São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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CULTURA

Desejo de aderir à UE motiva a concessão aos curdos

Turquia rompe tabu histórico e inicia liberação do idioma curdo

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

A idéia de que os curdos possam estudar em sua própria língua e assistir a programas nesse idioma começa a deixar de ser considerada "propaganda separatista" e inclinação "terrorista" na Turquia.
Segundo a imprensa local, o presidente Ahmet Necdet Sezer propôs, durante uma reunião do Conselho Nacional de Segurança, que um dos canais públicos transmitisse todos os dias um pequeno programa em curdo. E o ministro responsável pelos direitos humanos, Nejat Arseven, declarou não ver problemas no eventual ensino do curdo em escolas particulares.
No início do mês, o Parlamento legalizou cursos de curdo em institutos particulares, mas escolas e universidades ainda não têm permissão para utilizar a língua.
O governo turco alegava que conferir liberdade cultural aos curdos incentivaria o separatismo. Os curdos formam o maior grupo étnico do mundo sem uma pátria reconhecida, e a maioria vive na Turquia (14 milhões).
A forma como os curdos são tratados -em geral têm de optar entre a assimilação e a repressão- é um dos principais entraves à adesão da Turquia à União Européia, que defende o fim do banimento do ensino em língua curda e a organização de partidos políticos curdos.
Para Haluk Gerger, que foi preso em razão de escritos pró-curdos "subversivos", "as reformas não têm nada a ver com nenhuma intenção de mudar o militarismo da Turquia ou a cultura da intimidação; trata-se de acrobacias políticas para aderir à UE".
Estudantes continuam a ser suspensos ou expulsos de universidades por firmar petições em prol do curdo. Nos últimos três meses, em pelo menos 30 cidades e 22 universidades, mais de 15 mil estudantes firmaram um abaixo-assinado a favor do idioma. A Universidade de Istambul expulsou 30 alunos e suspendeu 38 por um ano. A polícia enviou aos pais dos signatários -20 dos quais foram presos- uma carta que dizia: "A campanha com o objetivo de reivindicar a suposta identidade (curda) e cujo lema é "Queremos o ensino do curdo", lançada por uma organização terrorista e separatista, está causando danos a seus filhos. Infelizmente, seu filho firmou a petição... Se você não quiser que isso afete sua família e prejudique seu filho pelo resto de seus dias, impeça-o de sucumbir ao discurso antipatriótico".
Alguns políticos expressam sua oposição ao debate reformista de forma inequívoca. "A língua (curda) vai ameaçar nossa coesão social", diz o ministro Oktay Vural, do Partido da Ação Nacionalista, principal movimento contra as reformas. "Não podemos permitir que as organizações terroristas usem isso como fermento. Precisamos pensar na segurança e na unidade da Turquia."
Não é só Vural quem evita usar a palavra "curdo" -resquício de um tabu em vigor até há pouco. Mesmo Mesut Yilmaz, ex-premiê que apóia as mudanças, prefere os termos "língua materna" e "idiomas e dialetos tradicionais" quando se refere ao projeto.
Para Kerim Yildiz, do Projeto dos Direitos Humanos dos Curdos, com base em Londres, "as medidas que a Turquia vem tomando não são passos sinceros a caminho da democracia". "Tudo o que foi feito teve o objetivo de atender a parâmetros da UE de forma cosmética." Apesar disso, segundo ele, "as reformas devem ser vistas de modo positivo". "Nós não podíamos sonhar com elas dez anos atrás, e muitas pessoas pagaram um preço alto."
Na opinião de Murat Bozlak, líder do Partido da Democracia do Povo (Hadep), "em comparação com o passado, há mudanças impressionantes na Turquia".


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