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ENTREVISTA DA 2ª
FRANÇOIS GÉRÉ
Para presidente do Instituto Francês de Análise Estratégica, terroristas são preparados no Iraque
"Nove entre dez planos do terror são desbaratados"
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
Muitos dos trunfos das polícias
européias contra o terrorismo
não chegam a ser divulgados pela
imprensa. Por que isso ocorre?
"Porque a polícia não quer fazer
publicidade", afirma o historiador François Géré, presidente do
Instituto Francês de Análise Estratégica, especializado em estudos a respeito do terrorismo, da
guerrilha e de outros temas militares e políticos.
"Para cada dez tentativas de
atentados terroristas em um ano,
nove delas são desbaratadas. Infelizmente, uma das tentativas não
será descoberta -e foi o que
ocorreu agora em Londres", diz
Géré, referindo-se aos ataques cometidos na última quinta-feira
contra a capital britânica, nos
quais morreram pelo menos 49
pessoas.
Segundo o historiador, o Iraque, ocupado pelos EUA, é hoje,
paradoxalmente, o principal lugar de "formação" de terroristas
no mundo. "O Iraque tem recebido sem parar jovens militantes
vindos da África do Norte, da
Arábia Saudita, bem como da
França, da Espanha, da Alemanha
e do Reino Unido", afirma. Os jovens fazem seu aprendizado na
guerrilha e na prática de atentados no país. "Uma das maiores
preocupações dos países diz respeito ao que ocorrerá quando essa nova geração "jihadista" retornar aos seus locais de origem."
Na entrevista a seguir, feita por
telefone, Géré descreve como se
organizam e como se dispersam
as células terroristas na Europa.
Folha - O que é a Organização Secreta da Al Qaeda na Europa, que
diz ter feito os atentados de quinta-feira em Londres?
François Géré - Houve uma menção muito breve a essa organização quando ocorreram os atentados de Madri, em 2004. Um grupo
com esse nome reivindicou na internet ter feito o ataque.
Todos os serviços de polícia
procuraram aprofundar seus conhecimentos a respeito desse grupo, e nós também.
No caso de Madri, chegou-se à
conclusão de que fora um nome
lançado ao léu, que não correspondia de fato à organização que
perpetrou os atentados.
Mas eis que o nome retorna. Podemos então pensar em duas hipóteses. A primeira é que essa organização não existe. Trata-se de
gente fantasista, que, a cada vez
em que há um atentado na Europa, envia uma mensagem pela internet para reivindicar sua autoria, embora não esteja de fato na
origem de nada.
A segunda hipótese é que se trata efetivamente de uma organização alinhada com a ideologia do
movimento Al Qaeda.
Folha - Qual hipótese é provavelmente a verdadeira?
Géré - Tudo leva a crer que a segunda hipótese seja a mais verossímil. Mas o nome não deve preocupar tanto, pois os grupos que
efetuam essas ações não atentam
para a necessidade de ter um nome particular. A denominação
em si não tem grande importância para os agentes do atentado, e
é isso que torna a investigação da
polícia ainda mais difícil.
Folha - O sr. acredita que pessoas
que atuaram direta ou indiretamente nos ataques em Madri possam ter participado dos atentados
em Londres?
Géré - Não. O grupo que montou os atentados em Madri foi em
grande parte destruído. Os operadores diretos foram mortos, porque eles fizeram explodir o imóvel
onde se refugiavam no momento
em que foram cercados pela polícia. A fileira hispano-marroquina
do atentado foi destruída e os responsáveis logísticos estão presos.
O fato de uns e outros não estarem ligados entre si faz parte do
princípio mesmo dessas operações. Trata-se de organismos separados. As pessoas de Londres
não tiveram nenhum contato
com as de Madri.
Folha - Por outro lado, será que
podemos dizer que o modo de organização e de ação dos dois grupos são iguais ou parecidos?
Géré - Sim, eles se organizam
efetivamente da mesma maneira.
Permanecem totalmente invisíveis durante semanas ou meses,
levando uma vida normal e anônima, tomando o cuidado de não
freqüentar pessoas que provavelmente são observadas por serviços secretos. Eles têm um objetivo
e uma data. E se preparam de maneira extremamente discreta.
Nesse período, chegam a fazer até
mesmo, se necessário, ensaios da
operação que eles
vão efetuar.
Folha - Quanto
tempo, aproximadamente, leva a preparação de um atentado assim, e o que ele
exige?
Géré - A preparação dura entre seis e
dez meses, em média. Seja no caso de
Londres ou no de
de Madri, a data do
ataque teve um
ponto em comum,
que foi um evento
político. Em Madri,
as eleições. Em
Londres, o encontro do G8, na Escócia. É a partir do
momento em que
as autoridades definem a data dos
eventos visados que as células começam a elaborar sua logística e a
preparar o ataque.
As estimativas dizem que, para
uma operação desse tipo, o número de executantes varia entre
seis a dez. A logística, que é muito
mais importante, exige mais gente: cerca de 15 pessoas. Então, o
grupo, no total, não costuma ultrapassar o número de 25 pessoas.
Folha - Tudo isso se organiza no
país-alvo do ataque ou também fora dele?
Géré - A idéia pode vir do exterior. Mas, se não há pessoas suficientes no país para fazer os atentados, é preciso levá-las para lá. É
preciso subvencionar a parte financeira e fazer de modo que eles
disponham da quantidade de explosivo necessária. No caso dos
ataques de 11 de Setembro, nos
EUA, montou-se um verdadeiro
circuito, que passava pela Europa.
No caso de Madri, a situação é
idêntica, com o vaivém entre
Marrocos e Espanha. No caso de
Londres, ainda não sabemos.
Uma vez a ação
cumprida, o mesmo grupo não vai
recomeçar. Não irá
planejar novo atentado. Seus membros vão se dispersar, às vezes vão
partir para outros
países. Serão outras
pessoas que iniciarão a preparação de
um outro ataque.
Folha - Isso ocorre
de maneira parecida
em vários países europeus? Pode-se dizer que, nesse momento, há várias células terroristas planejando atentados
na Europa ao mesmo
tempo?
Géré - Sim. Não penso que as
pessoas que fizeram ações terroristas nas Filipinas ou na Indonésia se ocupem da Europa. Certamente não. Mas há uma circulação "mundial", entre o Oriente
Médio-no sentido extenso, desde o Paquistão-, a Europa e uma
parte das Américas e dos EUA.
Não há concentração em um lugar. Ao contrário, há um movimento quase permanente dessas
pessoas.
Quer dizer, um grupo se instala
num país, tem uma missão, ataca
e se dispersa. Daí, vem outro grupo e a coisa recomeça. Eles se movimentam sem parar, passando
pelo Iraque, indo e vindo através
do Oriente Médio, da África do
Norte e da Europa.
Folha - Qual é a atual importância
do Iraque como lugar de preparação de terroristas?
Géré - O Iraque tem recebido
sem parar jovens militantes vindos da África da Norte, da Arábia
Saudita, bem como da França, da
Espanha, da Alemanha e do Reino Unido. Lá, eles são formados
para os atentados.
Eles praticam em
ações guerrilheiras
e atentados no país.
O número de militantes que vão para lá é extremamente importante. Por
isso, uma das maiores preocupações
dos países diz respeito ao que ocorrerá quando essa
nova geração "jihadista" retornar aos
seus locais de origem. Esse é hoje um
dos grandes temores da Arábia Saudita, da Jordânia e
também dos países
europeus.
Folha - Bin Laden
pode ser o estrategista por trás dos
atentados de Madri e Londres?
Géré - Bin Laden é sobretudo
um mito, evidentemente. As pessoas que executaram os atentados
reivindicam a ideologia de Bin Laden, como porta-voz e inspirador.
Mas penso que o verdadeiro inspirador da Al Qaeda é Ayman al
Zawahri, o médico egípcio, que
muitos tomam apenas como o
número dois da organização.
Folha - Por que as aparições midiáticas de Bin Laden se tornaram
tão pouco freqüentes?
Géré - Houve recentemente uma
nova mensagem de Bin Laden,
mas de fato não o vemos mais
com tanta freqüência.
Por que isso ocorre? Há muitas
hipóteses. Pode ser por causa de
seu estado de saúde, pode ser que
ele tenha mudado completamente sua fisionomia e que tenha hoje
uma outra aparência. Pode ser
que ande por aí sem barba, de cabelo cortado, o que não corresponde à imagem relacionada ao
mito que ele criou de si mesmo.
Folha - O sr. acha que os atentados em Londres poderiam ter sido evitados pela polícia
britânica, a mesma
que em 2004 impediu um ataque com
armas químicas?
Géré - De fato ela
conseguiu evitar o
ataque químico em
2004. Vários outros
planos de atentados
já foram desbaratados em Londres,
Roma, Milão e Paris. Não se fala muito a respeito porque
a polícia não quer
fazer publicidade.
Em Paris, por
exemplo, em 2004,
um grupo de radicais tchetchenos estava montando um atentado contra a embaixada da Rússia quando foram foram presos.
Há ações da polícia européia, relativamente numerosas, que conseguem prevenir tentativas de
atentado, embora esses trunfos
não sejam tão divulgados.
Com isso não quero dizer que
possam ocorrer atentados todos
os dias na Europa, ou todas as semanas. Se fizermos uma proporção, é possível calcular que, para
cada dez tentativas de atentados
num ano, nove delas são desbaratadas pela polícia. Infelizmente,
uma não será descoberta -e foi o
que ocorreu agora em Londres.
Folha - Os serviços de informação
dos diferentes países da Europa estão em permanente contato uns
com os outros?
Géré -Felizmente sim. Isto é um
fator essencial para permitir desmontar uma célula terrorista.
Folha - Como funciona esse sistema de informação entre os países?
Géré - De várias maneiras, não
poderia agora citar todas. Dou
um exemplo: quando alguém que
é considerado suspeito ou perigoso deixa a Suécia, é preciso que as
autoridades suecas comuniquem
a seus colegas europeus sobre essa
partida. Depois que o sujeito visado deixou a Suécia, precisamos
saber para onde ele foi, se para a
Alemanha, o Reino Unido ou algum outro lugar. É uma informação extremamente importante.
Folha - O sr. pensa que o medo de
atentados terroristas será uma
constante na vida das grandes cidades européias e de outras capitais do mundo?
Géré - Espero que não seja permanente. Penso que conseguiremos acabar com eles. Mas está
claro que todas as grandes capitais, todas as grandes concentrações de população, todos os grandes acontecimentos, sejam políticos, esportivos ou eleitorais, serão
alvo para este gênero de ação.
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