São Paulo, Sábado, 11 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ÁFRICA DO SUL
Trabalhadora branca ganha em tribunal vaga que estatal havia destinado a candidatos negros
Justiça contesta política pró-negros

OTÁVIO DIAS
da Reportagem Local

A Justiça sul-africana deu ganho de causa a uma trabalhadora branca contra a estatal Eskom, que, nos últimos anos, tem dado preferência a contratar negros e mestiços, com o objetivo de equilibrar, do ponto de vista racial, seu quadro de funcionários.
Em 1996, Sarita van Coller, 23, se candidatou a uma vaga de gerência na empresa elétrica Eskom, mas, embora tenha obtido nota 8 no exame de seleção, perdeu o emprego para a segunda colocada, uma candidata "coloured" (mestiça), que teve nota 6,4.
Sob o argumento de que teria sido discriminada por ser branca, Van Coller pediu uma arbitragem para decidir a questão.
Sua ação foi patrocinada pela MWU (União de Trabalhadores de Mineração), uma central sindical com cerca de 60 mil filiados, 90% deles brancos.
O árbitro considerou uma prática injusta contratar a candidata "coloured" quando a postulante branca havia se mostrado mais qualificada e determinou que Sarita van Coller fosse contratada.
A Eskom, estatal de energia elétrica com cerca de 37 mil funcionários, pediu uma revisão da arbitragem ao Tribunal do Trabalho, mas a decisão de 96 foi confirmada, em 16 de agosto último.
Segundo Peter Adams, porta-voz da Eskom, o juiz se declarou favorável a políticas trabalhistas de equiparação racial, mas não anulou a arbitragem porque, tecnicamente, ela estava correta.
Diante da decisão, a Eskom contratou as duas candidatas, mas diz que não pretende mudar sua política.
O Parlamento sul-africano, dominado pelo Congresso Nacional Africano desde as primeiras eleições multirraciais do país, em 1994, aprovou, em 97, a Lei de Igualdade no Trabalho.
A lei determina que as empresas do país -estatais e privadas- adotem uma política empregatícia para elevar a participação de negros, mestiços, mulheres e deficientes em seus quadros, especialmente em cargos mais elevados.
A lei, entretanto, não definiu metas, o que ficou a cargo das próprias empresas.
A Eskom fixou a meta de, até o final do ano 2000, ter 50% de suas vagas de gerência e direção ocupadas por negros ou mestiços.
"É um esforço considerável num espaço curto de tempo", disse à Folha Peter Adams, porta-voz da companhia de eletricidade.
Segundo Adams, apenas 5% dos cargos de gerência da Eskom eram ocupados por negros e mestiços em 1990, quando começou a ser desmantelado o apartheid, regime de segregação racial que vigorava no país desde 1948.
Em 90, o então presidente Frederik De Klerk (branco) libertou o principal líder negro do país, Nelson Mandela, e legalizou seu partido, o Congresso Nacional Africano, dando início à transição que culminou com a eleição de Mandela presidente.
"Decidimos que, para o futuro da empresa e do país, teríamos de realizar uma ação decisiva para corrigir a discriminação racial existente em nosso quadro de funcionários", diz Adams.
"Até que nossa meta seja atingida, nossa política é: se temos dois candidatos, um branco e um negro, e o negro tem condições de realizar o trabalho, ele terá preferência", afirma.
Segundo ele, a empresa também tem dado preferência às mulheres e aos deficientes.
Para Adams, a política fixada pela Eskom discrimina os candidatos brancos, mas não haveria outra forma de corrigir os desequilíbrios herdados do apartheid.
"Teremos de ser injustos com os brancos durante um período curto, de forma a dar aos negros uma oportunidade que eles não tiveram durante décadas", diz.
Segundo ele, a Eskom deverá rever sua política depois que a meta tiver sido atingida.
Para ele, o ideal seria que o quadro de funcionários da empresa, em especial nos cargos mais qualificados, refletisse a composição demográfica da África do Sul.
Cerca de 75% dos sul-africanos são negros ou mestiços. Os brancos (descendentes de europeus) representam cerca de 20% da população e as outras raças, 5%.
"No futuro, pretendemos atingir uma situação que espelhe a composição de nossa sociedade. Mas não sabemos se conseguiremos isso rapidamente."


Texto Anterior: Aniversário: Chile lembra golpe sem Pinochet
Próximo Texto: "Branco pode perder emprego'
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.