São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

FRANÇOIS GÉRÉ

Para presidente do Instituto Francês de Análise Estratégica, terroristas são preparados no Iraque

"Nove entre dez planos do terror são desbaratados"

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

Muitos dos trunfos das polícias européias contra o terrorismo não chegam a ser divulgados pela imprensa. Por que isso ocorre? "Porque a polícia não quer fazer publicidade", afirma o historiador François Géré, presidente do Instituto Francês de Análise Estratégica, especializado em estudos a respeito do terrorismo, da guerrilha e de outros temas militares e políticos.
"Para cada dez tentativas de atentados terroristas em um ano, nove delas são desbaratadas. Infelizmente, uma das tentativas não será descoberta -e foi o que ocorreu agora em Londres", diz Géré, referindo-se aos ataques cometidos na última quinta-feira contra a capital britânica, nos quais morreram pelo menos 49 pessoas.
Segundo o historiador, o Iraque, ocupado pelos EUA, é hoje, paradoxalmente, o principal lugar de "formação" de terroristas no mundo. "O Iraque tem recebido sem parar jovens militantes vindos da África do Norte, da Arábia Saudita, bem como da França, da Espanha, da Alemanha e do Reino Unido", afirma. Os jovens fazem seu aprendizado na guerrilha e na prática de atentados no país. "Uma das maiores preocupações dos países diz respeito ao que ocorrerá quando essa nova geração "jihadista" retornar aos seus locais de origem."
Na entrevista a seguir, feita por telefone, Géré descreve como se organizam e como se dispersam as células terroristas na Europa.

Folha - O que é a Organização Secreta da Al Qaeda na Europa, que diz ter feito os atentados de quinta-feira em Londres?
François Géré -
Houve uma menção muito breve a essa organização quando ocorreram os atentados de Madri, em 2004. Um grupo com esse nome reivindicou na internet ter feito o ataque.
Todos os serviços de polícia procuraram aprofundar seus conhecimentos a respeito desse grupo, e nós também.
No caso de Madri, chegou-se à conclusão de que fora um nome lançado ao léu, que não correspondia de fato à organização que perpetrou os atentados.
Mas eis que o nome retorna. Podemos então pensar em duas hipóteses. A primeira é que essa organização não existe. Trata-se de gente fantasista, que, a cada vez em que há um atentado na Europa, envia uma mensagem pela internet para reivindicar sua autoria, embora não esteja de fato na origem de nada.
A segunda hipótese é que se trata efetivamente de uma organização alinhada com a ideologia do movimento Al Qaeda.

Folha - Qual hipótese é provavelmente a verdadeira?
Géré -
Tudo leva a crer que a segunda hipótese seja a mais verossímil. Mas o nome não deve preocupar tanto, pois os grupos que efetuam essas ações não atentam para a necessidade de ter um nome particular. A denominação em si não tem grande importância para os agentes do atentado, e é isso que torna a investigação da polícia ainda mais difícil.

Folha - O sr. acredita que pessoas que atuaram direta ou indiretamente nos ataques em Madri possam ter participado dos atentados em Londres?
Géré -
Não. O grupo que montou os atentados em Madri foi em grande parte destruído. Os operadores diretos foram mortos, porque eles fizeram explodir o imóvel onde se refugiavam no momento em que foram cercados pela polícia. A fileira hispano-marroquina do atentado foi destruída e os responsáveis logísticos estão presos.
O fato de uns e outros não estarem ligados entre si faz parte do princípio mesmo dessas operações. Trata-se de organismos separados. As pessoas de Londres não tiveram nenhum contato com as de Madri.

Folha - Por outro lado, será que podemos dizer que o modo de organização e de ação dos dois grupos são iguais ou parecidos?
Géré -
Sim, eles se organizam efetivamente da mesma maneira. Permanecem totalmente invisíveis durante semanas ou meses, levando uma vida normal e anônima, tomando o cuidado de não freqüentar pessoas que provavelmente são observadas por serviços secretos. Eles têm um objetivo e uma data. E se preparam de maneira extremamente discreta. Nesse período, chegam a fazer até mesmo, se necessário, ensaios da operação que eles vão efetuar.

Folha - Quanto tempo, aproximadamente, leva a preparação de um atentado assim, e o que ele exige?
Géré -
A preparação dura entre seis e dez meses, em média. Seja no caso de Londres ou no de de Madri, a data do ataque teve um ponto em comum, que foi um evento político. Em Madri, as eleições. Em Londres, o encontro do G8, na Escócia. É a partir do momento em que as autoridades definem a data dos eventos visados que as células começam a elaborar sua logística e a preparar o ataque.
As estimativas dizem que, para uma operação desse tipo, o número de executantes varia entre seis a dez. A logística, que é muito mais importante, exige mais gente: cerca de 15 pessoas. Então, o grupo, no total, não costuma ultrapassar o número de 25 pessoas.

Folha - Tudo isso se organiza no país-alvo do ataque ou também fora dele?
Géré -
A idéia pode vir do exterior. Mas, se não há pessoas suficientes no país para fazer os atentados, é preciso levá-las para lá. É preciso subvencionar a parte financeira e fazer de modo que eles disponham da quantidade de explosivo necessária. No caso dos ataques de 11 de Setembro, nos EUA, montou-se um verdadeiro circuito, que passava pela Europa. No caso de Madri, a situação é idêntica, com o vaivém entre Marrocos e Espanha. No caso de Londres, ainda não sabemos.
Uma vez a ação cumprida, o mesmo grupo não vai recomeçar. Não irá planejar novo atentado. Seus membros vão se dispersar, às vezes vão partir para outros países. Serão outras pessoas que iniciarão a preparação de um outro ataque.

Folha - Isso ocorre de maneira parecida em vários países europeus? Pode-se dizer que, nesse momento, há várias células terroristas planejando atentados na Europa ao mesmo tempo?
Géré -
Sim. Não penso que as pessoas que fizeram ações terroristas nas Filipinas ou na Indonésia se ocupem da Europa. Certamente não. Mas há uma circulação "mundial", entre o Oriente Médio-no sentido extenso, desde o Paquistão-, a Europa e uma parte das Américas e dos EUA. Não há concentração em um lugar. Ao contrário, há um movimento quase permanente dessas pessoas.
Quer dizer, um grupo se instala num país, tem uma missão, ataca e se dispersa. Daí, vem outro grupo e a coisa recomeça. Eles se movimentam sem parar, passando pelo Iraque, indo e vindo através do Oriente Médio, da África do Norte e da Europa.

Folha - Qual é a atual importância do Iraque como lugar de preparação de terroristas?
Géré -
O Iraque tem recebido sem parar jovens militantes vindos da África da Norte, da Arábia Saudita, bem como da França, da Espanha, da Alemanha e do Reino Unido. Lá, eles são formados para os atentados. Eles praticam em ações guerrilheiras e atentados no país.
O número de militantes que vão para lá é extremamente importante. Por isso, uma das maiores preocupações dos países diz respeito ao que ocorrerá quando essa nova geração "jihadista" retornar aos seus locais de origem. Esse é hoje um dos grandes temores da Arábia Saudita, da Jordânia e também dos países europeus.

Folha - Bin Laden pode ser o estrategista por trás dos atentados de Madri e Londres?
Géré -
Bin Laden é sobretudo um mito, evidentemente. As pessoas que executaram os atentados reivindicam a ideologia de Bin Laden, como porta-voz e inspirador. Mas penso que o verdadeiro inspirador da Al Qaeda é Ayman al Zawahri, o médico egípcio, que muitos tomam apenas como o número dois da organização.

Folha - Por que as aparições midiáticas de Bin Laden se tornaram tão pouco freqüentes?
Géré -
Houve recentemente uma nova mensagem de Bin Laden, mas de fato não o vemos mais com tanta freqüência.
Por que isso ocorre? Há muitas hipóteses. Pode ser por causa de seu estado de saúde, pode ser que ele tenha mudado completamente sua fisionomia e que tenha hoje uma outra aparência. Pode ser que ande por aí sem barba, de cabelo cortado, o que não corresponde à imagem relacionada ao mito que ele criou de si mesmo.

Folha - O sr. acha que os atentados em Londres poderiam ter sido evitados pela polícia britânica, a mesma que em 2004 impediu um ataque com armas químicas?
Géré -
De fato ela conseguiu evitar o ataque químico em 2004. Vários outros planos de atentados já foram desbaratados em Londres, Roma, Milão e Paris. Não se fala muito a respeito porque a polícia não quer fazer publicidade.
Em Paris, por exemplo, em 2004, um grupo de radicais tchetchenos estava montando um atentado contra a embaixada da Rússia quando foram foram presos.
Há ações da polícia européia, relativamente numerosas, que conseguem prevenir tentativas de atentado, embora esses trunfos não sejam tão divulgados.
Com isso não quero dizer que possam ocorrer atentados todos os dias na Europa, ou todas as semanas. Se fizermos uma proporção, é possível calcular que, para cada dez tentativas de atentados num ano, nove delas são desbaratadas pela polícia. Infelizmente, uma não será descoberta -e foi o que ocorreu agora em Londres.

Folha - Os serviços de informação dos diferentes países da Europa estão em permanente contato uns com os outros?
Géré -
Felizmente sim. Isto é um fator essencial para permitir desmontar uma célula terrorista.

Folha - Como funciona esse sistema de informação entre os países?
Géré -
De várias maneiras, não poderia agora citar todas. Dou um exemplo: quando alguém que é considerado suspeito ou perigoso deixa a Suécia, é preciso que as autoridades suecas comuniquem a seus colegas europeus sobre essa partida. Depois que o sujeito visado deixou a Suécia, precisamos saber para onde ele foi, se para a Alemanha, o Reino Unido ou algum outro lugar. É uma informação extremamente importante.

Folha - O sr. pensa que o medo de atentados terroristas será uma constante na vida das grandes cidades européias e de outras capitais do mundo?
Géré -
Espero que não seja permanente. Penso que conseguiremos acabar com eles. Mas está claro que todas as grandes capitais, todas as grandes concentrações de população, todos os grandes acontecimentos, sejam políticos, esportivos ou eleitorais, serão alvo para este gênero de ação.

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