São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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Justiça social e meritocracia entram em choque na Índia

Aumento de vagas para menos favorecidos nas universidades gera debate no país

Alunos de cursos disputados protestam contra plano do governo de ampliar para 49,5% cadeiras reservadas às castas mais "atrasadas"

Kamal Kishore - 5.mai.2006/Reuters
Filho de um catador de lixo em aterro, em subúrbio de Nova Déli


SOMINI SENGUPTA
DO "NEW YORK TIMES", EM NOVA DÉLI

O problema do preconceito de castas na Índia é tão antigo quanto os textos sagrados hindus. Os esforços para combatê-lo datam da formação da Índia moderna, 59 anos atrás.
Hoje, enquanto a Índia desfruta de índices espantosos de progresso econômico e enfrenta o desafio de distribuir os benefícios desse progresso à maioria carente da população, o país se vê diante de um elemento polarizador da política pública: um plano do governo de estender as cotas de admissão nas faculdades a castas "atrasadas".
A ação afirmativa é, de algumas maneiras, uma questão que desperta ainda mais emoções na Índia do que nos EUA. Nas últimas semanas, a proposta de estender as cotas de admissão a algumas das melhores universidades do país, financiadas com dinheiro federal, vem suscitando reações adversas.
Os protestos -especialmente de estudantes das concorridas escolas de medicina- se estenderam pelo país e chegaram a prejudicar os serviços de saúde públicos. Defensores e opositores da medida têm trocado argumentos que, em muitos casos, descambam para insultos.
O problema de corrigir a discriminação atolou em questões políticas divisórias para o governo, que disse que não vai recuar de sua proposta.
As cotas não são novidade no país. Segundo sua Constituição, a Índia há muito tempo reserva 22,5% das vagas em universidades públicas a membros de castas baixas. Cotas também são usadas em empregos públicos e cargos eletivos.
A proposta mais recente amplia esse princípio, ao reservar outros 27% das vagas a um grupo conhecido na linguagem bizarra da burocracia indiana como "outras classes atrasadas".
As novas cotas seriam aplicáveis apenas às universidades federais mais concorridas do país. Os estudantes de medicina vêm reagindo com ultraje especial, pois o plano limitaria ainda mais o número já restrito de vagas nessas faculdades.
Os defensores das cotas também estão se mobilizando e fazendo protestos.
O primeiro-ministro, Manmohan Singh, evita tomar partido com relação à proposta. Em lugar disso, nomeou um comitê assessor de três integrantes para estudar a medida.
A maioria da população indiana é jovem, e atender suas aspirações está entre os desafios que o governo enfrenta.
Alguns parlamentares sugeriram que as universidades disputadas ampliem o número de vagas. Também foram aventadas sugestões -mas não medidas explícitas- para introduzir cotas no setor privado, o que vem motivando a oposição do setor empresarial.

Hierarquia
Na ordem hierárquica vigente, integrantes da casta dos pastores de vacas estão vários graus acima da dos alfaiates. Estes, por sua vez, gozam de status superior ao dos lixeiros, que, apesar de isso ser proibido, continuam a carregar dejetos humanos sobre a cabeça em algumas regiões do país.
As "outras classes atrasadas" formam um bloco eleitoral poderoso em muitas partes do país, o que faz os resultados da discussão atual terem importância especial para políticos.
Os defensores da medida dizem que, numa sociedade desigual, apenas medidas explícitas são capazes de abrir portas para certos setores.
"A casta é uma qualificação para poucos e uma desqualificação para muitos", disse o economista Bhalchandra Mungekar, da Comissão de Planejamento do governo nacional.
Os adversários dizem que as cotas vão prejudicar a qualidade das universidades e dividir os estudantes em castas.
"Por que, após 55 anos, continuamos a pensar em reservar vagas para castas?", indagou Poojan Aggarwal, estudante na Faculdade de Medicina Safdarjung, em Nova Déli. "Deveríamos falar de meritocracia total. Sabemos que nenhum partido vai nos apoiar nesta questão."

Tradução de CLARA ALLAIN


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