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São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2003

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IRAQUE OCUPADO

Em entrevista à Folha, o ex-chefe dos inspetores da ONU se diz "ansioso" para ver o que será encontrado no Iraque

Blix inverte pressão e cobra provas dos EUA

Hussein Malla - 18.nov.2002
Carneiros passam por um veículo carregado de mísseis SAM iraquianos abandonados em Bagdá


ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

Em apenas três meses, o sueco Hans Blix pôde ver o que é passar de caça a caçador.
Em março, estava sob pressão para encontrar provas de que o Iraque mantinha armas de destruição em massa -e justificar a guerra planejada pelos EUA.
À época, indicou não ter como dizer isso. O ataque aconteceu assim mesmo. Americanos e britânicos agora despejam investigadores no país para achar o que Blix não encontrou. Sem novo mandato para trabalhar no Iraque, o chefe dos inspetores de armas da ONU assume papel mais confortável: cobrar dos ocupantes as provas do que dizem.
"Quanto mais tempo demorar sem ninguém achar [as armas], mais tem de se considerar a possibilidade de que não havia nada", afirmou ele em entrevista à Folha anteontem, exatos dois meses após a tomada de Bagdá.
Enquanto os inspetores anglo-americanos suam no deserto do Iraque, ele se prepara para nadar no mar Báltico e catar cogumelos. Não há tarefa à vista para seu cargo. Assim, aos 74 anos, vai se aposentar pela segunda vez. No início de junho, troca Nova York pela Suécia. Inclui nos planos uma visita ao Brasil -já esteve no Rio e em São Paulo e, agora, quer conhecer a Bahia.
 

Folha - Quão ruim é essa dúvida a respeito das supostas armas de destruição em massa do Iraque?
Hans Blix -
Todos sabemos que eles tinham armas de destruição em massa antes da Guerra do Golfo (1991). A questão é: por quanto tempo eles as tiveram. Os iraquianos disseram ter destruído todas as armas químicas e biológicas no verão de 1991. Mas não há prova.
Os EUA, o Reino Unido e vários serviços de inteligência estão convencidos de que eles mantiveram armas depois de 1991 e que fabricaram mais armas depois de 1991. Entretanto onde está a prova disso? O governo americano e o britânico podem ter provas que nós não vimos. Não vimos nenhuma prova que nos permitisse dizer: "Sim, eles tem armas de destruição em massa".
Acho que os governos esperam achá-las e têm sua própria investigação. Desejo o bem a eles. Estamos ansiosos é para ver o resultado, porque nós não achamos.

Folha - Mas essa discussão tem agora dois meses...
Blix -
Essa discussão foi desencadeada pelo fato de que parte das evidências mostradas não foi convincente. Por exemplo: houve referência a um contrato que teria sido feito entre Iraque e Níger para importação de urânio. Descobriu-se que era falso.
Outro elemento é que tivemos dicas de serviços de inteligência de diferentes países sobre lugares que eles achavam que deveríamos visitar -que, em sua visão, seriam interessantes. E, em nenhum caso, nós achamos armas de destruição em massa. Em três casos, nós de fato achamos coisas interessantes, mas não eram armas de destruição em massa.
Isso é o contexto. Quanto mais tempo demorar sem ninguém achar [as armas], mais terá de se considerar a possibilidade de que não havia nada. Então, por que os iraquianos se comportaram durante tanto tempo de modo a sugerir que tinham algo?

Folha - Rumsfeld sugeriu que o Iraque pode ter destruído suas armas de destruição em massa. Isso é possível?
Blix -
Para qualquer um que sugira o que aconteceu com essas armas, acho que teríamos de ver provas disso. Às vezes dizem que as queimaram, às vezes sugerem que mandaram à Síria, às vezes que destruíram bem antes de chegarem. Há muitas possibilidades.

Folha - O sr. acredita que o fato de não haver prova até agora possa pressionar a coalizão a deixar os inspetores da ONU voltarem?
Blix -
Nós? Voltarmos? Não. Acho que, no momento, os EUA e sua coalizão tomaram conta da procura pelas armas. Neste momento, eles não estão interessados em ter ninguém de fora. A situação da segurança também torna muito difícil ter inspetores internacionais lá.

Folha - Por que seria tão difícil?
Blix -
Não acho que os EUA e sua coalizão estejam interessados e não querem ter inspetores lá. Apenas permitiram a entrada de algumas pessoas da Agência Internacional de Energia Atômica [AIEA], mas porque estão interessados em proteção contra radiação.
Vocês tiveram um acidente radioativo grande em Goiânia há alguns anos. Eu estava na AIEA naquela época e lembro-me bem como proteger as pessoas. Algo similar aconteceu agora, as pessoas estavam saqueando, levando contêineres que podem ser radioativos, então a AIEA foi chamada.

Folha - E a credibilidade dos inspetores dos EUA lá? O sr. acha que, mesmo que encontrem algo, pode-se dizer: "Bem, como saberemos se é verdade?"
Blix -
Depende. Não estou levantando nenhuma dúvida sobre a competência e a integridade dessas pessoas, mas acho que, se eles aparecerem com 50 toneladas de gás mostarda ou com contêineres cheios de antraz e os fotografem e tirarem amostras, a credibilidade será grande.
Mas, se eles só tirarem fotos de alguns caminhões e não permitirem que inspetores independentes verifiquem, então a credibilidade pode ser menor. Acho que, em todos esses casos em que o que se vê não é flagrante, a credibilidade vai ser muito maior se eles tiverem especialistas independentes para verificar. Não só inspetores internacionais escolhidos pela força ocupante, mas especialistas nomeados independentemente.

Folha - Mas o sr. não acha que podemos voltar à discussão que aconteceu antes da guerra e que está sendo retomada agora, isto é, a dificuldade em saber o que é o trabalho técnico da inteligência e o que é o uso político dela?
Blix -
Algumas provas podem ser patentes, e então acho que teriam credibilidade. Se você achar uma bomba nuclear, você vai reconhecê-la. Mas outras coisas podem ser mais duvidosas. Por esse motivo a credibilidade vai ser muito maior se houver verificação independente.

Folha - Além do ponto da credibilidade, no que exatamente vocês acham que poderiam ajudar em termos práticos?
Blix -
Temos grande conhecimento de muitos lugares -como eles estavam em 91, 95, 98 e 2003. Temos arquivos das pessoas. Acho que muito disso existe no Departamento de Estado e na CIA, mas temos muita experiência em examinar os iraquianos.

Folha - Há algo que o sr. acredita que os americanos possam estar fazendo errado?
Blix -
Não me sinto à vontade para comentar o que eles estão fazendo, talvez um pouco surpreso que eles estejam mandando 1.300 pessoas [a equipe que vai procurar as armas] dois meses e meio depois [da guerra]. Acho que, se eles consideraram que as armas de destruição em massa eram uma grande razão para a guerra, eles deveriam estar prontos desde o início para a investigação.

Folha - O sr. enfrentou muita pressão antes da guerra. O que pensa quando vê as dificuldades que eles enfrentam agora?
Blix -
Não acho que os EUA tenham dito que eu estava errado em nenhum momento. Outra questão é o que você lê nos jornais. Eu não vi [o secretário de Estado] Colin Powell ou [a assessora de Segurança Nacional] Condoleezza Rice criticarem o que eu fiz. Fiz o trabalho que me pediram para fazer. Há jornais que dizem: "Eles não encontram nada". Mas isso não é o governo.
Claro que, às vezes, você fica bravo, vê acusações que acredita serem ultrajantes, como jornais que disseram que nós teríamos escondido provas. O governo americano não disse isso.
Nos primeiros dias de março eles [os EUA] tentavam desesperadamente conseguir os votos [para obter o aval do Conselho de Segurança à guerra]. Serviria bem a eles se tivéssemos aparecido e dito: "Os iraquianos estão mentindo". Com o que observamos, não podíamos fazer isso, o que aumentou o desapontamento dos EUA, mas eles mesmos também não acharam as armas. Aqueles que nos criticaram à época devem nos entender melhor agora.

Folha - Qual é seu futuro na ONU?
Blix -
Eu defino o meu futuro. Minha definição do futuro é ir para casa, para meu país.

Folha - Quando o sr. vai?
Blix -
No começo de julho. Vou para uma ilha onde tenho uma casa e vou nadar no Báltico e colher cogumelos.

Folha - Haverá alguma discussão no Conselho de Segurança para "revisitar" seu mandato?
Blix -
Sim, acho que sim. Eles devem fazer isso. Mas não agora. Talvez após o verão [no hemisfério Norte, inverno no Brasil].

Folha - Eles vão ter mais três meses para procurar armas?
Blix -
É, vão ter.

Folha - Não há nenhuma chance de o sr. voltar ao Iraque?
Blix -
Eu tenho de ir para a casa desta vez. É minha segunda aposentadoria. A Unmovic [a agência que chefia] eu não sei, é outra questão. Haverá alguém cuidando deste trabalho aqui.


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