisse
uma diversidade de expressões
nos primórdios do cristianismo, a
divindade de Jesus fazia parte dos
cânones aceitos da igreja bem antes de 325 e é anterior à maioria
dos evangelhos gnósticos e outros
descobertos em tempos recentes.
"As pessoas pensavam que Jesus fosse divino, em algum sentido ou outro, desde o século 1º",
disse Harold Attridge, reitor da
Yale Divinity School (escola de
teologia da universidade Yale),
tradutor e autoridade nos textos
de Nag Hammadi. Attridge, que
na semana passada deu uma palestra sobre "O Código Da Vinci"
na Califórnia, disse que, embora
saúde o livro como uma "oportunidade de ensino", na verdade ""O
Código" "pega fatos e os apresenta sob outra ótica que os distorce
seriamente".
Darrell Bock, professor de estudos do Novo Testamento no Seminário Teológico de Dallas, vê
"O Código Da Vinci" como não
apenas uma tentativa de solapar
as crenças cristãs tradicionais,
mas também de "redefinir o cristianismo e a história do cristianismo". "É por isso que vemos tantos cristãos reagindo ao livro",
disse Bock, autor de "Breaking
the Da Vinci Code" (rompendo o
Código Da Vinci).
Tradução de Clara Allain
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