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IRAQUE OCUPADO
Em entrevista à Folha, o ex-chefe dos inspetores da ONU se diz "ansioso" para ver o que será encontrado no Iraque
Blix inverte pressão e cobra provas dos EUA
Hussein Malla - 18.nov.2002
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Carneiros passam por um veículo carregado de mísseis SAM iraquianos abandonados em Bagdá |
ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK
Em apenas três meses, o sueco
Hans Blix pôde ver o que é passar
de caça a caçador.
Em março, estava sob pressão
para encontrar provas de que o
Iraque mantinha armas de destruição em massa -e justificar a
guerra planejada pelos EUA.
À época, indicou não ter como
dizer isso. O ataque aconteceu assim mesmo. Americanos e britânicos agora despejam investigadores no país para achar o que
Blix não encontrou. Sem novo
mandato para trabalhar no Iraque, o chefe dos inspetores de armas da ONU assume papel mais
confortável: cobrar dos ocupantes
as provas do que dizem.
"Quanto mais tempo demorar
sem ninguém achar [as armas],
mais tem de se considerar a possibilidade de que não havia nada",
afirmou ele em entrevista à Folha
anteontem, exatos dois meses
após a tomada de Bagdá.
Enquanto os inspetores anglo-americanos suam no deserto do
Iraque, ele se prepara para nadar
no mar Báltico e catar cogumelos.
Não há tarefa à vista para seu cargo. Assim, aos 74 anos, vai se aposentar pela segunda vez. No início
de junho, troca Nova York pela
Suécia. Inclui nos planos uma visita ao Brasil -já esteve no Rio e
em São Paulo e, agora, quer conhecer a Bahia.
Folha - Quão ruim é essa dúvida a
respeito das supostas armas de
destruição em massa do Iraque?
Hans Blix - Todos sabemos que
eles tinham armas de destruição
em massa antes da Guerra do Golfo (1991). A questão é: por quanto
tempo eles as tiveram. Os iraquianos disseram ter destruído todas
as armas químicas e biológicas no
verão de 1991. Mas não há prova.
Os EUA, o Reino Unido e vários
serviços de inteligência estão convencidos de que eles mantiveram
armas depois de 1991 e que fabricaram mais armas depois de 1991.
Entretanto onde está a prova disso? O governo americano e o britânico podem ter provas que nós
não vimos. Não vimos nenhuma
prova que nos permitisse dizer:
"Sim, eles tem armas de destruição em massa".
Acho que os governos esperam
achá-las e têm sua própria investigação. Desejo o bem a eles. Estamos ansiosos é para ver o resultado, porque nós não achamos.
Folha - Mas essa discussão tem
agora dois meses...
Blix - Essa discussão foi desencadeada pelo fato de que parte das
evidências mostradas não foi convincente. Por exemplo: houve referência a um contrato que teria
sido feito entre Iraque e Níger para importação de urânio. Descobriu-se que era falso.
Outro elemento é que tivemos
dicas de serviços de inteligência
de diferentes países sobre lugares
que eles achavam que deveríamos
visitar -que, em sua visão, seriam interessantes. E, em nenhum
caso, nós achamos armas de destruição em massa. Em três casos,
nós de fato achamos coisas interessantes, mas não eram armas de
destruição em massa.
Isso é o contexto. Quanto mais
tempo demorar sem ninguém
achar [as armas], mais terá de se
considerar a possibilidade de que
não havia nada. Então, por que os
iraquianos se comportaram durante tanto tempo de modo a sugerir que tinham algo?
Folha - Rumsfeld sugeriu que o
Iraque pode ter destruído suas armas de destruição em massa. Isso é
possível?
Blix - Para qualquer um que sugira o que aconteceu com essas
armas, acho que teríamos de ver
provas disso. Às vezes dizem que
as queimaram, às vezes sugerem
que mandaram à Síria, às vezes
que destruíram bem antes de chegarem. Há muitas possibilidades.
Folha - O sr. acredita que o fato de
não haver prova até agora possa
pressionar a coalizão a deixar os
inspetores da ONU voltarem?
Blix - Nós? Voltarmos? Não.
Acho que, no momento, os EUA e
sua coalizão tomaram conta da
procura pelas armas. Neste momento, eles não estão interessados em ter ninguém de fora. A situação da segurança também torna muito difícil ter inspetores internacionais lá.
Folha - Por que seria tão difícil?
Blix - Não acho que os EUA e sua
coalizão estejam interessados e
não querem ter inspetores lá.
Apenas permitiram a entrada de
algumas pessoas da Agência Internacional de Energia Atômica
[AIEA], mas porque estão interessados em proteção contra radiação.
Vocês tiveram um acidente radioativo grande em Goiânia há alguns anos. Eu estava na AIEA naquela época e lembro-me bem como proteger as pessoas. Algo similar aconteceu agora, as pessoas
estavam saqueando, levando contêineres que podem ser radioativos, então a AIEA foi chamada.
Folha - E a credibilidade dos inspetores dos EUA lá? O sr. acha que,
mesmo que encontrem algo, pode-se dizer: "Bem, como saberemos se
é verdade?"
Blix - Depende. Não estou levantando nenhuma dúvida sobre a
competência e a integridade dessas pessoas, mas acho que, se eles
aparecerem com 50 toneladas de
gás mostarda ou com contêineres
cheios de antraz e os fotografem e
tirarem amostras, a credibilidade
será grande.
Mas, se eles só tirarem fotos de
alguns caminhões e não permitirem que inspetores independentes verifiquem, então a credibilidade pode ser menor. Acho que,
em todos esses casos em que o
que se vê não é flagrante, a credibilidade vai ser muito maior se
eles tiverem especialistas independentes para verificar. Não só
inspetores internacionais escolhidos pela força ocupante, mas especialistas nomeados independentemente.
Folha - Mas o sr. não acha que podemos voltar à discussão que aconteceu antes da guerra e que está
sendo retomada agora, isto é, a dificuldade em saber o que é o trabalho técnico da inteligência e o que é
o uso político dela?
Blix - Algumas provas podem
ser patentes, e então acho que teriam credibilidade. Se você achar
uma bomba nuclear, você vai reconhecê-la. Mas outras coisas podem ser mais duvidosas. Por esse
motivo a credibilidade vai ser
muito maior se houver verificação independente.
Folha - Além do ponto da credibilidade, no que exatamente vocês
acham que poderiam ajudar em
termos práticos?
Blix - Temos grande conhecimento de muitos lugares -como
eles estavam em 91, 95, 98 e 2003.
Temos arquivos das pessoas.
Acho que muito disso existe no
Departamento de Estado e na
CIA, mas temos muita experiência em examinar os iraquianos.
Folha - Há algo que o sr. acredita
que os americanos possam estar fazendo errado?
Blix - Não me sinto à vontade para comentar o que eles estão fazendo, talvez um pouco surpreso
que eles estejam mandando 1.300
pessoas [a equipe que vai procurar as armas] dois meses e meio
depois [da guerra]. Acho que, se
eles consideraram que as armas
de destruição em massa eram
uma grande razão para a guerra,
eles deveriam estar prontos desde
o início para a investigação.
Folha - O sr. enfrentou muita
pressão antes da guerra. O que
pensa quando vê as dificuldades
que eles enfrentam agora?
Blix - Não acho que os EUA tenham dito que eu estava errado
em nenhum momento. Outra
questão é o que você lê nos jornais. Eu não vi [o secretário de Estado] Colin Powell ou [a assessora
de Segurança Nacional] Condoleezza Rice criticarem o que eu fiz.
Fiz o trabalho que me pediram
para fazer. Há jornais que dizem:
"Eles não encontram nada". Mas
isso não é o governo.
Claro que, às vezes, você fica
bravo, vê acusações que acredita
serem ultrajantes, como jornais
que disseram que nós teríamos
escondido provas. O governo
americano não disse isso.
Nos primeiros dias de março
eles [os EUA] tentavam desesperadamente conseguir os votos
[para obter o aval do Conselho de
Segurança à guerra]. Serviria bem
a eles se tivéssemos aparecido e
dito: "Os iraquianos estão mentindo". Com o que observamos,
não podíamos fazer isso, o que
aumentou o desapontamento dos
EUA, mas eles mesmos também
não acharam as armas. Aqueles
que nos criticaram à época devem
nos entender melhor agora.
Folha - Qual é seu futuro na ONU?
Blix - Eu defino o meu futuro.
Minha definição do futuro é ir para casa, para meu país.
Folha - Quando o sr. vai?
Blix - No começo de julho. Vou
para uma ilha onde tenho uma casa e vou nadar no Báltico e colher
cogumelos.
Folha - Haverá alguma discussão
no Conselho de Segurança para
"revisitar" seu mandato?
Blix - Sim, acho que sim. Eles devem fazer isso. Mas não agora.
Talvez após o verão [no hemisfério Norte, inverno no Brasil].
Folha - Eles vão ter mais três meses para procurar armas?
Blix - É, vão ter.
Folha - Não há nenhuma chance
de o sr. voltar ao Iraque?
Blix - Eu tenho de ir para a casa
desta vez. É minha segunda aposentadoria. A Unmovic [a agência
que chefia] eu não sei, é outra
questão. Haverá alguém cuidando deste trabalho aqui.
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