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Estudantes impõem desafio a Chávez
Movimento reúne de social-democratas a direitistas, afirma lutar por "direitos humanos" e ocupa nas ruas espaço dos partidos
Além de reforma da Carta, está em jogo preservação da autonomia universitária; chavistas dizem que colegas querem manter privilégios
Juan Barreto - 7.nov.07/France Presse
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Estudantes formam corrente humana em ato pelo adiamento do referendo sobre reforma da Carta |
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
A cena, ocorrida no dia 22 de
outubro no centro de Caracas,
beira o surrealismo. Protegidos
pelos escudos transparentes da
tropa de choque controlada pelo chavismo, manifestantes
com camisas do Che e rostos tapados lançam pedras, garrafas
e impropérios contra milhares
de estudantes universitários,
estes sem qualquer traço de cor
vermelha em roupas e cartazes.
Fazendo oposição a um governo com retórica de esquerda, o movimento estudantil venezuelano se transformou, desde maio passado, na maior surpresa política dos últimos anos
e no principal desafio do presidente Hugo Chávez para vencer o referendo sobre a sua controvertida reforma constitucional, daqui a três semanas.
"Somos um movimento sem
ideologia de esquerda ou direita, nos unimos pelos direitos
humanos", diz à Folha Cristina
Carbonelli, 26, estudante de
trabalho social da Universidade Central da Venezuela (UCV)
e dirigente do movimento. "Cada um tem sua ideologia. Eu
me considero socialista, mas há
gente de centro-esquerda, social-democrata, direita."
Praticamente inativo nos
quase nove anos de governo
Chávez, o movimento estudantil ressurgiu em meio aos protestos contra a não-renovação
da concessão da emissora oposicionista RCTV, no chamado
"maio venezuelano". Expostos
à exaustão pelos meios de comunicação antigoverno, em
poucos dias seus líderes se
transformaram em figuras públicas, sobretudo Yon Goicoechea, 23, e Stálin González, 26.
Ambos estudam direito: o
primeiro, de classe média alta,
estuda na exclusiva Ucab (Universidade Católica Andrés Bello), espécie de PUC local. González, filho de militantes comunistas de classe média baixa,
preside a Federação dos Centros Universitários da pública
UCV, maior universidade do
país, com 70 mil alunos.
Embora não tenham revertido a decisão sobre a RCTV, as
marchas de meados do ano serviram para que líderes estudantis começassem a se organizar para os protestos contra o
projeto de reforma constitucional, que inclui a reeleição ilimitada para presidente.
"Saímos todos às ruas e nos
demos conta de que necessitávamos de uma estrutura. Criamos o Parlamento Nacional
dos Estudantes, onde há representantes de todas as universidades", explica Carbonelli.
Mãos brancas
Ao longo desse período, os
estudantes foram desqualificados por Chávez, com rótulos
como "lacaios do império", "filhinhos de papai" e "fascistas".
A sua frase mais célebre contra
eles é: "Foguinho que se acende, foguinho que se apaga".
Também sobram episódios
violentos. O mais grave ocorreu
na última quarta-feira, quando
nove estudantes oposicionistas
ficaram feridos -pelo menos
três a bala- no campus da
UCV, um orgulho nacional
tombado pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade. Uma das pessoas armadas foi identificada como o deputado estadual chavista José
Félix Valera. Ele não foi preso.
Goicoechea, 23, que se diz
ameaçado de morte, foi agredido duas vezes diante das câmeras por militantes chavistas
-sofreu uma fratura no nariz.
A persistência dos estudantes e a superexposição nos
meios de comunicação opositores parecem ter aumentado o
apoio a eles. O símbolo do movimento, duas mãos abertas
pintadas de branco, se multiplica em pichações e em camisetas vendidas por camelôs. Nas
últimas marchas, estudantes
recebem o apoio de simpatizantes desiludidos com os partidos tradicionais da oposição,
tidos como ineptos e cansados.
Nos populares fóruns de discussão oposicionistas na internet, como o noticierodigital.com, muitos debatem se os universitários serão capazes de
impedir a reforma constitucional ou até mesmo forçar Chávez a deixar o poder.
"Não sobrecarreguem os estudantes", tem advertido Fernando Mires, um sociólogo chileno especializado em Venezuela. "É um erro pedir a um
movimento recém-nascido que
os libere daquilo que os partidos políticos não puderam fazer. Tampouco me parece justo
imaginar que os estudantes são
a força antipartido da sociedade. Hoje, vivem seu momento
feliz. Mas uma democracia sem
partidos políticos é uma impossibilidade."
Além do fim da RCTV e da
proposta de reforma constitucional, lançada por Chávez logo
depois de sua reeleição com
62% dos votos, em dezembro
passado, os estudantes oposicionistas da UCV têm outra
bandeira: a manutenção da autonomia universitária, que assegura liberdade para administrar o orçamento e desenhar o
currículo dos cursos e tem favorecido a escolha de reitores
anti-Chávez, mesmo sendo
uma instituição do governo.
Processo de seleção
"A divisão de classe perdura.
Apenas um grupo da alta burguesia da sociedade controla a
reitoria, escondido na autonomia universitária", diz o estudante chavista Jesus Mujica,
20, diante do prédio da Escola
de Trabalho Social da UCV,
maior reduto "bolivariano" da
instituição e palco do confronto ocorrido na quarta-feira.
Negro, Mujica diz que a faculdade de medicina "parece a
Alemanha" e que tem medo de
andar pelo campus: "Não podemos andar nos corredores com
a camisa do Che e procuramos
sempre andar em grupos", relata. "Somos diferentes tanto na
composição de classe como na
maneira de pensar."
Os chavistas defendem a alteração do processo de seleção
para o ingresso na universidade
-a maior parte entra por meio
de provas, e um programa menor recruta os melhores estudantes de escolas públicas.
Reitor interino da UCV,
Eleazar Narváez discorda que
haja um problema na seleção.
"Entre os estudantes ucevistas,
há menos de 1% de estrato superior. A grande maioria dos
nossos estudantes é da classe
média ou classe média baixa. É
certo que há uma pequena porcentagem do estrato socioeconômico baixo, mas a universidade é a responsável pela exclusão?", pergunta, em entrevista
em seu imponente escritório,
mobiliado com móveis antigos.
Mas o momento não é de debate. Por causa da polarização
política, o campus, uma enorme área verde perto do centro
de Caracas, vive sob tensão.
Professores e funcionários carregam vinagre na bolsa -molhado em pano, ajuda a aliviar
os efeitos do gás lacrimogêneo.
Na madrugada de ontem, o centro acadêmico da Faculdade de
Direito, controlado pelos chavistas, foi incendiado.
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